Tenha modos, general

O presidente do Clube Militar, general da reserva Eduardo Barbosa, autor da vergonhosa nota na qual diz que há “ministros [no STF] cujas togas não serviriam nem para ser usadas como pano de chão, pelo cheiro de podre que exalam” fez-me lembrar de meus avós.

Lá, naquele simples IAPI de Realengo, onde havia uma Escola Militar e, portanto, não era raro conhecer muita gente que, garbosamente, envergava túnicas do Exército, ouvi muitas vezes minha avó, quando o neto falava algo grosseiro, dizer: “tenha modos, Fernando”. Ela, costureira, tinha apenas o “5° ano primário”. Meu avô, só com o 1°, e mais econômico no falar, quando eu “engrossava” nada dizia, apenas imitava o relincho de um cavalo, para mostrar-me com o que o menino parecia”.

Os jovens oficiais, muitos deles que viriam a se casar com as filhas de trabalhadores que pegavam o “trem das professoras”, eram pessoas educadas, que não despejavam imundícies pelas bocas, mesmo os de origem mais modesta. Minha tia casou com um deles e as famílias se frequentavam: nunca vi ou ouvi uma grosseria daquele homem austero, vindo do Sul e engajado como simples cavalariço.

O tio não fazia de sua casa um estábulo.

O senhor, general, tem sua casa num clube fundado por Deodoro da Fonseca e cujo nascimento ajudou a partejar a República no Brasil. Deveria por ela ter zêlo.

O senhor aceitaria que alguém dissesse isso das fardas verde-oliva?

É seu direito ser reacionário, direitista, autoritário, até. Mas o senhor, ainda que na reserva, é um general e, portanto, está obrigado a ser um exemplo para a tropa.

Se o senhor chama de piores que um pano de chão as togas da mais alta corte do país, imagine do que as chamarão simples aspirantes ou tenentes, que não têm o aprendizado que décadas de serviço deveriam ter dado ao senhor?

Ah, sim, eles têm armas e, portanto, precisam ser formados dentro da cultura de contenção de seus atos, porque isso integra um pilar do comportamento militar: não misturar o que ele sente com o poder de vida ou morte com que a Nação o armou.

A boca, general, é uma arma e ela não pode disparar asneiras.

A quem o senhor faz de exemplo e merecedor da mais excepcional proteção do mais alto comandante das Forças Armadas, o presidente do País?

A um brutamontes, que xinga, que diz que um ministro deveria “olhar seu bilau e ver que é um homenzinho”, que fala que outro “não tem culhão roxo, mas gosta de um culhão roxo” e a ambos ameaça dar surras e atirar na lixeira?

O senhor passaria este vídeo para “as senhoras” dos militares nos lindos salões do Clube Militar?

Disseram que ao STF bastariam um cabo e um soldado para fechá-lo. Bastará ao Exército um cabo da PM, que tem uma penca de punições e repreensões militares e que só ingressou na corporação porque alguém de toga o protegeu e fez reverter a decisão militar de não aceitar alguém que estava metido com brigas de rua e, confessadamente, com a falsificação em série de atestados médicos para não ir trabalhar e que inaugura, como deputado, uma linha de linguajar que o senhor acha “legal”?

General, se estivesse viva, minha avó o repreenderia na demorada mesa dos almoços de família em Realengo: “tenha modos, general”.

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