O jumento, a mandioca e os burros

burro

A mídia faz “graça” com o comentário de Katia Abreu sobre o interesse chinês em importar jumentos do Brasil.

Claro, é piada pronta para os comentários burros.

Como sempre, a informação fica fora do jornalismo de gracinhas, de curiosidades.

Não se diz, por exemplo, que o interesse não é novo, existe há anos.

Nem que o destino dos bichinhos é o fornecimento de carne. Se não faz parte da nossa cultura, o consumo de carne de equinos é forte tradição  Europa – sobretudo na  civilizadíssima França – e na Ásia.

Há muitos anos o Brasil exporta carne de cavalo e, por não ter criação comercial com este fim, perdeu mercado na Europa, mas já foi o quarto maior exportador, mesmo operando só com o descarte de animais.

Se os jumentos devem ou não ser consumidos como alimento é outra discussão, embora eu não veja porque eles sejam “mais humanos” do que bois, frangos, porcos ou carneiros. A menos que seja, como é direito ser, vegetariano.

Aliás, segunda-feira, o STF conceder  liminar favorável a um promotor que estava sofrendo perseguições por defender o consumo de carne de jumento no Rio Grande do Norte, onde o abandono destes animais virou um problema.

Estou tratando disso porque me passou, algum tempo atrás, a oportunidade de comentar a reação imbecil da mídia e da classe média imbecilizada que ela produziu sobre a menção da Presidenta Dilma Rousseff à importância da mandioca.

Ficaram na gracinha, de óbvia e primária conotação sexual – aliás, que pretensão! – e não se viu um jornal fazer uma matéria sequer sobre a importância e o potencial da cultura da mandioca.

É, simplesmente, a segunda maior cultura agrícola do mundo entre tubérculos e tuberosas, o que inclui a cenoura e a beterraba. Perde apenas para a batata que, como ela, saiu das Américas para alimentar o mundo. Eram “só”  230 milhões de toneladas produzidas em 2010.

E, embora seja um dos plantios mais disseminados no país e um dos cultivos socialmente mais importantes, é absolutamente desprezada em nossas políticas agrícolas. A África, que tem fome, e a Indonésia e Tailândia, que a transformam em ração animal, são os maiores responsáveis por este crescimento.

Nós, embora ainda sejamos o segundo país produtor, paramos no tempo.

Em 1970, um terço da produção mundial de mandioca, então de 99 milhões de toneladas, era brasileira.

E, 2010, apenas 10,7% daqueles 230 milhões de toneladas.

Um estudo da Secretaria de Agricultura do Paraná – não, mandioca não é coisa de nordestino, apenas –  diagnosticava que “a substituição do consumo de mandioca pelas rações balanceadas na suinocultura, a mudança nos hábitos alimentares como maior demanda pelos produtos do trigo, a competição de culturas mais rentáveis e de menor ciclo e a falta de mão-de-obra, certamente estão impactando para a estagnação ou até mesmo redução (do plantio) em alguns estados.

Mas a idiotia que tomou conta da mídia – e, a partir dela, das mídias sociais, que a reproduzem e explicitam as intenções – preferiu ficar nas palhaçadas sexistas.

Não se consegue pensar nada fora dos valores e modelos de sua Manhattan Connection mental. Ou hoje já seria Miami Connection?

Daí, com a nota sobre os jumentos, resolvi falar dos burros.

Não, claro, daqueles simpáticos animais que trabalham tanto. Dos de duas patas.

 

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21 respostas

  1. Nada é mais repugnante do que a maioria, pois ela compõe-se de uns poucos antecessores enérgicos; velhacos que se acomodam; de fracos, que se assimilam, e da massa que vai atrás de rastros, sem nem de longe saber o que quer.
    Johann Goethe

  2. Comparar os pobres jumentos,burros ou asnos,com essa turma,é DESPRESTIGIAR OS BURRIQUETES! Sao animais inteligentes, não são coxinhas,nem dos partidos da oposição atual.

  3. Um programa de domingo à noite na Record fez um especial sobre a mandioca.Muito interessante.
    Os “cozinheiros” não tradicionais destruíram nosso querido pão de queijo. Passou-se a fazê-lo com polvilho doce.Um erro. O certo é polvilho azedo e com receitas tradicionais como um pão e não essa meleca de botecos. Salva-se a Casa do Pão de Queijo.
    Não se faz mais a vaca atolada para as famílias, carne e mandioca. Chique é comer escondidinho de meleca.Igual as da TV.

    Jumento é muito consumido em todo o Brasil, pois é a única carne que ainda dá algum lucro no andar de baixo dos botecos. O povo não sabe a diferença e come sem saber. Mercado negro. Mas não é ruim.

  4. Britto, a desinformação e a má-fé são tantas que além de não darem a devida importância mal sabem que a mandioca não serve apenas para alimentação através de diversos derivados. Tem uso químico como insumo na indústria do papel, na indústria têxtil, e outras tantas. Burro é um adjetivo leve para definir essa gente.

  5. Caro Fernando, aprendi no seu blog que política, sem polêmica, é a arma das elites. Mas aprendi com Ulysses Guimarães (se não estiver enganado) que política não se faz com o fígado. A melhoria do clima econômico desse país também vai passar pelo descanso das armas governistas e oposicionistas e pela retomada do diálogo.

    Vc trouxe um tema inusitado (mas relevante) para debate, mas será que precisa mesmo qualificar outros como burros e imbecis? O camisa 10 de um time não precisa fazer isso em suas declarações à imprensa. Deixa os xingamentos pra torcida. Te acompanho há pouco tempo, não sei se isso traz audiência, mas tenho certeza que assim como eu, há milhões de brasileiros que gostariam de um clima político de melhor nível. E vc tem plenas condições e competência de ajudar nisso, mantendo as suas convicções. Sem xingamento. Desculpa a intromissão no seu trabalho, mas não resisti a trazer esse ponto de vista.

    1. É que, de vez em quando, a gente não aguenta e entra de sola. E quando é impessoal, não é para o sr. X ou a sra. Y, a gente pode soltar um pouco mais, antes que o fígado opile de vez.

  6. A verdade é que nossa imprensa é uma verdadeira ARMA DE EMBURRECIMENTO EM MASSA usada para emburrecer e embrutecer os brasileiros. Essa arma atinge leitores da Veja, leitores dos jornais Folha, Estadão, ouvintes da CBN e principalmente espectadores do Jornal Nacional da Globo. E o pior, como aponta Fernando Brito, é que até mesmo jornalistas que trabalham nessas empresas, outrora competentes e inteligentes, são atingidos sem perceberem. O uso da ARMA DE EMBURRECIMENTO EM MASSA, feito diariamente pelos barões da mídia contra a população brasileira desde a primeira eleição do Lula, é um crime contra a humanidade.

  7. Fernando Brito, com que prazer leio seus posts! Como são bem escritos! Escreve o que temos vontade de falar para esses midiotas de plantão. Aliás, adorei a expressão “classe média imbecilizada”.
    Parabéns e obrigada!

  8. Passo a chamar me Maria Brizola por causa da outra Maria que apareceu.

    Mais: A Embrapa e institutos de agronomia mantém convênios com universidades pelo mundo. Um desses já trouxe doutores da Africa, notadamente da Nigéria para pesquisas de produção de mandioca.
    Manhoco, kassava a nossa querida alimentação do dia a dia. Farinha da marca Pinduca é bem torradinha e tradicional. Com feijão preto, hum….delícia! Mas perdeu se muito da tradição do preparo. Adoça se demais. Mandioca é meio adocicada, melhor usar pouco açúcar e pitada de sal para realçar o sabor doce.

  9. Vi um programa americano de documentários, um cara que criava e enviava minhocas pra pescaria pra várias partes daquele país.

    Se fosse aqui viraria piada, mas só se viesse em algum contexto do governo federal.

    Em São Paulo seria a piada “dar com os burros n’água!”

  10. Nós mineiros já deveríamos estar acostumados com este tipo de tratamento da mídia. Vamos nos lembrar como foram tratados o Presidente Itamar e seus Ilustres ministros. Como exemplos o Professor Aluísio Pimenta, ex-reitor da UFMG cassado pela ditadura e nosso Ziraldo. Era a república do pão de queijo, destravada pela mídia diuturnamente.

  11. Fernando, se a China quer 1 milhão de jegues é fácil, basta convocar os 1 milhão de Cunhas e despachar, o problema é a qualidade da carne, porém quem não tem cão sobreviverá com a de Cunhas, né verdade.

  12. Uma coisa é sobrar jumentos por conta de surgirem outras formas de tocar a vida no campo, no Nordeste. Outra coisa é exportá-los para virarem comida de chineses ou de quem quer que seja. Neste caso, fazendas de jumentos surgirão. Mas isso é contra a religiosiodade nordestina. O jumento, para o nordestino, é sagrado. E uma coisa é ver jumentos dispersos pela caatinga, sobrevivendo Deus sabe como. Uma coisa é criar jumentos com uma estritura cara, destinados à exportação. Enfim, o caputalismo se acha capaz de tudo, mas tem limites.

  13. Eu acho a mandioca e o inhame coisas maravilhosas, por isso fiquei ofendida com as gracinhas sem graça que fizeram com a declaração da presidente. Nos anos 70 fiquei 3 meses com índios tupi e vi o quanto a farinha de puba e outros sub produtos da mandioca são importantes. O inhame é um antialérgico com efeito sistêmico, é um alimento medicinal que faz bem para uma série de coisas. Eu tive mãe professora de biologia que gostava de cozinhar e era metida a poeta, ela fez poesia para a abobrinha e outra para o pão, então absorvi a declaração da presidente naturalmente e gostei, demorei a entender a reação do povo ruim e maldoso.

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