Janio de Freitas e Sérgio Rodrigues, na Folha, produzem duas importantes reflexões sobre o fuzilamento do músico Evaldo Rosa, domingo, no Rio, por um pelotão do Exército.
Janio diz “sem palavras aveludadas: o que causou escândalo e indignação não foi o assassinato oficioso de um inocente, foi o número de tiros. Todas as reações, procedentes de todo o noticiário, centraram-se nos 80 tiros do ataque. Claro, 80 tiros foram uma loucura bárbara. Fossem três, quatro, entrariam na sequência catalogada dos crimes atuais.”
Sequência que Sérgio Rodrigues simboliza na expressão “CPFs cancelados”, criada pelo “jornalismo sensacionalista” e “seus equivalentes nas redes sociais” a “comemoração tácita e serena, nem sequer eufórica, de um ato banal e desprovido da aura trágica que o justiçamento à moda antiga pudesse ter”.
Puxar o gatilho é mais fácil quando se mata um cadastro, mas a força da expressão não se restringe a isso.
Ao ouvinte que por qualquer motivo rejeitar seu gélido desdém pela vida humana, soa como uma agressão horrível – e isso também está em seus planos.
Vem daí a eficácia com que demarca os campos do “nós” e do “eles”. Nós: os que queremos livrar a sociedade de bandidos, mesmo que ao arrepio do estado de direito e à custa de fomentar a bandidagem dos matadores de bandidos. Eles: os que amam bandidos, logo merecem ter seus CPFs cancelados também.
Embora possa ser sincero da parte de alguns, não é bastante que a grande mídia pareça chocada com os 80 tiros em Evaldo Rosa, com a “licença para matar de Moro-Bolsonaro” ou com o “mirar na cabecinha” de Wilson Witzel.
Os três são frutos de um processo de banalização da violência – da estatal, sobretudo – como forma de controle social, que ela estimula por décadas – ou século, se remontarmos ao Brasil dos negros fugidos e dos “capitães do mato”.
O combate à “banalização da bala” – uma, cinco, dez ou oitenta – não é um processo administrativo ou jurídico, apenas.
É ideológico, cultural – portanto, midiático – e social.
E nele, como o pelotão de soldados, os tolerantes com a morte de “bandidos” e os promotores de “snipers” caminham todos no mesmo sentido da multidão de criminosos que este país joga às ruas e que o processo de encarceramento em massa só agrava.
É a mesma lógica macabra e cúmplice que fez, ontem, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo Silva dizer que havia “boa intenção” nas milícias, quando elas surgiram, mas que depois elas “se desvirtuaram”.
Não há boa intenção ou virtude a perder quando se naturaliza o crime, ainda que como reação ao crime.
13 respostas
Os 80 tiros me lembram aquele conto da Clarice Lispector sobre o Mineirinho, morto com 13 tiros. A autora pergunta mais ou menos o seguinte: um ou dois tiros não teriam sido suficientes? e conclui que os tiros restantes foram dirigidos a nós outros, o povo em geral. Se os 13 tiros chocaram, 80 tiros são o sinal do apocalipse humanista que o fascismo nos trouxe. Porque está claro que vivemos sob um regime fascista, inaugurado com o golpe de 2016 e “garantido” pela prisão de Lula.
Uma entrevista bem interessante de um PM, no portal Yahoo!
“Estamos em uma guerra ideológica para matar pobre”, diz policial perseguido por criticar PM.
Segue o link:
https://br.noticias.yahoo.com/estamos-em-uma-guerra-ideologica-para-matar-pobre-diz-policial-perseguido-por-criticar-pm-163637637.html?soc_src=community&soc_trk=fb&fbclid=IwAR1knslz15WmVNKNfNjdBWhOgOI0qQzr0RTNdgP29U-rCCyKb2yPVrvVooY
Esse pesadelo ainda vai longe….
Concordo, só pode ser pesadelo.
Que desgraça fizeram a este pobre país!
Os elogios a policiais (e a outros militares) que matam são quase unanimidade nos comentários dos leitores da mídia empresarial. Estes crédulos comentaristas sentem um lapso de felicidade vingativa quando veem estas ocorrências. Mal sabem eles que elas só fazem aumentar a violência, e não a diminuem em nada. No máximo, levam a violência a novo e mais perverso patamar de sofisticação. Pobre povo enganado sempre.
Os soldados, ao se aproximarem do carro crivado de balas e constatarem que lá estavam uma criança apavorada, uma senhora em pânico e um senhor ferido, devem ter dito: FUDEU.
Bolsonaro avisou que mataria 30 mil inocentes e Witzel que iria mirar na cabecinha.
No Brasil 2019 não consigo me indignar completamente com esse crime antes de saber em quem o negão votou pra presidente e governador.
Em que pese o racismo e o preconceito expressos em seu comentário, não dá para, no fundo, não ter uma certa concordância. A pena e a raiva passaram a viver lado a lado nesse Brasil. MAs, puta que os pariu, é bem provável ele e a familia inteira terem votado em Bolsonaro que venceu com 66% dos votos válidos na Capital.
Não sei se percebeu pela foto, mas sou negro. E me revolta saber que muitos de meus irmão se auto-sabotaram.
Mesmo tendo sido eleitores do Bolsonaro (e Witzel ), creio que náo associarão esta desgraça ao perfil e atuação de governo dos seus candidatos eleitos.
é lamentável que penses assim. Votar em alguém, seja este quem for, não transfere a ninguém direito sobre nossa vida. Nossa vida dependendo nosso corpo e não o podemos trocar ou substituir, portanto não pode ser delegado a terceiros.
Não sei se percebeu pela foto, mas sou negro. E me revolta saber que muitos de meus irmão se auto-sabotaram
A “boa intenção” a que o ministro se refere é a mesma que hoje aceita o “Centro Presente”, a ”Lapa Presente”, o ”Aterro Presente”…
Todos os “… Presente” são milícias acionadas pela sociedade. São formadas por PMs aposentados, de folga, vigias de banco e outros que tais.
O fato de ter sido feito um contrato com a FIRJAN, usarem coletes coloridos não tira a aura de polícia paralela.
Qual a diferença dela com as milícias quando começaram no Rio? Nenhuma
Ambas foram bancadas pela sociedade. Lá atrás com sistema de cotização, hoje com o contrato da FIRJAN.
Agora me respondam, por que o policiamento particular pago pela FIRJAN do Centro, da Lagoa, da Lapa, do Leblon, de Copacabana funciona com homens a pé (um poucos veículos) usando apenas uns coletes e armas particulares (nenhum fuzil) e não funciona quando estes mesmos homens tiram o colete para trabalharem de azul????
Resposta: O Comando. Quem dá as ordens.
E também a seleção natural: Quem se submete a dobrar a jornada de trabalho pelo recebimento de uma diária quer trabalhar. A banda podre e quem dá as ordens preferem o lucro fácil do acobertamento das atividades ilícitas.
E hoje temos um presidente que defende as milícias e seu filho que condecora milicianos.