Festa, ‘revogaço’ e contingenciamento

É incrível que tenhamos, a menos de cinco dias da posse do novo Presidente, estarmos discutindo as precauções de segurança da festa que se fará em Brasília. É, realmente, uma situação esdrúxula que, em sua bizarrice, acaba por ter uma paradoxal harmonia com um período de absoluto desprezo pelas regras da civilização e do convívio democrático.

É preciso, entretanto, procurar entender e avaliar as poucas pistas que temos dos dias inaugurais do governo Lula, logo após a festa que os bolsonaristas tentaram, aparentemente sem sucesso, esfriar com seus arroubos terroristas.

Haverá, sim, o revogaço das normas absurdas baixadas ao longo do período Bolsonaro e, na primeira leva, estarão as armas, os sigilos, as das “boiadas do meio ambiente e e mais algumas outras. Mas com prudência jurídica, pois serão bem examinados os efeitos que possam ser interpretados como “atos jurídicos perfeitos”, e não gerarem efeitos concretos, o que seria péssimo para um governo que precisa afirmar sua autoridade.

As recomposições de Orçamento, possíveis graças aos espaços abertos pela PEC da Transição só serão impactantes em questões de grande impacto social, como a recomposição da Farmácia Popular e da merenda escolar, entre outras. Nas demais, será lenta e escalonada pela capacidade das áreas em organizar e executar com competência as verbas que lhes foram destinadas.

É provável, inclusive, que o novo governo decrete um contingenciamento orçamentário – evidente que não linear para todas as áreas – como forma de regularo emprego dos recursos ao longo do tempo, invertendo-os em projetos e ações já mais estruturadas.

A famosa reunião entre Lula e os governadores , para apurar quais são as obras paradas que demandam menos recursos para a sua conclusão vai, possivelmente, tornar-se um “feirão das emendas” para a qual o governo federal e os executivos dos Estados vão procurar atrair a massa de dinheiro que se transferiu para as emendas parlamentares: as individuais, as de bancada e as de comissões, que dobraram sua capacidade financeira com o fim do Orçamento Secreto. O peso dos governadores sobre os deputados tem força para atrair uma parcela nada desprezível para obras relevantes, “segurando” a tendência de pulverização destes recursos bilionários.

O fim da desoneração dos impostos cobrados sobre os combustíveis, que se extingue a 31 de dezembro também não será integral e imediato. Como pode alterar alíquotas por medida provisória, e editada já nos primeiros dias de janeiro, o provável é que elas seja mantidas em zero para o gás, baixas para o diesel e mais encorpadas – mas não integral – para a gasolina, quase que certamente estabelecendo uma faixa que possa ser mais ou menos severa diante da variação dos preços internacional, hoje muito mais baixos que na crise detonada na Guerra da Ucrânia, mas que tendem a cair logo, com o alívio da onda de frio no Hemisfério Norte, o que deve trazer o barril do Brent para a faixa dos 70 dólares, ante os 85 de hoje. Ainda um quarto abaixo dos 120 dólares do momento em que se fez a desoneração.

É o mínimo que se pode fazer para recuperar a tributação de um produto cujo consumo certamente não está, senão indiretamente, na cesta dos mais pobres.

E não é simples nem pequena a lista – que “furto” do artigo de José Paulo Kupfer, do UOL, dos absurdos que têm de ser imediatamente revertidos:

    • Nos últimos 3 anos, o número de crianças que não conseguem ler e/ou interpretar textos cresceu de 50% para 70%;
    • O governo federal reduziu em 85% o orçamento e em 66% o número de servidores da Cultura;
    • Com 2,7% da população mundial, o Brasil registrou 11% do total de óbitos por Covid-19 no mundo, resultado que o colocou como o 2º país com maior número de vítimas, enquanto 34 milhões de cidadãos não receberam nenhuma dose de vacina contra a Covid-19, e o governo federal inutilizou 3 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 por perda de validade.
    • A aplicação de vacinas contra a poliomielite em crianças até 4 anos caiu de quase 100%, em 2015, para 70%, em 2022;
    • A hospitalização de crianças por carência alimentar aumentou em 11%, o pior índice dos últimos 14 anos;
    • Mais da metade da população brasileira (58,7% ou cerca de 125,2 milhões de pessoas) vive com algum tipo de insegurança alimentar, ou seja, não está segura de que terá como se alimentar nos próximos dias;
    • O índice de desmatamento na Amazônia aumentou 59% entre 2019 e 2022;
    • O governo federal zerou as contratações da faixa 1 – famílias com renda de até R$ 1.800,00 – do programa Casa Verde Amarela.

Como se vê, não será um mar de rosas e é preciso dizer muito claramente o que terá de ser corrigido para cumprir a promessa de “colocar o pobre no Orçamento”. Vai ser preciso, para isso, travar um impacto político que será fortemente explorado pela mídia.

Bem-vinda, Simone Tebet, porque será em grande parte sua, no Ministério do Planejamento, a tarefa de fazer com que haja recursos para isso.

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