Sim, Jéssica, é isso que há…

Tirar a vida de moradores – ou quem estiver só de passagem – de comunidades é, segundo o discurso oficial, um “dano colateral” ou o “custo da operação”, como disse o porta-voz da Polícia Militar do Rio de Janeiro, do que cinicamente chamam de “guerra às drogas”.

Não existe uma guerra às drogas, do contrário, depois de décadas sendo travada, algum dos lados tivesse sido destruído ou, ao menos, estivesse encurralado ao ponto de quase desaparecer.

O que há é um pacto de conveniência entre o tráfico e o aparato policial, lucrativo para ambos, pois gera uma montanha de lucros, de onde vertem vantagens diretas (a corrupção policial) e indiretas (o fantástico mercado de venda de segurança privada, igualmente controlado por policiais e por militares, nem sempre da reserva).

Não quer dizer, é claro, que estejam todos policiais envolvidos numa ou noutra: muitos são honestos e vivem com limitações e sob perigo sempre grande e até ampliado pela perda de respeito que a promiscuidade com o crime gera em relação à polícia.

Mas há uma simbiose que vai além destas cumplicidades: o empoderamento dos grupos criminosos é o empoderamento das organizações policiais e vice-versa, porque transforma a polícia em tropa (mais policiais, mais oficiais, mais delegados e agentes) e os grupos criminosos, necessariamente, em estruturas maiores, com necessidades crescentes de territórios (até para repor os que perderam para milícias parapoliciais), de poderio bélico e em quantidades de “efetivos”, transformando o recrutamento de jovens nas comunidades em algo quase imperioso, para fazer frente a polícia, à milícia ou a facções rivais.

Pretender romper esta equação macabra é quase o mesmo que se tornar um maldito. Um “defensor de bandidos” ou de traficantes, nas acusações que comunicadores (e jornalistas, vários) ajudam a manter à espera que o espalhafato e a “dureza com os marginais” pode lhes trazer.

Hoje, Jéssica, uma das filhas da senhora Letícia Marinho Sales, que foi assassinada, indefesa, num automóvel parado numa sinal de trânsito, próximo ao Alemão, chorou a sua dor:

“Um policial vem e atira na minha mãe dessa forma? O que a minha mãe fez com ele? Ela levantou uma arma para matar ele? O que tinha na cabeça aquele homem? A única coisa que eu cobro do governador Claudio Castro é justiça. Porque nada vai trazer minha mãe de volta. Nada do que o estado fizer vai trazer minha mãe de volta. O Estado foi extremamente negligente”.

“Minha mãe era uma pessoa que só se prestava a ajudar. Eles acham que todo mundo que mora na comunidade é marginal. A gente não mora ali porque a gente gosta, a gente mora ali porque não dá pra pagar IPTU, IPVA, aluguel e as outras contas. É isso que o governador tem pra gente? Eu quero saber os responsáveis. Eu cobro do governador Cláudio Castro, o que ele vai fazer?”

O Estado não foi negligente, Jéssica. Foi perverso, porque só agiu assim por covardia e não o teria feito numa área nobre da cidade.

Você perguntou se é isso que o governador tem para gente como ela, você e milhões de brasileiros de vida modesta. Sim, é isso, ele, o presidente que debochou da solidariedade a todos os outros que morreram e dos que ainda vão morrer neste pacto entre anormais entre o poder e o crime, que a ambos dá mando e lucros.

Nada, porém, que consiga consolar seu coração de filha nem dobrar a sua consciência de dignidade.

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