O bom, o ótimo e o pré-sal de Libra

Entre os que pretendem postergar ou cancelar o leilão do campo de Libra, percebo duas posições.

Uma, sincera e emocional, que não se conforma com que sequer uma parte dos ganhos daquele campo de petróleo vá parar nas mãos de empresas estrangeiras – o que nenhum de nós desejaria.

Outra, aparentemente onírica, mas indubitavelmente irresponsável, porque desconsidera que, enquanto for riqueza potencial, apenas, o petróleo do pré-sal está exposto – e como está! – a toda a sorte de pressões e (in)sucessos políticos.

Se a primeira é, em princípio, a de todos nós, devemos ponderar na balança da vida prática como reduzir isso ao mínimo sem nos imobilizarmos na exploração desta grande riqueza que o acaso nos deu e a Petrobras nos fez descobrir.

A primeira pergunta é se temos a capacidade tecnológica e gerencial para explorá-lo, nas dificeis condições que nos dão os sete mil metros de profundidade, as altas pressões marinhas e as características corrosivas da camada de sal a ser cruzada para atingir os reservatórios petrolíferos.

A resposta é um completo sim. Talvez, aliás, a Petrobras seja uma das poucas petroleiras capazes disso.

A questão seguinte é: temos dinheiro para isso?

Poços pioneiros a estas profundidades não raro chegam a custar 150 milhões de dólares. Depois, bem conhecidas as características das rochas e suas camadas, este custo cai para cerca da metade do valor. Libra, na fase de atividade plena terá, calcula-se entre 90 e 100 poços produtores e outros tantos para injeção e gás. Além disso, nove ou dez navios FPSO, que recebem e processam entre 120 e 180 mil barris diários de petróleo e estocam perto de um milhão deles. Afora as instalações em terra, barcos de apoio, helicópteros e toda a parafernália necessária à exploração do óleo.

Tudo isso vai ficar perto de 100 bilhões de dólares e a Petrobras não tem este dinheiro disponível, obviamente. Ou só teria se abandonasse seus outros investimentos, em áreas do pré e do pós-sal.

Essa é uma realidade, independente de ser ou não agradável reconhecer.

A ideia de que o Governo poderia, via BNDES, financiar esse valor é tola, não apenas porque o BNDES só teria recursos tais se o Governo lhe fizesse um aporte-monstro, via títulos da dívida pública e, ainda assim, desconsiderando o fato de que é o Banco o principal financiador da cadeia produtiva do petróleo, sem a qual perderia o sentido multiplicador o investimento em petróleo, porque não se somaria a ele o realizado na cadeia de suprimentos: navios, equipamentos de perfuração, exploração e serviços técnicos especializados.

Diante disso, o grupo dos “oniristas”  cria uma estranha teoria conspiratória: a de que Dilma teria feito um “pacto” com Obama para apressar a produção do pré-sal. Mais, que o Brasil, ao lado dos EUA, estaria formando com a China um “eixo do mal” para desestabilizar a OPEP, baixando os preços no óleo nos mercados mundiais.

Parece inacreditável, mas é o que diz o professor Ildo Sauer, ex-diretor da Petrobras e hoje um ferrenho crítico do Governo Dilma.

Com a paciência de Jó necessária para argumentar seriamente diante de algo assim, esclareço que a OPEP hoje tem um limite, acordado entre seus membros, com cotas de exportação da ordem de 30 milhões de barris/dia, volume do qual efetivamente pratica 25 milhões diários, em média.

Como se pode ver, exportarmos um milhão de barris diários ou até dois, como está previsto para 2020, não é uma quantidade capaz de “desestabilizar” a OPEP. Menos, menos, como dizemos aqui no Rio de Janeiro…

E o que propõem estas pessoas, no lugar de explorarmos o pré-sal agora e já?

Esperarmos, delimitarmos com exatidão estes e outros campos e depois, em condições políticas favoráveis, explorá-los exclusivamente através da Petrobras.

Muito bem, bonito mesmo.

Só que isso custa, igualmente, dinheiro. E muito. Além do mais, o poço exploratório, justamente o mais caros, e os de extensão, que demarcam os limites do campo, se bem sucedidos, tornam-se poços de exploração, e médio prazo.  Logo, ou terão de ser feitos pelo Governo, pagando a uma empresa (em geral à própria Petrobras).

O argumento de que se pode obter dinheiro para esse fim assumindo compromissos de pagamento futuro em petróleo, francamente, o que tem de diferente de se associar para explorar uma reserva, dividindo em óleo o lucro?

A tese de primeiro fazer toda a demarcação do pré-sal para só depois tomar as decisões de exploração, além de parecer própria para paìses “que estão com a vida ganha”, sem necessidades prementes nas áreas sociais e de fomento ao crescimento, tem outras flagrantes desvantagens.

A primeira delas é que não escalona investimento e produção, à medida em que sugere que, uma vez demarcado o todo petrolífero, seja este explorado também como um todo, com os ganhos de escala correspondente. Ora, isso seria desastroso para um parque fornecedor de equipamentos e insumos petroleiros nacional, que já tem dificuldades em operar os volumes e prazos atuais e que teria de, depois de uma fase sem acréscimos de encomendas, de repente fazer frente a uma imensidão de demandas, sem estruturas e pessoal qualificado para um salto assim.

O resultado disso será, então, o de termos de comprar mais no exterior e menos aqui, comprometendo a política de elevado conteúdo que o Brasil e a Petrobras, especialmente, praticam.  Já hoje este gargalo obriga a empresa a mudar planos de realização aqui de algumas encomendas de equipamentos e serviços, para não atrasar seus cronogramas de produção.

Além disso, essa posição “adiadora” – não bastasse estar adiando também os benefìcios para o país – desconhece uma regra básica da industria petroleira: a entrada mais rápida em produção de jazidas conhecidas nao apenas financia seu desenvolvimento pleno quanto também o de outras áreas prováveis, gerando caixa para sua execução.

Todos estes argumentos, entretanto, não seriam suficientesse implicassem trazer para a mais importante – ao menos, até agora – jazida do pré-sal companhias vinculadas a governos hostis à soberania brasileira, como vem se provando ser os Estados Unidos e seus satélites. Seria trazer para dentro da toca do tesouro os grupos que, amanhã, podem servir como pontas-de-lança de um projeto de dominação de nossas reservas.

E aí, nestas maravilhosas conjunções do acaso que nos trazem momentos ímpares para que uma nação redefina seus caminhos, três fatores surgiram.

Um, o desgaste político causado pela espionagem americana sobre o país e sobre a petrobras, especificamente, que se encarregou de afastar as grandes petroleiras americanas e inglesas;

Dois, o interesse chinês pela garantia de fornecimento seguro de petróleo provindo de áreas não subordinadas ao poder militar americano, como as do Oriente Médio.

Um parêntesis: sobre isso, recomendo firmemente a leitura da reportagem China intensifica corrida pelo petróleo sul-americano, publicada ontem pela agência alemã Deutche Welle. É uma das melhores análises desta questão já veiculadas e dela transcrevo: “A participação obrigatória da Petrobras, de no mínimo 30% do consórcio vencedor, desanimou grandes multinacionais, como as americanas Exxon e Chevron, além das britânicas BP e BG, mas não as estatais chinesas, que confirmaram o interesse pelas gigantescas reservas de petróleo do país.”São restrições que, para empresas privadas, significam controle e risco de interferência (do governo brasileiro) na gestão. O caso chinês é diferente, pois a participação deles é feita por conta do interesse estratégico de longo prazo”, diz o economista Evaldo Alves, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “A China entra na disputa não apenas com o objetivo de ter lucro, mas para obter mais uma fonte de suprimento.”

Fecho o parêntesis e volto. Três, este processo está sendo tocado pessoalmente pela mulher que instrumentalizou a única  mudança nos marcos regulatórios de concessões realizado pelo Governo Lula, pela – então – presidente do Conselho de Administração da Petrobras que reergueu a empresa, pela mulher que disse ao descobridor do pré-sal, Guilherme Estrella, quando ele perdeu a petroleira Devon um único bloco bloco promissor, numa das licitações da ANP, apenas uma seca e dura ordem:

“Quando perdi o primeiro bloco para a Devon, que colocou 100% de conteúdo nacional, a então ministra Dilma Rousseff me ligou cinco minutos depois e disse: “Soube que você perdeu um bloco, isso não vai se repetir, está entendido?”.

E isso, agora com Libra, não vai se repetir.

MInha finada avó me ensinou que, quando a gente não quer o que é bom, fica argumentando com o ótimo, porque o ótimo transfere para o amanhã as decisões que devemos tomar agora, já, em nome do povo brasileiro e em nome do seu direito ao progresso. E não para deixá-as ali, adiadas, à espera de que os inimigos do Brasil se beneficiem de nossas fantasias.

A querida velhinha sempre repetia, também: de boa intenção o inferno está cheio….

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33 respostas

  1. Se temos capacidade técnica e materiais, como você diz, não seria por falta de dinheiro que não podedíamos explorar nosso petróleo. Você mesmo diz que o dinheiro possível viria do Tesouro. Por óbvio, toda a questão é que não temos condições políticas, mesmo que fosse da vontade de Dilma, para fazer o que seria o melhor para o país. Exemplos do que falo se reproduzem aos borbotões, ora vencemos as forças que nos impõe o atraso e subdesenvolvimento, ora perdemos para elas, ora dá empate que será rezolvido em outras batalhas futuras. Nossas vitórias e fracazsos, claro, dependem de nossas forças e das dos opositores. No caso petrolífero, as revelações do Wikileaks e do Snowden mostram bem que as forças contrárias estão fortíssimas.

  2. Ainda existe uma questão sobejamente importante: – A defesa deste patrimônio. O Brasil sozinho teria condições de defender, contra um boicote por exemplo, a integridade e a operação de todo o campo? Para um boicote não faltarão pretextos se a conjuntura política interna achar conveniente, tal como o caso do Iraque, da Líbia, e outros. Já a Síria tinha a aliança com um grandão. Será que me fiz entender?

    1. Também penso assim. Uma aliança com a China talvez a melhor opção, por ser estratégica.
      Muito sangue já se derramou por causa do ouro negro, cobiçado pelo Tio Sam.
      É até mais barato se aliar à China, do que construir uma defesa fabulosa capaz de enfrentar o poderio americano.

      1. Se a IV Frota dos EUA, estacionar na Baia da Guanabara, todas as grandes cidades do país estarão ao alcance do seu poder de fogo. Tendo a China como parceiro na exploração do Pré Sal, é possível que eles pensem duas vezes antes de agir. Outra opção é seguir o conselho do Ildo Sauer, e esperar a volta ao poder da direita (tucanos), para entregar 100% do Pré Sal para ingleses e americanos.

  3. Realmente, não só é preciso querer como ter coragem e firmeza, como a Presidenta teve e tem!

  4. “Esperarmos, delimitarmos com exatidão estes e outros campos e depois, em condições políticas favoráveis, explorá-los exclusivamente através da Petrobras.”

    E quando a direita e/ou entreguistas conquistarem o poder, o que ira ocorrer cedo ou tarde, o petróleo não explorado sera dado aos americanos em troca de enriquecer uma elite medíocre.

  5. “…à medida em que sugere que, uma vez demarcado o todo petrolífero, seja este explorado também como um todo, com os ganhos de escala correspondente”.
    Será que algum país do mundo fez isso algum dia: ficar esperando a demarcação total para só depois começar a extrair o petróleo? E na hora de finalmente explorar, não haveria a propalada queda de preço? Ou será que o sujeito que propõe isso, no fundo, quer mesmo é que o petróleo permaneça eternamente no subsolo?

  6. “Diante disso, o grupo dos “oniristas” cria uma estranha teoria conspiratória: a de que Dilma teria feito um “pacto” com Obama para apressar a produção do pré-sal. Mais, que o Brasil, ao lado dos EUA, estaria formando com a China um “eixo do mal” para desestabilizar a OPEP, baixando os preços no óleo nos mercados mundiais”.
    Ou seja, esse grupo não quer que o Brasil extraia o petróleo do pré-sal, nem agora, nem nunca. Pois se ao se iniciar a exploração já, o preço do petróleo seria baixado (o que não é verdade), o mesmo ocorreria se a exploração ocorresse posteriormente. Eles querem esperar o que? Os neoliberais entreguistas voltarem ao poder?

  7. E quem confia nas boas intensões do Ildo Sauer? Como alguém acima, já disse: o PT não é eterno! Temos que consolidar a parceria com a China; trabalhar para a reeleição da Dilma, e deixar amarrado o futuro da exploração do petróleo no Brasil. Não sei se a intensão do Ildo Sauer, é postergar para dar uma chance aos tucanos (direita), de voltar ao governo é entregar tudo para os ingleses e americanos. O José Serra já foi flagrado assumindo esse compromisso. “Mais vale um pássaro nas mãos, que dois voando!”

    1. CONCORDO PLENAMENTE COM SEU ARGUMENTO
      A VALE DO RIO DOCE É UM EXEMPLO DISSO
      FOI ENTREGUE A PREÇO DE LIXO RECICLÁVEL .

  8. Você está ERRADO. Emitir títulos e pegar dinheiro no mercado é o que toda empresa faz quando tem um tesouro nas mãos. Você tá dizendo que encontramos uma mina de ouro e por não ter dinheiro pra comprar pá e picareta, vamos vender a mina. Isso é BURRO, o que você está argumentando é muito BURRO. Vou te deletar do meu computador. Adeus!!!

  9. Alguem tem dúvida de que se Libra não for utilizada pelo Brasil vai aparecer algum aventureiro tentando se apossar dela?

  10. Claro que os combustíveis fósseis deverão ser necessariamente substituídos por outras fontes de energia, mais seguras e renováveis, como bem colocou Habib. Mas se nós não fizermos o leilão e investirmos hoje, amanhã alguém fará. E os re$ultado$ já vimos com as privatizações, melhor dizendo, não vimo$… E o povo precisa de educação, saúde, moradia, profissão… é para ontem! Vamos dar estrutura para que as pessoas se desenvolvam, afinal dentro de 20 anos seremos uma geração envelhecida. Nossos filhos e netos estarão tocando este país, terão que ser muito bons nisso!

  11. Serra é uma víbora. Ele vai aproveitar o fato de Marina e Eduardo estarem juntos para forçar-se candidato com o argumento de que é perigoso eles ficarem fora do segundo turno. O PSDB vai se tornar o novo PFL/DEM.

  12. Serra é uma víbora. Ele vai aproveitar o fato de Marina e Eduardo estarem juntos para forçar-se candidato com o argumento de que é perigoso eles ficarem fora do segundo turno. O PSDB vai se tornar o novo PFL/DEM.

  13. MUITO BOM FERNANDO BRITO . AFINAL ELES ESTADOS UNIDOS ESTÃO EM UMA SITUAÇÃO NÃO MUITO AGRADÁVEL NO MOMENTO. E ESTE MOMENTO JÁ ESTA VINDO DE LONGA DATA.
    NÃO SERIAM TÃO IDIOTAS DE PEITAR O BRASIL E POR TABELA A CHINA . FAZEM BLOQUEIO ECONÔMICO CONTRA CUBA , INVADEM O IRAQUE , ONDE LULA PEITOU E FALOU O BRASIL NÃO VAI APOIAR ISTO. MOSTRANDO O QUE É UM GOVERNO SOBERANO E CAPAZ .
    O PETRÓLEO É NOSSO O PRÉ SAL É NOSSO E FAZER UMA PARCERIA COM QUEM VEM AQUI FAZER O TRABALHO MAIS ONEROSO . NÃO É PRIVATIZAR . COMO FOI FEITO COM A VALE DO RIO DOCE POR EXEMPLO . OU SERA QUE OS CRÍTICOS A EXPLORAÇÃO DE LIBRA QUEREM QUE O BRASIL ESPERE ATÉ QUANDO ? ATÉ ELES TEREM A OPORTUNIDADE DE DAREM DE GRAÇA. NOSSA QUERIDA PETROBRAS ?????
    PARABÉNS PRESIDENTA DILMA.

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