Octavio Tostes ( † 2020 ), o que não teve medo da verdade

Hesitei muitas horas no registro de uma perda pessoal e profissional acontecida ontem: a morte do amigo, há 43 anos, e jornalista Octavio Tostes.

E a razão é simples: difícil falar com objetividade e isenção do papel que ele teve em um dos mais tristes episódios da relação entre a Globo e a política, a edição deturpada do debate entre Fernando Collor e Lula, em 1989. Ele foi, afinal, um de meus maiores amigos nos anos de juventude.

Conheço, pessoalmente, o drama que Octavio viveu – e que talvez nunca tenha deixado de viver – de ter sido escalado e mandado fazer aquela edição, sob as ordens diretas de dois chefes na emissora: Alberico Souza Cruz e Ronald de Carvalho.

E é assim porque, logo depois, ele me telefonou – eu era assessor de Leonel Brizola, aliado de Lula naquele 2° turno – e contou-me tudo o que havia acontecido, e era claro que, ao me dar ciência, isso chegaria a ambos.

Por este constrangimento, pela proximidade que tivemos desde o 1° ano de faculdade, no distante 1977, e pela proximidade que temos, todos nós daquela turma – já quase 44 anos depois – demorei até encontrar a maneira que julgo isenta de tratar disso.

E foi outro velho amigo, Oswaldo Maneschy, velho jornalista também, sem relação de amizade com Octavio e, na época do debate, integrante da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro quem me ofereceu a oportunidade de fazer o registro justo da decência com que ele se portou, embora dividido entre sua consciência e a possibilidade de um gesto de coragem inócua.

Octavio Tostes foi um dos colegas mais corajosos e íntegros que conheci na vida. No dia anterior ao 2° turno das eleições presidenciais de 1989 a Rede Globo de Televisão, apesar de expressamente proibida pela legislação eleitoral, botou no ar extensa síntese do debate entre Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva, ocorrido no dia anterior, com o pior do Lula e o “melhor” do candidato Collor de Mello, que teve total e absoluto apoio da emissora em toda campanha eleitoral.
Octavio Tostes teve peito e coragem para denunciar a manipulação descarada da Globo, dias depois, quando a Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, sindicato na época presidido pela jornalista Beth Costa, convocou os colegas da Rede Globo para saber o que tinha acontecido dentro da emissora, para ocorrer aquela manipulação absurda do debate Collor x Lula, na véspera da eleição, totalmente favorável a Collor – juntando os desempenhos piores do Lula no debate na discussão com Collor.
Uma vergonhosa e absurda manipulação para influenciar a decisão dos eleitores no dia seguinte. Todos os que estiveram envolvidos na edição foram formalmente convocados a se explicarem à Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas, integrada, entre outros por mim e pela jornalista Sylvia Morethzson. E o único que se apresentou, de peito aberto, e não escondeu absolutamente nada do que aconteceu – foi exatamente o Octavio Tostes. Lembro que ele nos explicou o seu papel – como profissional – foram os seus dedos que editaram o debate. Mas a ordem, passo a passo, foi de Alberico Souza Cruz.(…)
(…)nós, da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas do Rio, convocamos todos os envolvidos da Globo, formalmente, para que explicassem o que tinha ocorrido dentro da emissora – na manipulação do debate. O único que teve peito de aparecer, importante destacar, foi Octavio Tostes. Que trabalhava na edição e foi obrigado a editar o debate sob as ordens diretas do Alberico Souza Cruz. Ele, como todos os brasileiros dignos, ficou indignado com aquilo. Mas era o seu emprego e fez o que lhe mandavam – era sua obrigação como empregado da emissora.
Mas não teve dúvida em comparecer perante a Comissão de Ética para ao vivo e a cores nos contar o que realmente acontecera. Na época, lembro, conversei com Raul Francisco Ryff sobre o episódio – por conta de sua experiência como ex-secretário de imprensa do presidente João Goulart, ex-exilado – sobre o que fazer naquele caso. Até conversei com Sylvia Morethzson sobre isto.
Cheguei a conclusão que não seria justo punir Octavio Tostes porque, como empregado da Globo e para não perder emprego, ele editou o debate Collor x Lula, beneficiando o primeiro, atendendo a ordens diretas de Roberto Marinho e Alberico Souza Cruz. Não seria justo puni-lo por ser correto, íntegro, ter atendido à convocação do Sindicato e ter enfrentado a Comissão de Ética e dito a absoluta verdade dos fatos.
A única punição que Octavio recebeu – e severa – foi de sua própria angústia, que o acompanhou por quase 15 anos, até que gravou, com seu rosto e sua voz, o restabelecimento da verdade sobre aqueles fatos na própria Globo, em seu Projeto Memória, sem economizar nem fatos, nem adjetivos sobre o que foi obrigado a fazer.
Não é o caso de fazer-lhe obituário, há vários nos jornais e emissoras de TV por onde passou. Mas poucos deles narram, com justiça, estes episódios. Faço o registro porque a notícia, em alguns portais, não sublinha a atitude – lamentavelmente rara – de meu velho amigo em assumir fatos e fraquezas, coisa que a maioria não faz, escondendo-se em desculpas. Não só seus amigos, como eu, mas seus colegas de profissão – entre os quais era querido e respeitado – sabem que nem sempre o ato certo vem no momento certo.
Mas veio: Octavio não falhou com a verdade, ainda que ela ferisse, e muito, a si próprio e por muitos anos.
Revelou a verdade, porque é a verdade que nos dá paz e sei que ele conquistou esta paz com sua própria dor.
Escrevo, por isso, com orgulho, que Octavio é um grande amigo e um grande profissional, ainda que agora apenas na memória.
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