O ex-decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, recentemente aposentado mas ainda presente na sinalizações políticas da Corte Suprema, publica hoje, no Conjur, um duríssimo artigo que tem a clara finalidade de balizar aos seus ex-colegas de Corte a atitude a tomar diante da suposta “Carta de Recuo” escrita por Michel Temer e assinada por Jair Bolsonaro.
Celso de Melo a compara ao Acordo de Munique, pacto firmado pelo então primeiro-ministro inglês Neville Chamberlain e Adolf Hitler, saudado por todos mas, seis meses depois, atropelado pelo alemão, iniciando a 2ª Guerra Mundial.
Embora sem dar a resposta, o ex-ministro a faz óbvia conclusão, que é conselho aos seu ex-pares: não é possível confiar em Jair Bolsonaro, como não era possível confiar em Hitler e o mundo logo o descobriu com sangue.
O quanto se pode confiar no que diz Bolsonaro?
Celso de Mello, no Conjur
A “Declaração à Nação” constante da Nota Oficial assinada por Bolsonaro em 09/09/2021 constituiria, no presente momento histórico que vive o nosso País, preocupante (e perigosa) (re)constituição da farsa do Pacto (ou Acordo) de Munich proposto, em 29/09/1938, por Hitler às principais potências europeias, em um instante de extrema, delicada e intensa tensão político-militar?
Quem ocuparia, nesse contexto, a posição ingênua de Neville Chamberlain, primeiro-ministro do Reino Unido, que, induzido a erro pelo Führer (cujo projeto totalitário de poder e ambição de expansionismo imperial eram inescondíveis), julgou, pateticamente, que o conflito seria evitado e a paz finalmente alcançada? Qual o coeficiente de credibilidade desse compromisso formalmente assumido por Bolsonaro?
O teor de sua “Declaração à Nação” mostra-se incompatível com a sua personalidade autocrática e inconciliável com a sua comprovada disposição de ultrajar a Constituição e de ignorar os limites que a Carta Política impõe aos seus poderes!
Como corretamente advertiu o Professor Sérgio Abranches, “Nota de recuo não vai mudar caminho de Bolsonaro rumo ao golpe”! Para resistir e frustrar qualquer subversão da ordem democrática (que traduz infame e desprezível ofensa à supremacia da Constituição), impõe-se — como assinala esse eminente Professor — a “formação de amplo consenso democrático”, que representará, neste momento, “o único meio [legítimo e pacífico] para interromper a escalada autoritária” daqueles que nutrem visceral desapreço pelo regime das liberdades fundamentais e pelo texto da Constituição!
A História, nesse episódio bolsonaresco, parece repetir- se!!! MARX, em seu “O 18 de Brumario de Luis Bonaparte”, inicia a sua obra, proferindo, logo no primeiro parágrafo, a sua célebre frase:
“Hegel observa (…) que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes.
E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa (…)”! A notória e irresponsável aversão de Bolsonaro ao cumprimento dos compromissos por ele próprio assumidos justifica que se ponha em séria dúvida o valor (e a sinceridade) de suas palavras… Se Bolsonaro revelar infidelidade ao que pactuou, terá dado plena razão à advertência segundo a qual a História, quando se repete pela segunda vez, ocorre como farsa!!!!
O fato é um só: A “Declaração à Nação” seria digna de fé ou constituiria mero recurso estratégico de Bolsonaro para iludir, mediante conduta desqualificada e tisnada pela eiva da farsa, aqueles que, fiéis à Constituição (como os Juízes do Supremo Tribunal Federal), buscam implementar o necessário convívio harmonioso entre os Poderes da República?