Manifesto pela lucidez. Por Nilson Lage

Todos nós combatemos grandes e pequenas guerras, geralmente extensões daquelas que travamos com nós mesmos: o desejo, a higiene, o silêncio, a gentileza, as convenções sociais, o traje…

Com a globalização, para esvaziar o que achavam ser o “poder sedutor” do marxismo, os senhores ricos, há meio século, recorreram aos comportamentistas — psicólogos de variante pouco sofisticada da reflexologia —, para impor causas edificantes “alheias à luta de classes”. Estas passaram a ser estimuladas por fundações do grande capital manipulando verbas de renúncia fiscal dos países centrais: a sublimação da natureza e do indivíduo, a exaltação do passado (o romance épico), das culturas subjugadas (o indigenismo) e comportamentos desviantes da moral dominante.

O modus operandi dessas campanhas embute a lógica binária do pensamento anglo-germânico — a que reduz o confronto à guerra e acredita que a contradição deve ser exposta e conduzida a extremo radical para ser solucionada.

Na verdade, isso se aplica, no marxismo (que é formulado no quadro da filosofia alemã, invertendo a dialética de Hegel), ao confronto das classes sociais, “motor da História” — mas só insensatos a proporiam como remédio para tensões complementares (como a dos sexos biológicos ou idealizados), na disputa com outros seres vivos por espaço na natureza ou quando o combate, em si, é destrutivo para o universo em que se movem ambos os contendores.

É este nosso caso.

No apocalipse anunciado pelo excremento da Besta que nos governa, não há ganho nem para os negros nem para os brancos (já que os mestiços, que são maioria, decretou-se que não existem ou não importam); as fêmeas ou os machos; os castos e os impuros; os caretas e os chapados.

Todos perdem.

O episódio recente do enfarte, durante interrogatório na polícia, do herdeiro de um império industrial falido cujo pai morrera há algum tempo em idênticas circunstâncias; o desemprego que a liquidação das indústrias de infraestrutura, de construção civil e naval brasileiras provocou e será inevitável nas indústrias aeronáutica, audiovisual, sabe-se lá onde mais; o assassinato das artes, entregues não a conservadores, mas a incompetentes e a picaretas; a podridão que envolve a família Bolsonaro e a exploração da pobreza na periferia do Rio por grupos de assassinos e ladrões chamados de milícias; a evidente idiotia e turbação mental de ministros como Damares ou Ernesto Araújo, e a ganância estelionatária de outros, como Paulo Guedes; o esvaziamento do “soldado verde” e exaltação do “soldado amarelo” dos causos nordestinos — tudo isso nos aponta para a necessidade de nos unirmos para que a sobrevivência de todos nós: nossa nação, aquilo que fizemos no passado e de que podemos nos orgulhar.

O que ocorre, na raiz dos fatos políticos do presente, é a divisão entre os grupos financeiros dominantes no mundo, parte dos quais insiste na globalização por outro caminho: nacionalismos de fachada, atavismo cultural, totalitarismo com apoio de massas — ou, simplificando, o fascismo revisitado.

Nesse contexto, nossos inimigos não são “os militares”, “os bacharéis”, “os burocratas”, “o Judiciário”, “os empresários”: todas essas corporações estão infiltradas de inimigos, mas nelas também estamos nós ou os que são como nós. Os regimes militares aconteceram há mais de três décadas; assassinatos e torturas frequentam ainda nossas prisões, os campos, as florestas, as periferias. São coisa atual, e não passada e os governos de generais nos legaram algumas das obras valiosas que os vândalos e estúpidos estão demolindo.
As contradições mantidas por convencimento se retroalimentam pelo ódio e pela facilidade que é se livrar de problemas reais apenas ao apontar culpados, base de toda retórica dos fascismos, o novo e os antigos.

Trégua nas guerras particulares!

Pela união dos brasileiros lúcidos!

Ombro a ombro na grande guerra comum, contra a liquidação de nossos direitos e instituições!
Nessa luta que travaremos juntos, que tal considerar as razões dos caras que nos tocam os ombros, à direita e à esquerda?

Haverá um dia seguinte.

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18 respostas

  1. Também acho que a solução é essa, a união dos brasileiros lúcidos.
    “Os que são como nós” entendem facilmente que o caminho é esse.
    Mas os que votaram no coiso ou em branco ainda não amadureceram o suficiente para perceber o que está acontecendo.
    Estão em estado de letargia. Acham que as coisas não estão mais graves do que antes e que tudo vai se ajeitar por si só.
    Ainda ontem, em uma conversa casual após o almoço, expus minha indignação quanto ao fato de cristãos e demais pessoas que votaram no sujeito “indignados” com a corrupção e demais mazelas políticas, hoje estarem calados, comportando-se como se nada de anormal estivesse acontecendo no pais. Uma senhora espírita, do tipo que se julga mais evoluída que os demais, disse que não precisávamos nos preocupar, porque ia acontecer ‘algo’ que resolveria tudo. E saiu da sala, com ar de quem tem informações privilegiadas recebidas do além. Os outros fizeram cara de paisagem. Não demonstraram a mais remota preocupação com coisa alguma. Têm filhos, têm netos, mas parecem realmente acreditar que tudo no Brasil está sob controle.
    Sinceramente, acho que esse povo não vai acordar a tempo. Todos que não votaram em Haddad parece que se uniram em alguma espécie de “ninguém larga a mão de ninguém” e preferem se afogar todos juntos do que reconhecer o erro que cometeram. Talvez não acordem nunca. Só as próximas gerações entenderão o que aconteceu.

    1. O Professor Lage tem uma visão perfeita da situação. E ele pede a união dos lúcidos. Preocupa-me, contudo, que os lúcidos não estão se ligando nesse ponto fundamental. Acho que estamos sem uma liderança inequívoca que possua o poder de unir, indicar caminhos, conduzir-nos.
      #LulaLivre.

    2. O problema maior,
      os planejadores e monitores disso que se passa no Brasil, tem perfeita noção dos acontecimentos e vendo tudo correr confirme planejado.
      Lá de fora, com apoio de capitães do mato aqui dentro, conseguem causar os danos à nossa economia.
      Somos um concorrente posto pra escanteio.
      A técnica é eficaz e o prejuízo inevitavel, verdadeira arte do capitalismo judaico cristão.
      Fodam se os pobres, vinde a mim os bem aquinhoados.

    3. A julgar pelo entendimento que hoje se tem sobre o golpe de 1964, possivelmente as próximas gerações não entenderão nada.

  2. Aonde estão e quem são ? . Querem eles irem as ruas ?. Ou apenas excitar a grande massa a fazer isso ? . Alguém já viu passeata de advogados , médicos , jornalistas , engenheiros , cientistas , cientistas políticos , juízes etc, etc , etc ? . E não basta dizer que cada um atua no seu campo de atuação . Além de que o inimigo não é tão comum assim . O inimigo comum goste ou não de Bolsonaro e de seu governo continua lhe defendendo é o grupo Globo . Este é o inimigo comum e precisa ser derrotado .

  3. Há muito veneno ainda inoculado maliciosamente. Um veneno que se acumulou nas células do organismo social ao longo de anos e que poderá levar o paciente do coma atual à morte.

  4. Apoio. É urgente que se tomem medidas, que se levantem as vozes e os punhos cerrados no ar, sejam quais forem, o da direita, o da esquerda, ou ambos. Mas, é urgente que tomemos as ruas, os espaços deste país, a fim de salvarmos o que nos resta de civilização. Os facínoras, ouvindo a voz do verme asqueroso têm assassinado lideranças indígenas, trabalhadores rurais, parlamentares, como Marielle, inocentes, como Anderson, que a conduzia, sem contar os incontáveis episódios, que se atomizam pelas imensidões deste país, que deveria ser o melhor do mundo e que foi tomado de assalto por um grupelho de degenerados, de militares traidores e incompetentes, absolutamente incompetentes e outros tantos inúteis de toda ordem, de todos os níveis, vendidos, cooptados, convencidos a traírem o Brasil e o seu povo. Chega!

  5. Procura-se este brasileiro lúcido nestas corporações corruptas. Recompensa: Um Brasil melhor. Belo texto meu xará. Pela união dos brasileiros lúcidos!

  6. na primeira e na reeleição da DILMA escrevi que queria um candidato que se comprometesse a resolver o problema do cancer que a muito tempo corrói o BRASIL e o povo brasileiro: a rede globo de idiotização. Maior responsável pela situação em que nos encontramos.

  7. Infelizmente o que pode parecer lucidez para nós parece loucura para os outros e vice versa. Só esse critério não nos basta. A esquerda brasileira do último quarto de século ou mais pode ser acusada de tudo, menos o de não promover os ideais e de não praticar o método democrático, que é por definição o contrário do método da guerra, de resolver os conflitos por meio da eliminação dos adversários elevados à condição de inimigos. Creio que apesar de todos os golpes e Golpes perpetrados contra nossa Democracia, frágil e Severina, as esquerdas majoritariamente continuam defendendo os ideais e o método democrático além dos outros ideais que caracterizam à esquerda como a busca por justiça e equidade social e todos os outros ideais humanistas (como a liberdade, a solidariedade, o pluralismo, etc etc) que não são exclusividade das esquerdas. Essas são na minha opinião as linhas que separam a lucidez da loucura.

  8. Parabéns pela lúcida reflexão. Talvez não encontre ouvidos para ouvir, mas temos que propor um caminho excelente. #tamujunto

  9. Emilia, também vejo muito do que falasse.
    Pessoas, casais, famílias altamente religiosas, todos engajados inicialmente na campanha e agora na defesa e na certeza de que tudo vai melhorar.
    É muito difícil de entender o que e como pensam, pois não tem lógica alguma.
    Infelizmente não vejo possibilidade de lucidez, pois até esta é questão de ‘desentendimento’ entre as diferentes opiniões dos defensores do que aí está.

  10. Não se trata da união dos lúcidos, mas que os lúcidos se unam a nós no combate à besta fera e ao que se seguirá, permanecendo ela ou não. Unam-se a nós, porque na lua extrema estamos todos nós que votamos contra o autoritarismo e a tortura.

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