Não existe quem saiba, por experiência própria, tanto sobre os expedientes, legítimos ou sórdidos, de que é capaz a crosta dirigente (e não só pública) para conservar o poder absoluto quanto Luís Inácio Lula da Silva.
Por isso, Lula não subestima o perigo da reeleição de Jair Bolsonaro, mesmo na situação de descrédito em que está o atual presidente.
Desacreditado, sim, mas com a máquina federal e os cofres públicos (e a disposição de usá-los sem limites), além de uma direita que, sem outras opções viáveis, tende a ficar com ele, apesar de tudo.
E é por isso que ele está jogando o jogo da sucessão presidencial sem nenhum lance de imprudência ou concessões à ambição ou à soberba.
Seria fácil para quem tem, nas pesquisas, um favoritismo que, com grandes chances, lhe daria a eleição por sua própria figura e imagem, que já o colocam acima dos 40% das intenções de voto, assumir uma linha de autossuficiência, a do “eu não preciso destes caras para ganhar” e montar um governo apenas com “os seus”.
Faz, como todos veem, o contrário e sinaliza claramente o contrário, a começar pela articulação com Geraldo Alckmin, que nada tem a ver com as alianças, tão frequentes, montadas à base do “este cara me dá votos”.
É evidente, para quem não for muito tolo, que Lula joga ali com a governabilidade e o peso que teria um governo de São Paulo hostil ao poder presidencial.
Idem nas conversas que vem entabulando com o velho tucanato.
E, ainda, com as mensagens nada enigmáticas que anda mandando para seus companheiros na esquerda, sinalizando que discussões são bem vindas, mas que decisões serão dele, até porque é ele quem encarna as esperanças populares e, se fracassar, será quem encarnará as decepções.
Talvez, até, de maneira mais áspera do que poderia fazer, como na entrevista de ontem, quando poderia ter se limitado a uma resposta simples, a de que Dilma Rousseff não participaria de seu governo porque é uma tradição que ex-presidentes não o façam e que mesmo ele, a contragosto, só aceitou atender um pedido da ex-presidente em razão do clima de golpe que estava e instalado no país em 2016.
Lula, aos 76 anos, não está na disputa presidencial por diletantismo e ninguém espere que ele vá sacrificar seus últimos anos de vida (e nem seria justo esperar) para agradar indivíduos e grupos de companheiros.
Ele mostra que está disposto a fazer a sua parte para que a eleição tome logo a forma que todos sabem que irá tomar: com ele, pela democracia, ou seguir o caminho do autoritarismo e da crise com Bolsonaro.
O resto, ao menos até agora, é figuração.