Getúlio Vargas governou 15 anos para os trabalhadores, coisa que jamais acontecera. Por isso, quando foi deposto, em 1945, por ampla coligação – de democratas liberais a comunistas –, o Povo das Romarias o consagrou seu primeiro Santo Guerreiro.
Nove anos depois, o Ungido deixou este mundo após ter inventado um país pacífico feito de três culturas que se respeitariam: do Pai Índio, da Mãe África e do Semeador das Conquistas. Tombou pela própria mão porque era o que lhe restava fazer pelo Povo das Romarias, que dele guarda carinhosa lembrança.
O que marca o Povo das Romarias é a ética da tolerância, a razão emocional da classe trabalhadora e um sentido próprio de nação: não etnia, mas gente, território e pertinência. Os eventos políticos das últimas sete décadas projetam sua luta contra a fúria do Dragão da Maldade, dono de todo dinheiro do mundo, o mais poderoso de sua espécie e que só tem medo, na verdade, dos Santos Guerreiros.
O Dragão da Maldade atuava disfarçado. Assim armou um golpe para impedir a posse do presidente eleito, em 1955, mas Lott, general legalista, pôs os golpistas em fuga pelo mar, com um tiro de canhão no encalço. Quando isso aconteceu, a preocupação maior passou a ser a perspectiva de vitória dele na eleição seguinte: a independêncja política das nações se faz com povo e soldados.
Diante da ameaça, a corte dragônica formou um núcleo de conspiradores e, com muito dinheiro, elegeu, em 1960, um parlamento torto, útil já no ano seguinte: aceitou depressinha a renúncia do presidente Jânio Quadros, que contava ser reconduzido pela reação popular. Jânio, escolhido de afogadilho por medo do general, caiu em desgraça por nacionalismo – criou, por exemplo, a Política Externa Independente, incendiando o bafo da fera.
O mesmo parlamento, ao declarar vaga a presidência com João Goulart ainda no país, consumaria o golpe de 1964, a maior vitória do Dragão até aquela época. Onze anos de Maldade sob governo militar, no entanto, levaram ao comando Ernesto Geisel, que continuou a política externa de Jânio e tomou outras providências incômodas para o imperial dragonismo – como tirar óleo do fundo do mar e tornar fértil o cerrado infértil, tudo na base da ciência. Daí, nem tão lenta nem segura, a democracia voltou, meio cambeta, em 1985.
Outro que frustrou o Dragão da Maldade foi Fernando Collor: nomearam-no Príncipe Encantado, em 1989, para conter Lula, pretendente a Santo Guerreiro, que amadurecia na estufa do engenheiro Brizola. No poder, o príncipe virou sapo. Aí os Bruxos Bancários conceberam o Plano Real, que segurou a inflação da moeda e elegeu, em 1994, Fernando Henrique Cardoso, servo do Dragão que entregou tudo quanto pôde dos bens nacionais ao apetite do Monstro.
Quatorze anos mais maduro, Lula assumiu a presidência em 2003 com o país deprimido: cedeu os anéis, queimou a pele de todos os dedos, mas retomou o projeto de nação quase esquecido e devolveu a esperança ao Povo das Romarias, que o consagrou novo Santo Guerreiro. Enquanto isso, o Dragão da Maldade conspirava com recursos materiais maiores e meios tecnológicos sem precedentes: teve uma dúzia de anos para preparar o golpe de 2016, que dura até hoje.
Falhou Lula, tão esperto mas de boa-fé, ao descuidar da segurança institucional – jurídica e militar – que deveria proteger o país da ação perceptível do agressivo descendente de Fafnir – anão ganancioso e avaro da mitologia nórdica que tomou forma de lagarto e passou a pôr fogo pelas ventas no combate final contra Siegfried.
A novidade é que, na eleição de agora, o Dragão, pela primeira vez, mostra sua face repugnante e fala por vozes de sinistro presságio: preferiu, talvez por não ter outro recurso, alucinar o povo com drogas midiáticas. Mostra-se, porém, tal como é, àqueles de sentido mais acurado, que são muitos no Povo de Romaria, fiel ao Santo Guerreiro mantido no cárcere.
O Dragão da Maldade espera vencer: se não, seguirá conspirando, com seus bacharéis, trombetas, generais de sucata, banqueiros, espiões e guardas de esquina.