Dois dos principais colunistas dominicais – Janio de Freitas e Elio Gaspari, – evocam hoje o ano de 1968 e os paralelos entre os assassinatos da vereadora Marielle Franco e o do estudante Edson Luiz, no Calabouço, um restaurante popular frequentado por universitários e secundaristas, naqueles 50 anos passados.
Janio fala da comoção semelhante:
A comoção com o assassinato de Edson Luís e com a decorrente passeata chamada dos Cem Mil, de fato muito mais, abriu as portas para a frustração com a ditadura, que dali até cair não teve mais o sono fácil. Não é sem razões muito profundas, como podem ser a saturação e uma consciência definitiva, que um país vive a sua comoção com a maturidade vista na celebração por Marielle. O que isso nos diz, ainda não sabemos.
Gaspari, sempre mais perto dos círculos do poder, sugere o que se passa do outro lado:
14 de março de 2018: Marielle Franco, negra e favelada da Maré, conseguiu se formar na PUC, militou no PSOL, elegeu-se vereadora e foi assassinada no Estácio. Morreu também o motorista Anderson Gomes.
28 de março de 1968: O estudante paraense Edson Lima Souto estava numa passeata de jovens que comiam no restaurante Calabouço, tomou um tiro no peito e morreu na hora. Edson era um “calaboçal”, nome dado aos estudantes que comiam naquele restaurante público e barato. O tiro que o matou teria sido dado por um tenente da PM, mas a investigação deu em nada. Naquele dia começou no Brasil um ano que não terminou, mas acabou com a edição do AI-5 na noite de 13 de dezembro.
Em 1968 havia um núcleo no governo flertando com uma radicalização da ditadura.
Ambos, creio eu, têm razão. Houve tanto a comoção com o assassínio da vereadora quanto se desenha a espiral da repressão adiante de nós.
Mas ainda é uma incógnita o comportamento dos militares, cujo papel ainda estamos por compreender nesta quadra, diferentemente do que ocorria então: afinal, a linha-dura vinha de prevalecer na sucessão de Castello Branco, elevando Artur da Costa e Silva – o símbolo dos “gorilas”, como eram chamados os generais golpistas mais radicais – ao cargo de Presidente.
Pode ser que essa seja uma semelhança, também, embora pareça que a linha legalista prevaleça no comando de direito das estruturas militares. O “gorila”, agora, é um ex-capitão, com um histórico de insubordinação que desagrada o alto oficialato, mas que rende frutos na tropa e em seus comandos intermediários.
Resta saber se as tolices ocuparão o lugar da lucidez entre os que se opõem à escalada autoritária e não enxerguemos que é preciso juntar os cacos da ordem demolida e não reinventar a roda, mesmo com as intenções mais generosas, como ocorreu com a radicalização do pós-68.
E ver que, do AI-5 de 1968, nada há de mais perto que o cancelamento das eleições de 2018.
12 respostas
Sim, pela experiência de vida e memória política e dos acontecimentos que tenho daquela época da ditadura militar, tem mais do que cheiro de pólvora no ar. É muito possível que haja uma escalada de violência no país para se justificar o cancelamento das próximas eleições. As FFAA já estão na rua O presidente ladrão será assim tão lunático ao colocar a sua candidatura para a reeleição para defender seu “legado” justo agora? E depois ele não poderá argumentar, na continuidade de sua “governança”, uma vez cancelada as eleições, que ele, afinal das contas, era candidato com “chances de vencer”? Essa gente não dá ponto sem nó. Achar que eles são assim tão sem noção é um erro de avaliação nosso.
Além do mais, ao defender seu “legado” e com um eventual cancelamento das eleições o Vampirão estará se protegendo do andamento dos processos contra ele na Justiça. O problema é que essa boa saída para os inquilinos do Planalto não será aceita facilmente pelos que executam as ordens dos detentores do poder (capitalistas): dobradinha formada por Judiciário e Globo (mais satélites).
O presidente golpista e ladrão não é lunático. Ele sabe que não lhe resta alternativa a não ser apegar-se ao poder por vias indiretas (pela via eleitoral está claro que não conseguiria nada) e tentar submeter-se aos militares (entenda-se classes dominantes) para ser um presidente fantoche por pelo menos mais 4 anos. Aparentemente já assumiu esse papel faz algum tempo. É isso ou a cadeia. Adivinhem o que ele prefere? E o Brasil terá mais quatro anos, no mínimo, de governo fake. O verdadeiro poder está com o mercado financeiro, que financia e comanda os fuzis.
Disse tudo.
Corretos, Romero e Elizabeth.
Tem outros gorilas peso-pesado ativos na praça alem de bolsonaro, por exemplo generais Sérgio Etchegoyen (homem forte no governo golpista) e Antonio Mourão (que logo será eleito presidente do clube militar).
Me desculpo por repetir abaixo comentário que escrevi no post anterior, mas encaixa-se aqui, especialmente por que para impor a agenda do golpe apenas recorrendo à violência fascista o conseguirão, tal como em 64. Só o povo na rua, em massa, conseguirá conter a ascensão definitiva do fascismo.
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Tudo o que temer quer é escapar da cadeia, que será inevitável assim que perder a imunidade que o cargo lhe garante.
Tanto temer como os donos do golpe (imperialismo, e seus asseclas brasileiros: banqueiro e rentistas, mídia com globo à frente, judiciário, com STF e tudo, e setores militares e do MP e PF) precisam impedir a eleição, pois do contrário serão apeados do poder.
O ensaio de candidatura de temer indica que apostarão no caos, e isso inclui provocações para a anarquia generalizada. Nesse cenário buscarão “re-estabelecer a ordem”, suspendendo eleições, transferindo o poder de fato aos militares e mantendo temer como o fantoche-chefe, por isso a sua pré candidatura ajuda a construir a narrativa para sua continuidade.A suspensão de eleições passaria pelo congresso atual pois extenderia o mandato de um grande número de deputados e senadores que tem pouca ou nenhuma chance de re-eleição – só precisam de uma desculpa para isso.
Diante do imponderável, poderão não conseguir criar uma situação de anarquia social ou criando a anarquia poderá esta canalizar-se como um grande movimento contra o golpe que tome as ruas e se torne incontrolável – não há repressão capaz de conter uma massa determinada politicamente, como mostrou por exemplo no Irã em que o povo derrotou a chineladas o quarto maior exército do mundo, derrubando o governo fantoche do Shá Rheza Pahlevi.
Bolsonaro não é a saída desejada pelo donos do golpe mas é a saída possível num cenário em que não consigam cancelar as eleições. E a grande maioria dos donos do golpe não tem nenhum problema em abraçar o fascismo abertamente, até porque são fascista, ainda que procurem dissimular (especialmente dentro do judiciário, PF, MP e militares) enquanto no setor empresarial e na mídia nem procuram dissimular. Já os donos do golpe organicamente ligados ao imperialismo e os próprios patrocinadores do golpe a partir do exterior são ideologicamente fascistas ainda que alguns o neguem e clamem ser democratas. Por exemplo, na Ucrânia estes mesmo atores abraçaram-se desde o primeiro momento o movimento Pátria Nova, dos seguidores do Stephan Bandera, colaborador nazista. E no golpe da Ucrânia o principal ator no financiamento do golpe foi George Soros, notoriamente ligado à CIA. Armínio Fraga foi durante muito tempo braço direito de Soros e tem sido seu ponta de lança no Brasil, com participação importante no golpe, já no process eleitoral de 2014 em que antecipadamente atuava como o próximo ministro da fazenda, e que cada candidato que a direita tenta viabilizar busca imediatamente a orientação de armínio fraga e assume compromissos com ele.
A saída bolsonaro certamente envolveria entregar a economia a armínio fraga ou algum preposto por ele indicado (isso significa fiel ao imperialismo e aos banqueiros e rentistas) e garantir imunidade ou anistia especial para temer ao deixar o cargo.
Pois pra mim, Brito, é disso que se trata: do cancelamento do processo eleitoral desse ano. A direita vem paulatinamente subindo o tom e garroteando a nação com o objetivo de empurrar a situação para o caos absoluto. Eles investem contra Lula e os demais progressistas e, na sequência, testam suas medidas por meio de pesquisas de opinião. Seja Ibope, Vox populi, Datafolha, qualquer instituto, mostra a inviabilidade da direita. A esquerda continua crescendo. Os pré-candidatos progressistas estão se comprometendo com o referendo revogatório. O capital estrangeiro, receptador do nosso patrimônio, não vai permitir que isso aconteça. A única maneira é inviabilizando as eleições.
Faz muito sentido a sua análise, Marco. Principalmente o desfecho: “….. O capital estrangeiro, receptador do nosso patrimônio, não vai permitir que isso aconteça. A única maneira é inviabilizar as eleições”. Parece teoria da conspiração, mas, pelo que vimos nos últimos anos, os gringos espionando empresas, instituições e o próprio governo, tudo pode acontecer.
Dei aula por um tempo a um jornalista de uma agência de notícias internacional que ria da minha cara quando eu falava que as eleições podem nem acontecer. Era um reaça por isso deve continuar rindo…
CORONEL DA PM DO RIO FAZ HOMENAGEM A MARIELLE FRANCO
Por coronel Robson Rodrigues, em seu Facebook
OS SINOS DOBRAM POR TI
Cada morte violenta me arranca um pedaço da alma, pois os mais de 60 mil homicídios ao ano nos distancia, e muito, do lugar civilizatório que, julgo, mereceríamos ocupar como país tão lindo como o nosso. Calo, sofro, choro em silêncio. Não me apraz falar, não me apraz comparecer a rituais de despedida fúnebre e sentir o sofrimento das pessoas, principalmente dos familiares, em respeito a suas dores. O cargo me obrigou a assistir inúmeros enterros, de inúmeras vítimas policiais de uma guerra fratricida que nos prostra enquanto seres humanos. Uma guerra inglória. Abri uma exceção por um dever de consciência; para falar de uma amiga, a vereadora Marielle, porque, se sua morte me impactou, muito mais tem impactado a forma vil e cega e infame como ela vem sendo tratada por algumas pessoas nas redes sociais. Pessoas que não conheceram Marielle. Senti-me na obrigação de informar a amigos desinformados sobre quem ela era; amigos que considero e que são bombardeados por bobagens e falsas informações sobre a vereadora que não conheceram. Segue abaixo uma dessas mensagens que enviei a um amigo a quem considero bastante e que talvez possa servir a outros amigos.
Caro amigo xxxx (oficial PM)
Te conhço há bastante tempo para saber o quanto você é inteligente para não se deixar levar por esses discursos que destilam o ódio, mesmo nesses momentos de dor. Deveríamos, sim, nos unir enquanto sociedade contra o maior problema civilizatório que nos afeta e dilacera: a violência homicida. Apesar disso, há pessoas que insistem em simplificar questão tão complexa, dividindo o mundo em direita e esquerda. Você está além disso que eu sei.
Choro pelas mortes infames, do cidadão comum, dos meus amigos, dos meus amigos policiais dos quais já perdi a conta inúmeras vezes.
Meu primeiro serviço como aspirante foi atender a ocorrência do assassinato de um policial militar, adorado em meu Batalhão. Chorar com sua família me fez pensar o quão difícil seria aquela trajetória profissional que eu havia abraçado.
Meu sentimento é expressado nos versos do poeta John Donne: “a morte de qualquer homem (ou mulher) me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.
Choro agora por uma amiga admirável, sobretudo porque lutava contra essa estupidez e sonhava com uma sociedade melhor. A vereadora Marielle era corajosa; lutava a favor das minorias, mas principalmente contra a estupidez das mortes desnecessárias que têm endereço e destinatários certos. Mortes muitas vezes festejadas por pessoas que querem que nós, policiais, façamos para elas o serviço sujo de um extermínio fascista. Não se esqueça que também acabamos vítimas dessa estupidez.
Conheci Marielle quando ela me trouxe, de forma educada mas contundente, o caso de algumas mães amedrontadas com a ação de policiais que barbarizavam moradores de uma certa favela com UPP. Os fatos eram indefensáveis. Aqueles comportamentos não era o que se podia esperar de uma instituição que existe para combater o crime, mas, sobretudo, para servir a população. Tomei minhas providências. Se Marielle veio até a mim buscando solução, era porque era porque confiava na polícia, pelo menos em parte dela, uma parte da qual eu te incluo. Marielle, assim como nós, não confiava na polícia violadora de direitos, na polícia bandida, mas confiava na instituição policial, naqueles que não querem que ela seja instrumentalizada para fins vis e elitistas, sendo direcionada para os mesmos estratos de onde a maior parte de nossos próprios policiais vem.
Depois disso ela me procuraria para saber como ajudar policiais que sofriam abusos, assédios moral e sexual e outros tipos de violações de direitos. Eu te pergunto: alguém que “só quer defender bandido” teria esse comportamento?
Na ocasião, me lembro de ter comentado com ela do sofrimento dos policiais subalternos, da mulher policial, da mulher negra policial etc. Um fato em especial me tocava naquele momento: o de viúvas de PM. Eu disse a ela que uma das formas de ajudar poderia ser agilizando os processos de obtenção de suas pensão. Há trâmites administrativos que emperram a pensão da viúva e que extrapolam as possibilidades da corporação; há também a lentidão da investigação da morte dos policiais militares por parte da PCERJ, que é formalidade do processo.
Ela se interessou e, depois, junto com o deputado Marcelo Freixo, criaram um núcleo de atendimento a policiais. Mesmo depois de ter deixado a PM, encaminhei alguns casos a eles.
Nossos praças e oficiais mais subalternos, principalmente as policiais negras, são discriminadas diariamente em nossa instituição, sofrem assédios, sobretudo por parte de pessoas como nós, oficiais e brancos. Recentemente a PM impôs limite de vagas para mulheres no concurso do CFO, mas contra isso ninguém de dentro se colocou. Marielle se interessava por essas causas, que, infelizmente, ainda não tocam nossa sensibilidade institucional. Com suas bandeiras ela defendia muito mais nossos policiais do que nós fomos capazes de compreendê-lo e de fazê-lo.
Portanto, postagens maldosas como essas, que vêm circulando nas redes sociais, além de não retratarem a realidade, são de um imenso desrespeito não só à historia de Marielle, mas aos nossos policiais honestos e trabalhadores sofridos, sobretudo as policiais negras, que tanto necessitam ser acolhidos nas causas que ela magnificamente defendia. Que tenhamos Marielle presente para transformar nossa polícia em uma instituição melhor para a sociedade e para policiais vocacionados.
FONTE [LÍMPIDA!]: https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=776307825901140&id=100005657881748
Coronel Ibis Pereira, ex-chefe de gabinete da PM do Rio – que foi amigo de Marielle Franco e militante pelos direitos humanos – declara:
‘Marielle não temia por sua própria vida’
“A Marielle tinha um interesse muito grande por segurança pública, mas não temia por sua própria vida.” A afirmação é do coronel Ibis Pereira, ex-chefe de gabinete da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro e amigo de Marielle Franco. Pereira teve sua última conversa com a vereadora dias antes de ser assassinada, no Rio de Janeiro. “Nas nossas últimas conversas, ela não estava preocupada com sua própria segurança, mas com a do Rio de Janeiro, do Brasil, com o ano eleitoral, todas essas tensões.”
Ibis Pereira, de 54 anos, deixou a PM e passou à reserva em janeiro de 2016. Assim como Marielle, fez parte da equipe do deputado Marcelo Freixo (PSOL) – era consultor – e se aproximou da vereadora, que constantemente prestava auxílio aos familiares de policiais mortos. “Quando estive na PM conversávamos muito, porque o trabalho dela era inclusive de defesa dos policiais, ao contrário do que muita gente acredita. Ela era contra mandar policial para as favelas, essa politica pública equivocada. Esse jeito de atuar adoece os policiais, nossa policia está doente, por falta de politica publica”, diz.
(…)
O coronel Ibis Pereira, que não quis falar sobre hipóteses para o assassinato – “não quero ser leviano” – acredita que as manifestações de apoio à luta de Marielle podem trazer um efeito positivo. “Não gosto muito da palavra esperança. Mas tenho um desejo muito grande de que o luto pela morte de Marielle se transforme em luta. Os direitos humanos lutam por isso, pelo controle da força policial e a dignidade dos seres humanos. A Marielle tinha esse compromisso com uma sociedade justa, livre s e solidária.”
FONTE, pasme: https://veja.abril.com.br/brasil/marielle-nao-temia-por-sua-propria-vida-diz-coronel-da-pm/
Artigo irretocável, com um único reparo que implica em rever a categoria “gorila”, que empregamos infinitamente no passado para designar os truculentos milicos da ditadura. Faço esta revisão depois de assistir o emocionante “Virunga” (Netflix), que expõe a dor pungente dos gorilas de carne e osso diante e por causa da civilização humana. No documentário – filmado em montanha no Congo -, foi surpreendente constatar a enorme
amorosidade destes enormes primatas, vitimados pelas “externalidades” praticadas por membros da
nossa espécie sádicos , bélicos, covardes, ridículos e vis.
Há semelhanças. Mas há semelhanças também com o caso do Rio Centro. Naquele atentado, os militares linha dura estavam insatisfeitos com a abertura democrática e a realização de eleições diretas marcadas para breve, e queriam restaurar o clima de terror contra os democratas que vigorou durante a ditadura. Agora, há o mesmo inconformismo com relação às eleições de 2018, porque não há perspectiva alguma de vitória das forças de direita. Acredito sinceramente que os fascistóides estão meio frustrados, assim como ficaram frustrados aqueles que patrocinaram o atentado do Rio Centro. Por exemplo, a desembargadora que pisoteou com seu ódio bolsonárico sobre Marielle morta, está em palpos de aranha e até a Globo, horrorizada com sua fala, citou-a como se falasse de um monstro. Quando até a Globo se lança contra o atentado fascista, talvez temendo a enorme repercussão do caso no exterior e que venham acusá-la de ser conivente com a barbaridade, então estes terroristas de direita estão mesmo encrencados. Resta comentar que eles são tão loucos que, apesar do anonimato que os encobre, com certeza esperavam ser admirados como grandes heróis da causa coxinha.