Julgamento político é prevaricação, denuncia Semer

Marcelo Semer, juiz de direito em São Paulo, vai direto ao ponto. “Condenar ou absolver alguém para atender a outros interesses ou vontades, por maiores que sejam, é simplesmente trair a jurisdição. Prevaricar.”

Enquanto o obscurantismo midiático, liderado por Globo e Veja, insiste que o Supremo Tribunal Federal deveria julgar alinhado a um suposto clamor das “ruas”, alguns tentam jogar um pouco de luz nessa tentativa sinistra de sobrepor o arbítrio da opinião publicada aos direitos civis, à liberdade e à democracia.

Semer observa que um magistrado “que se atreva a julgar um réu, preocupado com o que outros podem estar pensando dele, abre mão do seu dever constitucional.”

Todos os juízes se deparam, mais hora, menos hora, com um processo de réus conhecidos ou de crimes famosos. São processos trabalhosos, em geral difíceis e cansativos. Às vezes, até ingratos.

Mas são processos criminais que devem ser julgados como todos os demais: analisando os documentos e as perícias, ouvindo as testemunhas e os réus, confrontando alegações e estudando as doutrinas. Sobretudo, com base na lei e nos princípios da Constituição.

(…)Quem pensa o contrário não desconhece apenas a jurisdição. Desconhece também a democracia.

*

Leia o artigo de Semer:

Fazer do Mensalão processo político é um grande erro judiciário

Independência judicial é atributo do estado de direito; juiz que atende “opinião pública” no processo criminal pode até decidir. Mas não julga.

Por Marcelo Semer, juiz de direito, em seu blog

A grande imprensa está se deliciando com o espetáculo. A política partidária promete converter espectadores em membros de torcida organizada.

Até o ex-presidente Fernando Henrique deu o seu pitaco jurídico e disse que o STF deve ouvir a “opinião pública”, enquanto a corregedora Eliana Calmon, para não perder o hábito, advertiu os ministros que eles também seriam ‘julgados’ por sua decisão.

Tudo está pronto na Corte, dizem os jornais. Mas há um grande perigo nessa empolgação: transformar o processo criminal em julgamento político é um enorme erro judiciário.

O julgamento político tem seus próprios campos: das comissões de inquérito às de ética, das demissões de ministros às cassações de mandatos.

No julgamento criminal, no entanto, não há espaço algum para se decidir “do jeito que a opinião pública espera”. Seja lá qual for a opinião que se diz pública.

Qualquer juiz que se atreva a julgar um réu, preocupado com o que outros podem estar pensando dele, abre mão do seu dever constitucional.

Todos os juízes se deparam, mais hora, menos hora, com um processo de réus conhecidos ou de crimes famosos. São processos trabalhosos, em geral difíceis e cansativos. Às vezes, até ingratos.

Mas são processos criminais que devem ser julgados como todos os demais: analisando os documentos e as perícias, ouvindo as testemunhas e os réus, confrontando alegações e estudando as doutrinas. Sobretudo, com base na lei e nos princípios da Constituição.

Jamais pensando: se eu decidir desta forma, o que é que vão achar de mim?

A independência judicial é um atributo do estado de direito. Não se restringe a impedir a pressão de outros poderes sobre o magistrado –juiz que atende “opinião pública” em processo criminal pode até decidir. Mas não julga.

Por isso, costuma-se dizer que a jurisdição penal é contramajoritária –não navega nas pesquisas ou preferências de eleitores. Não joga para a plateia, enfim.

Quem pensa o contrário não desconhece apenas a jurisdição. Desconhece também a democracia.

Condenar ou absolver alguém para atender a outros interesses ou vontades, por maiores que sejam, é simplesmente trair a jurisdição. Prevaricar.

A igualdade das partes também não é suficientemente compreendida pela imprensa, que não raro escolhe, sem hesitar, os papéis do bem e do mal em um tribunal.

Um parecer do Ministério Público recebe lastro oficial e se presta a virar manchete; mas arguições da defesa são reputadas apenas como manobras.

Em um processo criminal, no entanto, não há patamares entre as partes: promotor e advogados devem sempre estar no mesmo plano.E os juízes não são responsáveis por “combater a impunidade” –mas julgar o conflito que se estabelece toda vez que alguém é acusado de um delito.

Se os magistrados entrarem na “luta”, quem a estará mediando?

Há outro aspecto quase esquecido neste espetáculo de julgamento que se prenuncia.

Não fosse a arcaica e aristocrática previsão do foro privilegiado (que na verdade só atinge a um ou outro deputado, entre tantos réus), um julgamento como esse jamais estaria tomando a pauta de quase um mês do STF, no lugar de centenas de processos de repercussão que aguardam a decisão dos ministros.

O Supremo não é e nem pode se transformar em uma vara criminal.

Para que este julgamento pudesse acontecer, inúmeros juízes fizeram audiências pelo país afora, sem contar as dezenas de outros que deixaram de tocar os seus próprios processos para auxiliar ministros na produção dos votos.

Onde estará o CNJ para dar conta do atraso que isso provoca?

O foro privilegiado, que permite a um deputado, promotor ou juiz, se ver julgado por juízes especiais, é um atentado ao princípio da isonomia. Mais um sintoma da síndrome dos desiguais –como a prisão especial para diplomados ou a imunidade dos parlamentares.

Tinha sentido na pré-história do direito, quando as diferenças entre nobres e plebeus, doutores e operários, vinha cravada na lei. Não em nossa época em que a igualdade é promessa explícita da Constituição.

Quem sabe se ultrapassada essa página da história criminal, sossegados os ânimos políticos, os parlamentares não se animem em restaurar um mínimo de igualdade.

Nem que seja por um motivo didático, especialmente importante quando o assunto é moralidade: mostrar que todos, inclusive os membros do poder, se submetem às mesmas regras, às mesmas sanções e aos mesmos juízes que os homens do povo.

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11 respostas

  1. O julgamento político já aconteceu com os ministros PETISTAS absolvendo (com a maior cara-de-pau) a quadrilha de ladrões do nosso dinheiro. O resto é só blá, blá, blá. para tentar convencer o TRIBUNAL DA OPINIÃO PÚBLICA a aceitar o INACEITÁVEL.

    1. Angela (ou Ângela?) de anjo você nada tem. Tem porém dificuldade evidente de introjeção. Primeiramente, apreenda que o julgamento NÃO aconteceu, está a acontecer. Em segundo lugar, qual dos ministros “petistas” é membro do PT? Para ser “petista” é preciso ser do PT. Qual deles é do PT? Você coloca a palavra petista em maiúsculas como se o fato da pessoa ser petista a desabonasse. Nada mais falso, pois o petismo salvou o Brasil do PSDBISMO que roubou o Brasil: o PSDBISMO, em sua passagem pelo governo, nada acrescentou à sociedade e ao Estado, ao contrário, suprimiu direitos e serviços, mas elevou a dívida líquida pública de 26% do PIB para 60%, rombo de mais de R$ 1,4 tri, rombo que é vestígio do roubo colossal perpetrado pelo PSDBISMO. Roubar, mas roubar mesmo, é coisa do PSDBISMO, anjo. Sua baboseira final é de estupidez formidável: Tribunal da Opinião Pública (!), isto sim é blá-blá-blá, mas blá-blá-blá com porções generosas de ignorância e má-fé.

  2. “MENSALÃO” É A ÚNICA “ARMA” DA OPOSIÇÃO FALSO-MORALISTA. SÓ RESTA A TENTATIVA DE DESCONSTRUÇÃO ADMINISTRATIVA E ÉTICA. A PRIMEIRA TA COMPLICADA. NA SEGUNDA SE APOIAM EM UM TETO DE VIDRO. BASTA UM TIJOLAÇO E ELE QUEBRA. SE MOSTRAREM PROJETO DE PAÍS BUY BUY. É DILMA DE NOVO. DESDE A REELEIÇÃO DO LULA QUE O RECADO É DADO NAS URNAS E OU A GALERA NÃO APRENDE, OU NÃO TEM CAPACIDADE COGNITIVA PARA TAL.

    1. A tática de sempre da direita é a desmoralização dos governantes. Desmoralizando governantes, enfraquece o Estado, pois este é o propósito da elite econômica. Sem Estado, o único potencial defensor do povo na luta contra os abusos dos poderosos (que governaram por 500 anos o Brasil), todos nós estamos mal parados. A elite econômica, na campanha permanente de desmoralização dos governantes, luta contra o Estado para, sem ele, explorar ilimitadamente todos nós, vide o que aconteceu nos EUA com consequências no mundo inteiro.

  3. Parece-nos irretorquível a tese dos Senhores Ministros favoráveis à admissibilidade dos embargos infringentes no STF, pois apoia-se no fato de que, embora a Lei nº 8.038/90 não faça referência a embargos infringentes na Ação Penal Originária, estabelece expressamente a dita Lei que o Tribunal procederá ao julgamento, na forma determinada pelo regimento interno.
    Desta forma, estando previstos os embargos infringentes no Art. 333, do Regimento interno do STF, e não tendo sido revogado, até então, tal dispositivo do RISTF vige e deve ser aplicado, por ser de direito e de justiça.
    Com efeito, assim dispõe a Lei:

    LEI Nº 8.038, DE 28 DE MAIO DE 1990.

    Institui normas procedimentais para os processos que especifica,perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.
    TÍTULO I
    Processos de Competência Originária
    CAPÍTULO I
    Art. 2º. O relator, escolhido na forma regimental, será o juiz da instrução, que se realizará segundo o disposto neste capítulo, no Código de Processo Penal, no que for aplicável, e no Regimento Interno do Tribunal.
    Art. 12. Finda a instrução, o Tribunal procederá ao julgamento, na forma determinada pelo regimento interno, observando-se o seguinte:
    I – a acusação e a defesa terão, sucessivamente, nessa ordem, prazo de 1 (uma) hora para sustentação oral, assegurado ao assistente 1/4 (um quarto) do tempo da acusação;
    II – encerrados os debates, o Tribunal passará a proferir o julgamento, podendo o Presidente limitar a presença no recinto às partes e seus advogados, ou somente a estes, se o interesse público exigir.

    A respeito cita-se o seguinte:
    Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania:

    Na madrugada de sexta (13) para sábado (14), este blog recebe e-mail de uma das fontes espontâneas que ajudam a alimentá-lo com informações. A mensagem foi enviada sob a rubrica “URGENTE” e trazia link de uma reportagem publicada discreta e exclusivamente no site do jornal O Globo poucas horas antes – até porque, tratava-se de uma bomba.

    A matéria, assinada pelo repórter de O Globo Paulo Celso Pereira, liquida com a argumentação dos ministros do STF que rejeitaram a interposição de embargos infringentes pelos réus do mensalão sob o argumento de que a Lei 8038/90, que instituiu as regras procedimentais para as ações penais originárias no STF, não previu aqueles embargos.

    A tese dos ministros desfavoráveis à aceitação dos embargos infringentes foi encampada, ipsis-litteris, por absolutamente TODA a grande imprensa: se a lei de quase um quarto de século atrás não determina que o STF acolha embargos infringentes – apesar de terem sido acolhidos tantas vezes por aquela Corte – eles não valem para os réus da Ação Penal 470.

    A matéria de O Globo diz exatamente o contrário. E prova que não houve omissão da Lei 8038/90 quanto à matéria em tela. O texto legal não cita os embargos infringentes sob a intenção clara do legislador de mantê-los, ainda que pessoas mal-intencionadas tentem fazer crer o contrário.

    Em 1998, o governo Fernando Henrique Cardoso propôs ao Congresso a extinção dos embargos infringentes acrescentando um novo artigo à lei 8.038, de 1990: “Art 43. Não cabem embargos infringentes contra decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal”.

    A partir desse ponto, a reportagem de O Globo extermina com qualquer argumentação contra a legalidade dos embargos infringentes. Parte da matéria, abaixo reproduzida, não deixa qualquer dúvida.

    *****

    “(…) ao longo da tramitação da mensagem na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, o então deputado Jarbas Lima, hoje professor de direito constitucional da PUC do Rio Grande do Sul, apresentou um voto em separado pedindo a supressão do trecho que previa o fim dos embargos. E argumentou:

    – A possibilidade de embargos infringentes contra decisão não unânime do plenário do STF constitui importante canal para a reafirmação ou modificação do entendimento sobre temas constitucionais, além dos demais para os quais esse recurso é previsto.

    Perceba-se que, de acordo com o Regimento Interno da Suprema Corte (artigo 333, par. único), são necessários no mínimo quatro votos divergentes para viabilizar os embargos — explicita o voto do deputado.

    (…)

    Apesar de o deputado Djalma de Almeida Cesar, que era o relator da matéria, ter defendido em seu primeiro voto a extinção dos embargos, conforme proposto por FHC, ele muda de posição ao longo da discussão e, no voto final, que acaba se transformando em lei, recebe a sugestão de Jarbas Lima e suprime o trecho que punha fim aos embargos.

    Na avaliação do doutor em direito Constitucional pela PUC-SP Erick Wilson Pereira, a existência desse debate dentro do Congresso dará novo argumento para os defensores dos embargos:

    – Você deve levar em consideração qual foi a vontade do legislador. Quando o plano da expressão não consta em determinado texto normativo, no conteúdo você pode levar em consideração o que o legislador debateu. Esse fato não foi debatido em nenhum instante. Se tivessem ciência disso, pode ter certeza que os defensores teriam levantado isso. É um fato novo — explica.

    *****

    Apesar da importância da reportagem, O Globo restringiu sua visibilidade e, três dias depois de ter sido publicada na internet, nenhum outro grande órgão de imprensa sequer a citou. E o que é pior: o exército de colunistas e editorialistas da grande imprensa continua afirmando que a Lei 8038/90 não ter citado os embargos infringentes significa que foram suprimidos.

    Este post está sendo publicado 48 horas antes de o ministro Celso de Mello proferir seu “voto de Minerva” sobre os embargos infringentes. Até aqui, a imprensa está MENTINDO sobre a razão de a manutenção deles não constar da Lei 8038/90. Diz que se não consta é porque foram “derrubados”.

    A razão pela qual os embargos infringentes não são mencionados na Lei 8038/90 está lá, nos anais da Câmara dos Deputados. Os arquivos da Casa dizem que esses embargos foram mantidos como direito de réus de ações penais que tramitem no STF, caso tenham ao menos 4 votos de ministros pela absolvição.

    A grande mídia, em guerra declarada ao PT, conta com a velha premissa de que o que ela não noticia, não existe. Contudo, tal premissa pode sofrer um duro golpe caso algum dos ministros que votaram pelo acolhimento dos infringentes cite os fatos na sessão do STF da próxima quarta-feira, antes ou depois de Celso de Mello proferir seu voto.
    Postado por Miro

  4. Afora a clareza e correção do texto, louve-se também a coragem do autor. Por ser juiz, está, de várias maneiras, sujeito à fúria de pessoas (ministros do Supremo, políticos de direita etc.) que publicamente fazem proselitismo, ou apologia, do descumprimento da Lei, em tese, um crime, se não de ministros, ao menos de colunistas. Quem publicamente se dispõe a desrespeitar a lei, a desrespeitará muito mais nos bastidores, e não é impossível que o autor seja perseguido dissimuladamente. Ele, mais do que ninguém, deve saber disto, e, mesmo assim, expôs sua opinião com base na Lei e na Ética. Pessoas como o autor são essenciais.

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