A despedida ameaçadora de Donald Trump – “Voltaremos de alguma forma”, prometeu – parece com aqueles filmes onde os vilões, derrotados, partem para terras distantes, outra dimensão ou para outros planetas para, na continuação, voltarem com uma nova trama maligna para ameaçar a Terra.
Não é despropositado pensar assim, porque Trump deixa um país onde os fantasmas que sempre existiram perderam os limites de só aparecerem na escuridão.
Eles estão, agora, soltos nas ruas e, sobretudo, nas redes ditas sociais.
Importa menos que a derrota eleitoral de Trump tenha mostrado que eles não são maioria, mas são muitos, muitos mesmo, e capazes de fragilizar até mesmo um presidente que tem o apoio desabrido da mídia, como Biden tem, ao menos em sua fase inaugural.
Logo as trincas neste bloco maciço de apoio vai exibir suas primeiras trincas. Bidem será pressionado pela esquerda do Partido Democrata a abrir um período de reformas veloz, como já sinaliza Bernie Sanders, em artigo publicado hoje no The Guardian, onde prega diversas medidas imediatas para aumentar a ajuda dada às vitimas econômicas da pandemia, aumentar o salário mínimo para $ 15 a hora, expandir o seguro-desemprego e prevenir o despejo, falta de moradia e fome, fazer uma reforma tributária e estender o sistema de seguro-saúde.
Biden deve ter um arranque nesta direção, enquanto está transbordante de legitimidade.
Mas não será fácil mantê-la, porque o quadro da economia é recessivo e o cenário da pandemia não se resolverá rapidamente, malgrado o difícil desafio que o novo presidente se impôs de vacinar quase um terço da população em 100 dias.
Biden tem a seu favor a experiência de quatro décadas de conhecimento dos espaços políticos de Washington e uma possível distensão comercial com a China.
E as semanas ou meses que Trump estará no seu ostracismo, cuidando apenas de safar-se da falência de seus negócios e da ameaça de um impeachment que, se não tem efeito prático depois de encerrado seu mandato, pode desdobrar-se em uma decretação de inelegibilidade, aombos ainda improváveis.
A seguir, porém, Donald Trump reassumirá o seu papel marginal às estruturas políticas convencionais, chantageando o Partido Republicano a mantê-lo no comando ou, caso os velhos caciques não o permitam, criando uma organização paralela sem a qual o GOP –Grand Old Party, como é referido na linguagem coloquial – não tem chances nas eleições intermediárias para a Câmara e Senado, em 2022.
Se a sua sombra será uma ameaça ou uma caricatura ou uma assombração aterradora, os próximos meses o mostrarão.
Mas dissipar-se não vai.