O coração de D. Pedro no lugar do que Bolsonaro não tem

Na manhã desta segunda-feira, assistiremos o mórbido espetáculo da recepção, por Jair Bolsonaro, do coração de D. Pedro, trazido numa espécie de vidro de conserva desde a igreja da cidade do Porto, no que seria parte das nossas “comemorações” do bicentenário da Independência.

Não é necessário tratar da estupidez que é tratar assim de um personagem que a memória história deveria colocar num lugar melhor do que num vidro de azeitonas que é levado a atravessar o Atlântico para atender conveniências políticas, o que já lhe fizeram antes aos ossos, despejados num caixote para o fervor patriótico que a ditadura achou que deveria dar aos 150 anos do Ipiranga.

Melhor refletir sobre o fato de Jair Bolsonaro precisar buscar um coração já pálido dos quase dois séculos sem bater para que se simbolize nele o coração que lhe falta vibrar por este país.

É, porque alguém que leva a mão ao peito pelo hino, que saúda em continência a bandeira e que acha que verde-amarelo serve para afirmar a nação no que é possível, os jogos de futebol, não tem de fato o coração de que o Brasil precisa, aquele que se aperta ao ver irmãos com fome, gente tiritando de frio, crianças pelas quais a mãe nos pede comprar um doce, garotos lançados ao crime…

Presta-nos um coração que não se aperta diante de 680 mil mortes, diante das quais só empurra à boca um “e daí, eu não sou coveiro?”. Serve-nos um coração que, em suprema contradição à vida que simbolizaria, cultua a morte?

Talvez por isso Jair Bolsonaro tenha se empenhado tanto em trazer de volta ao Brasil, por alguns dias, o coração de Pedro I.

Se as normas de conservação o permitissem, levantaria com se fosse seu o troféu dourado que o contém como fez Emílio Médici com a Jules Rimet, em 1970, apossando-se das glórias alheias para simbolizar as que não tem.

Ou, neste caso, do coração que o atual presidente não tem, não só para bater pelo povo que porcamente governa mas, pior, nem mesmo pelo país que chega aos 200 anos de existência autônoma, ou declaradamente assim.

Jair Bolsonaro arruinou a festa do bicentenário de nossa independência como arruína tudo em que toca, ao transformá-la num festim mórbido e não no borbulhão de vida que há num povo resistente, sofrido, mas, ainda assim, decidido a defender seu direito – mais que isso, seu destino – a amar e ser feliz.

Laços fora, gritou Pedro; Fora Bolsonaro, grita o Brasil.

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