O passado é uma roupa que já não serve mais

elizabeth

No final dos anos 70, a voz inesquecível de Elis Regina cantava os versos de Belchior: “o passado é uma roupa que não nos serve mais”.

Os “saudosistas” de um passado que nem viveram – se o tivessem vivido, saudades é que não teriam – só não entendem isso porque  o fanatismo não quer entender nada, mas impor tudo.

Nem é preciso discutir as razões, apenas o tempo.

Hoje, Fernando Molica escreve, em O Dia, um belo artigo para nos lembrar disso.

Ele tem razão, o Brasil chegou ao “tamanho M” – e apenas “M”,  perto do que pode ser e, inexoravelmente será.

Como aconteceu com Elizabeth Eckford, leva tempo.

Mas o tempo passa adiante, não para trás.

Por mais que o queiram empurrar para lá.

Embora sempre seja preciso fazer o que fez Elizabeth: caminhar, serena e corajosamente mente, sem medo dos gritos, dos urros do que já se foi, mas teima em querer voltar.

 

O Brasil que chegou ao tamanho M

Fernando Molica, em O Dia

Em 1957, o fotógrafo Will Counts traduziu a história em imagem ao flagrar a ira de um grupo de brancos que tentava impedir que a jovem negra Elizabeth Eckford, de 15 anos, começasse a frequentar a melhor escola de Little Rock, no Arkansas. Ela era um dos nove estudantes negros escolhidos para cumprir decisão judicial que impedia a discriminação. Semana passada, a Universidade Federal do Espírito Santo afastou o professor Manoel Luiz Malaguti, que, em sala de aula, fizera declarações racistas.

Casos de intolerância são muito frequentes. Volta e meia, um determinado grupo reage à chegada de pessoas que consideram diferentes, temem que forasteiros quebrem um suposto equilíbrio social. É como se, de uma hora para outra, valores cultivados ao longo de gerações estivessem ameaçados pela vinda daqueles que não são vistos como semelhantes. Há também o medo de perda de privilégios, de dinheiro, de empregos — na prática, nem todos são iguais, como ressalta aquele velho ditado sobre priorizar o próprio pirão diante da escassez de farinha.

Acostumados com prestígio e fartura, muitos reagem à mudança de forma violenta. Favorecidos pela exclusão, estão tão acostumados com a injustiça que a consideram normal, natural. Dá pra imaginar o impacto que representou, para os brancos da África do Sul, o fim do mais que vergonhoso regime do apartheid. Negros que sequer podiam usar o mesmo bebedouro que eles teriam o direito até de chegar — como chegaram — à Presidência da República.

O Brasil vive uma situação que, embora bem menos radical, tem semelhanças com sociedades que vivenciaram rupturas. É como se o país digno e confortável tivesse sido planejado para ser do tamanho P, capaz de abrigar apenas uma pequena parcela dos que vivem por aqui. A estabilidade da moeda, o aumento do emprego, a maior facilidade de acesso à universidade e a criação de programas de inserção social geraram um alargamento do modelo, passamos para o tamanho M. Muita gente passou a ter uma vida melhor — “gente diferenciada”, na expressão daqueles paulistanos ricos que não queriam uma estação de metrô no bairro que dizem ser seu. A eleição serviu para destampar o ódio dos que veem o país como um condomínio fechado, que não admitem a proximidade com aqueles que consideram inferiores. Que se conformem, não tem mais volta, as pessoas se cansaram de ir à grande festa brasileira apenas para servir bebidas e limpar banheiros — é hora de todo mundo ficar bem na foto.

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19 respostas

  1. “clap clap clap” perfeito.

    ou essa suposta “elite” (burra,preconceituosa, violenta,egoísta, golpista etc.) se acostuma com a idéia de que esse é
    um país de todos, e de que esta realidade não tem mais volta, ou cumpra com as promessas e “ameaças” e se mude de mala e cuia pro
    seu paraíso de breguice e decadência, Miami.

    1. Por isso eu achei sempre o lema do Governo Lula 1000 vezes melhor que o de Dilma: “Brasil, um país de todos.”

  2. Além do texto esclarecedor e preciso como uma navalhada nos lábios da élite, temos a imagem que ilustra o post, imagem simplesmente espetacular.

    Discordo que aqui não haja uma ruptura como a do apartheid, vivemos sim esta ruptura, claro, permeada pelo indefectível “jeitinho” brasileiro. Aqui temos as mesmas figuras patéticas vociferando contra o povo, representado na foto pela altiva e frágil figura de Eckford, atrás dela os Lobões, Cantanhedes, Azevedos, Magnolis, Sheherazade e outros celerados que se prestam a formar seres mais bestiais que eles próprios, seus leitores e telespectadores, incrível que seja com uma ajuda enorme de verbas públicas.

    Mas assim como a figura altiva de Eckford, nosso povo segue adiante, negros, mulatos, nordestinos, operários, mineiros, fluminenses, nortistas e todos que hoje são a vanguarda neste País. Não a Nação bolivariana que pregam os enlouquecidos, mas uma Nação que a pouco mais de uma década vivia o pré-capitalismo, com massas enormes a viver ainda num regime feudal-escravocrata.

    O PT, com seus altos e baixos e sua falta absoluta de apetite par a guerra aberta, sem dúvida, iniciou o ciclo capitalista no País, para o bem e par o mal.

  3. Também hoje, alguém citou o fato de que não é novidade a tão falada divisão do país, já que São Paulo também resistiu à abolição da escravatura. O mesmo São Paulo de hoje.

  4. A elite outlet, os new sacoleiros de Miami, aqueles que tem nojo de nordestino mas não se importam em ser cucaracho de americano. Pois FDP tipo Lobão, Mainardi, Roger, Gentili.

  5. Concordo 1000 % com o post.

    Transcrevo-lhe a essência, posta de forma inconteste.

    …”Acostumados com prestígio e fartura, muitos reagem à mudança de
    forma violenta. Favorecidos pela exclusão, estão tão acostumados com a injustiça que a consideram normal, natural.”…

  6. Egoísmo. Essa é o sentimento predominante em nas classes mais altas. “Eu posso ter, você não pode”.

  7. O comportamento discriminatório sempre existiu na sociedade brasileira. Ele estava escondido na máscara da hipocrisia.
    O período das eleições nos permitiu visualizar quem é quem nesta sociedade. E é bom que seja assim, pois agora saberemos escolher melhor as nossas companhias.Importante também, é saber que somos a maioria e assim continuaremos se soubermos passar para as pessoas do nosso ciclo que o respeito ao próximo é a base de uma sociedade civilizada.

  8. Há uma constatação popular em tom de brincadeira que diz; “a diferença do ovo da pata para o ovo da galinha é a gritaria que cada uma faz ao botar o ovo”. O ovo da galinha possui mais fama que o da pata. O destaque que tem ganhado o comportamento de certos grupos, com as atitudes de preconceito que tem mostrado. Não é típico dos brasileiros. Uma demonstração disso foi dada durante a Copa do Mundo. Todos os que estiveram aqui, foram tratados com a cordialidade do brasileiro. Fora as questões de pura desigualdade econômica, não há nenhum tipo de diferença no convívio entre as pessoas. Temos problemas de acesso, mas nunca tivemos problemas de intolerância. A própria formação do Brasil e sua miscigenação é fator que contribui para não ter existido isso por aqui. Não é um fenômeno da sociedade o que algumas pessoas estão fazendo. O espaço que estão dando para isso é que motiva que prossigam praticando essas atitudes.
    Todos tem a consciência de que agregar o País possibilitando oportunidade para todos, significa que passaremos por transições. Aumenta-se o volume de movimentação de pessoas, nos mais variados lugares. A inclusão de mais pessoas e seu acesso àquilo que antes não tinham condição, muda a realidade de tudo. Essa demanda criada pelo aumento do fluxo de pessoas, tende a aumentar e cria oportunidades e novas necessidades para ser atendidas. O Brasil passa por uma mudança de perfil que será refletida em todas as cidades, multiplicando mais ainda o surgimento de oportunidades para atender a essas necessidades. Contingentes de pessoas que vão exigir condições cada vez melhor. Entender essa equação é fundamental para decidir o que precisa ser feito.

  9. Nesta foto espetacular, a mulher à direita, mais próxima, de vestido listrado, tem a expressão dura e transtornada da Marina Silva.

  10. A estratégia do PT de colocar todos os opositores no mesmo saco de “viúvas da ditadura” não vai dar certo, assim como a estratégia de colocar o PT no mesmo barco furado de Stalin e da URSS.

    Só lamento para os blogues sujos…
    agora, quem faz declarações nazi-fascistas e anti-democráticas a todo o momento: os líderes do PT. Não é um manifestante maluco carregando um cartaz, ou um que outro deputado radical. São os LIDERES.

  11. Fernando, procure fotos da Eckford na internet. Verá uma foto bem interessante de um grupo de brancos portando cartazes assim: “Race mixing is comunism”. Bolivarismo, venezuelização, ditadura de esquerda e termos do gênero são bem ilustrativos, não? Quase sessenta anos depois…

  12. Não sei como nomear o sentimento que sinto.
    Quando vejo a Vitoìa do SER HUMANO, contra seu
    maior inimigo.

  13. Caro Fernando, toda vez que vou compartilhar um post seu no facebook a foto que sai não é a mesma do post. Queria compartilhar o texto com esta foto histórica e apareceu outra, com a cara do EC. Pode ser corrigido isto? Grata, Ruth

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