A escalada de tensões entre os Estados Unidos e a China, provocada (e entenda literalmente no sentido de provocação) pela visita da presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, a Taiwan é tudo de que o mundo, já metido numa crise infernal, não precisava.
Desde que o falcão republicano Newt Gingrich foi à ilha chinesa, em 1997, um quarto de século atrás, era um acordo tácito que Washington manteria o apoio político, diplomático e militar com Taiwan, mas não tomaria novas iniciativas para sua independência da China. Gringich era presidente da Câmara, mas de oposição ao presidente de então, Bill Clinton e não um aliado, como Pelosi é de Biden.
(sobre Gingrich, sugiro a reportagem sobre sua biografia, publicada pela Folha, dois anos atrás, onde ele é apontado como “pai” da onda neofascista nos EUA)
Portanto, é difícil acreditar que, como alega a Casa Branca, a visita se dá à revelia do presidente e que ele a tenha desencorajado com qualquer vigor. Ao contrário, a impressão geral é a de que, ao final das contas, a deputada seja uma projeção do que Biden desejaria fazer ele próprio, e não pode.
Mas o que está acontecendo que justifique, neste momento, uma provocação tão disparatada ao gigante chinês numa questão tão séria que foi uma das principais questões do restabelecimento das relações entre EUA e China, negociada por Richard Nixon e Mao Zedong?
Não é, simplesmente, o tratamento de uma questão história e global como algo pontual e local, dada a fragilidade com que o Partido Democrata (de Biden e Pelosi) se aproxima das eleições de meio de mandato, marcadas para novembro, para as quais se prenuncia uma vitória ao menos expressiva (senão acachapante) do Republicanos. É também, mas faz parte de um movimento da estratégia dos EUA de gerar, em nome da “liberdade” a manter um império global de seus interesses econômicos.
Pelosi e Biden mandaram às favas as situações internas sobre as quais perderam o controle (inflação com recessão) e as externas, como o erro ao tratar como um blefe irrelevante as ameaças russas à expansão da Otan sobre a Ucrânia, às portas de Moscou.
Para ambas, o EUA precisam da boa vontade chinesa em evitar uma desaceleração econômica (ruim para a China, mas pior para o mundo) e uma solidariedade militar a Vladimir Putin, já que a econômica é inevitável e saborosa aos chineses com a estratégia de bloqueio da Rússia, que está esmagando os aliados – ainda dóceis – dos EUA na Europa.
Em artigo traduzido pela Folha, o editorialista do The New York Times Thomas Friedman – há 27 anos neste cargo – faz a pergunta que não pode ser respondida abertamente:
(…)esta guerra na Ucrânia não acabou, não está estável, não é sem surpresas perigosas que podem surgir em qualquer dia. No meio de tudo isso vamos arriscar um conflito com a China por causa de Taiwan, provocado por uma visita arbitrária e frívola da presidente da Câmara?
Do lado dos chineses, as história tem raízes mais distantes e consequências mais sombrias no médio prazo. como expresso no jornal governista Global Times, hoje, pouco antes de Beijing responder à provocação com exercícios navais e aéreos em larga escala em torno de Taiwan:
A eleição de Donald Trump como presidente dos EUA em novembro de 2016 marcou o fim de mais de quatro décadas de relativa estabilidade nas relações EUA-China. (…)A previsibilidade foi substituída pela incerteza. A confiança evaporou. É impossível prever qual será o estado da relação após as eleições para o Congresso dos EUA em novembro, ou após a próxima eleição presidencial em 2024.(…) É impossível prever quem poderá ser o presidente dos EUA em 2024. Não é difícil, por exemplo, imaginar o retorno de Trump ou de alguém ainda pior.
Claro que os riscos imediatos existem – não foi à toa que o Secretário Geral da ONU, Antonio Guterres, disse ontem que até um “defeito” (malfunction) pode desencadear um conflito nuclear, mas os efeitos de fato serão os de médio prazo: um provável entendimento pelos chineses de que a atitude norte-americana a desobriga de abster-se de comerciar com a Rússia equipamento militar de alta tecnologia.
A China os têm e vai exibi-los em uma série de exercícios em torno da ilha, com demonstrações de tiro real e lançamento de mísseis convencionais, em cinco áreas ao redor de Taiwan, além do desfile de enormes colunas de blindados no seu litoral que a confronta.
Vai errar quem achar que a (re)conquista da pequena ilha (menor
Amanhã, no “Café da Manhã” do canal DCM TV, a partir das 8:30h, converso com o geógrafo, professor e escritor brasileiro, Elias Jabbour, um dos principais estudiosos da história, antiga e recente, da China.
Isso tem muito a ver conosco, não apenas porque temos na China nosso principal parceiro econômico, mas porque uma escalada bélica – aliás já em curso.