As mãos que matam e a voz que os manda matar

A bárbara morte de a morte de João Alberto Silveira Freitas, espancado por seguranças do Carrefour em Porto Alegre, na véspera do Dia da Consciência Negra, que se comemora hoje, um, só mais um dos fatos reais destes tempos de estupidez em que nos mergulharam.

O violência, o espancamento, o assassinato, todos começam pela boca que vocifera. Vocifera contra os pobres, vocifera contra os negros, vocifera contra gays.

Vocifera, voz de fera, que vínhamos, por milhares de anos sempre caminhando para perder, mas que ronca no interior de muitos e volta e meia estruge pelas mãos daqueles que acabam sendo os executores brutos desta sentença genérica.

Afinal, estavam agindo ali “em nome da sociedade” e, a quem visse, pareceria, pela vítima negra, tratar-se de ladrão, e ladrão merece morrer, não é?

É o “excludente de ilicitude”, a pseudorazão para agir como não é razoável agir.

Esta é a armadilha em que as classes dominantes tentam lançar sobre nossos sentimentos e justiça e igualdade. A de que a estupidez deveria ser igual, fossemos heteros ou gays; que a pobreza deveria ser igual, fossemos brancos ou negros; que a iniquidade não existe para além de cor e sexo nas quais, sim, se expressa dramaticamente.

Os meios de comunicação, cinicamente, querem nos prender nesta arapuca – logo eles que, por décadas, praticaram o racismo e o sexismo sem qualquer pudor – como se fossem os campeões da igualdade.

O racismo e o sexismo são expressões da brutalidade e, embora seja necessário que estes grupos se organizem e se defendam, o problema da extirpar a brutalidade das relações humanas é de todos.

Morreu barbaramente um homem a socos e pisões. Basta-me isso para ser intolerável.

Ao longo da vida, participei de muitos degraus da nossa lenta subida na escala da civilidade. Com Adbias do Nascimento, com Caó, com o Coronel Carlos Magno Nazareth Cerqueira, o oficial negro posto por Brizola, em seus dois governos, a comandar a Polícia Militar do Rio de Janeiro.

Nenhum deles separou o movimento identitário da ideia de justiça social, mas como parte necessária do processo para alcançá-la.

Do contrário, iremos ficar sempre no que é indispensável, mas não suficiente: punir o racista, o homofóbico e não entender que este agente do que nós condenamos é isso, apenas o agente de uma organização da sociedade que é censitária: na cor, no sexo e no dinheiro (porque, afinal, a morte de alguém de classe média alta ou rico sempre chocará mais que a de um pobre).

Os seguranças assassinos de Porto Alegre não são os únicos que matam. A cultura da intolerância mata muito mais, ainda que pelas mãos deles.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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