Ninguém levantará por nós um só tijolo. Por Adhemar Bahadian

Tornou-se tão raro ler, em meio ao sabujismo de uns e ao desânimo de outros, textos de alguém que consegue pensar fora da fatalidade de que somos e seremos um país chinfrim, condenado a praticar uma “eficiência” selvagem, onde os negócios vão bem e as pessoas vão mal,  que perceba, como tantos de nós e das gerações passadas percebemos, que somos uma Nação das que mais podem aspirar, por tudo o que temos, ter um destino próprio, que tenho a obrigação de reproduzir. O texto do embaixador aposentado Adhemar Bahadian, publicado originalmente no Jornal do Brasil é destes que nos conforta a alma e revigora as forças para lutar.

O leite e as pedras

Adhemar Bahadian, no Jornal do Brasil

Às vezes, me pergunto se ouvi bem certas frases de altas autoridades brasileiras . Venho lutando contra uma surdez incipiente, derivada da idade e da genética. Mas a surdez será um bálsamo diante da pirotecnia de ditos e malditos que andam por aí. Outro dia, chegou a meus cansados ouvidos a frase “ por mim eu privatizaria tudo, mas o exército é contra a privatização da Petrobras.” Tive vontade de gritar de volta “ também sou contra”. Quase no mesmo instante, ecoou outra frase do mesmo locutor “ as estatais são como filhos que se drogaram “. Esta, convenhamos, é de extremo mau gosto. Atinge famílias às voltas com um dos mais dolorosos problemas da modernidade e ,de quebra, insulta a capacidade gerencial de honrados funcionários públicos.

Cheguei a pensar que se deveria instituir um imposto de consumo por frases estúpidas. Creio que as contas públicas melhorariam muito. Não demorou dois dias, sempre o mesmo locutor enunciou sua terceira pérola: “Pinochet transformou o Chile numa Suiça”. E agora, que se pode argumentar?

Enquanto a sociedade brasileira pranteava os mortos de Brumadinho, outra autoridade de alto coturno meteu as esporas no cavalo moribundo.” Precisamos reprivatizar a Vale” dando a entender que as boas privatizações são as que ficam nas mãos de brancos de olhos azuis.

Ainda no domingo passado, neste mesmo espaço, recordei que o Ministro alemão da Economia havia dado a conhecer a estratégia industrial de seu país para o período 2019-2030 ,onde ressaltava a importância de o Estado alemão impedir a venda de empresas privadas para gigantes indústrias da China e dos Estados Unidos. Ora, o ministro alemão deixa claro que o capitalismo mundial está passando por uma tectônica arrumação de camadas onde se decide o poder deste século 21. Nesta reorganização hostil , a Alemanha denuncia o pret-à-porter de uma geopolítica onde China e Estados Unidos serão os dois polos a imantar a nova configuração mundial. Em outras palavras, a Alemanha pretende salvaguardar suas empresas e sua cultura da pasteurização galopante em diversas áreas do planeta, em sangrenta turbulência.

Mais importante, a Alemanha está a dizer em alto e bom som exatamente o oposto que nossos ilustres dirigentes governamentais propõem como rota para o Brasil.

Aqui, ao contrário de lá, se tem uma visão derrotista do futuro. Nosso caminho será certamente o de aprofundar a subserviência aos poderosos e nos contentarmos, como historicamente nos contentamos, com um papel subordinado no rearranjo que se quer impor pela força de uma ideologia mambembe. Agora, vejam bem o disparate desta opção . O Brasil talvez seja um dos poucos países que podem, sem ufanismos, pleitear uma posição de destaque na geopolítica deste século. Temos território, população e riquezas naturais para sê-lo .

Pode-se argumentar que temos um território ainda a conquistar, uma população a instruir, e riquezas que se podem desperdiçar . Mas, é exatamente aí que entra o elemento que nos falta dramaticamente neste momento. A determinação .

Que sentido queremos dar a nosso país, que destino queremos para nossos filhos e netos já que o nosso se aproxima inexoravelmente do fim?

Pelo que dizem alguns dos nossos sábios economistas e astutos políticos, devemos nos “integrar” no mercado financeiramente globalizado, que dança diante de nós sua concupiscência argentária. Certo, poucos enriquecerão mais ainda. Seremos o país da desigualdade eterna, em que ricos e pobres se esquartejarão, como nas arenas romanas do Coliseu. É uma opção . Outra, seria assumir o desenvolvimento econômico e social ao alcance de uma sociedade determinada a vencer as disparidades sociais, através do estimulo ao desenvolvimento do mercado interno, atraente para gregos e troianos.

Em suma, carecemos de um programa de governo inteligente e sagaz a equilibrar nossas potencialidades e o investimento produtivo. Já o tentamos com algum êxito no passado. Lembremo-nos dos 50 anos em 5 do JK. Nações se constroem pela força de suas sociedades. Ninguém levantará por nós um só tijolo. Temos apenas nossas mulheres. E nossos “cojones”.

Facebook
Twitter
WhatsApp
Email

24 respostas

  1. À exceção do último parágrafo onde cita um dos piores presidentes que o Brasil já teve que colocou o desenvolvimento do país em 4 rodas e destruiu as ferrovias e, ao criar Brasilia (pqp), acabou criando uma Versalhes inatingível pelo povo, a milhares de quilômetros lá no planalto central, todo o mais este Sr. copiou das ideias e dos planos de governo do Ciro Gomes.

    1. Cuidado para, no afã de querer defender o político de sua predileção, você se esquecer de se aprofundar na história.

  2. Lúcido e muito bem escrito para não deixar dúvidas. Em complemento penso que as FA alinharam-se automaticamente aos EUA por entenderem que deveriam tomar partido nessa guerra entre EUA e CHINA, uma guerra comercial que tem tudo para se tornar uma luta real com muita morte e sofrimento. Para que tomar partido? O texto expõe claramente que precisamos de determinação mas com essa opção preferencial e cega pelos EUA as FA demonstram determinação pela subordinação e assim seremos eternos subalternos ao sabor dos ventos exteriores e sem nenhum protagonismo apesar de nosso tamanho, riquezas e população numerosa. Seria o caso de rever essa geopolítica estranha aos interesses nacionais, mas com o atual governo e esse espírito entreguista de parte da sociedade e das FA estamos fadados a nos tornar uma estrelinha na bandeira americana. Em tempo, o raciocínio vale literalmente caso a opção fosse pela CHINA. Assim nunca seremos grandes.

    1. Só discordo da parte da estrelinha na bandeira americana.

      Os EUA têm acesso ao nosso país, mas a recíproca não é verdadeira. As estrelinhas representam os estados (unidos), mas não as colônias americanas de hoje.

  3. Lula e Dilma implementaram políticas de curto, médio e longo prazo que, logicamente, foram abandonadas após o golpe de 2016, mas a herança é palpável e inesquecível.

  4. “(…)Que sentido queremos dar a nosso país, que destino queremos para nossos filhos e netos já que o nosso se aproxima inexoravelmente do fim?(…)”

    Texto comovente e desesperador.

  5. Sem porrada não resolve isso não. A grande maioria tá sendo atropelada e não consegue nem anotar a chapa do caminhão que a atropelou. Na incerteza o que vale é a informação maldosa da imprensa. Nosso grande problema se chama forças armadas, que estão armadas justamente para garantir a desigualdade. Toda vez que damos um passo na direção do futuro civilizado eles vêm e detonam tudo.

  6. O Ciro Gomes apresentou na sua campanha e nas suas palestras o que seria o projeto de desenvolvimento nacional dele, que tenta responder aos anseios do Sr. Adhemar Bahadian. Se responde ou não eu não sei, mas não tenho notícias se esse jornalista fez críticas e avaliações da proposta do Ciro. O PT apresentou o programa de governo dele, basicamente o: “O Lula fez e vai fazer de novo”. O Bozo apresentou o dele, que é:”vem comigo que depois te conto”.

    1. Do que adianta o ex-presidenciável apresentar uma ótima proposta de governo, se pouco menos de 4 meses depois do pleito, ele resolve:

      Chamar Lula, preso por atos indeterminados e não relacionados à Petrobrás, de seu “inimigo político”;

      Aquilo que tão criticava, de vender a alma para garantir a parceria com o sistema, jogar na lata de lixo e apoiar Maia à reeleição, de corpo e alma com PCdoB e parte do próprio PT (que, por sinal, ele jurou nunca mais seguir ou sequer copiar);

      Se recusar a fazer qualquer crítica (ainda que construtiva) ao governo, antes de completados “100 dias de mandato” (Laranjas do PSL, Fabrício/Flavio, Trump/Ernesto Araújo podem esperar pelo que o grande estadista tem a dizer até lá, não é mesmo?);

      Ah, e entrar no barco da mudança de regime contra Maduro. Aliás, pelo andar da carruagem, não me surpreenderia se Ciro já estivesse na fronteira, aguardando a “ajuda humanitária” dos EUA, para entrar na Venezuela e abraçar o auto-declarado presidente (kkkkk) Juan Guaidó.

  7. A forma que o poder entrou na família Bolsonaro criou sérios traumas psíquicos e comportamentais. Um pai (Bolsonaro) indica um filho (Carlos) com 17 anos para ser candidato a vereador contra a mãe. O filho mais velho (Flávio) não aceita e o irmão menor de idade é induzido pelo pai a assumir esse nefasto papel. Esse acontecimento criou um profundo dano emocional na família com repercussões em depressão, obsessão, medo, fobia, pânico…Hoje Bolsonaro é refém dos filhos e principalmente do Carlos. Vai ser difícil os militares afastarem o Carlos, pois a família é totalmente descompensada.

    1. Vá saber…pode ter até coisa pior, como o Boçal com uma arma na mão dizendo a algum deles: “tome o seu leitinho, senão vou atirar na sua mãe!”

  8. Tivemos esse projeto em marcha, ainda que se possam apontar defeitos, entre 2003 e 2016, sob o comando de Lula e Dilma.
    O golpeachment veio exatamente para detoná-lo, com a participação decisiva das ffaa e “com o supremo, com tudo!”.
    Lula foi preso por isso e eu não vejo outro cara com cojones pra botar as coisas no lugar. O nosso povo está dividido entre a ignorância e o cinismo.
    Falam em Ciro que, pra mim, não passa de um coronezinho de merda.
    Estou pessimista…

    1. Só faltou ao Lula e ao pt os “cojones” de que fala o autor. Não, Adauto. A política do Lula foi assistencialista, baseada em programas assistenciais (esmolantes) sem consistência e com salvaguarda que os defendesse dos ataques da direita. Onde estão todas estas conquistas petistas. Desmancharam-se no ar…

      1. desmancharam-se NAO! por isso deram o golpe, pra destruir. Tirar milhoes da extrema pobreza vc pode chamar do que quiser, mas o que fez TEMER pelo pobre? o que sera do trabalhador medio com a reforma da previdencia que nao vai se aposentar nunca? o que dizer em acabar o MAIS MEDICOS deixar o pobre sem assistencia? acabar com o SUS? governo bom e para os ricos e banqueiros? o abuso de auxilio moradias nao te incomoda, um BOLSA FAMILIA vc chama de esmola. VOCE E MEDIOCRE!

  9. Em suma, carecemos do governo Lula de volta, que fez exatamente o que o Adhemar estipula como solução, mas que sequer menciona.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *