Os limites da picaretagem

Os e-mails mostrados na noite de ontem pelo Jornal Nacional abrem uma nova tubulação nos esgotos do Ministério da Saúde e do governo Bolsonaro, com uma história que, de tão tosca, acaba por não ter outra explicação senão a gula desmesurada que tomou conta de todos os envolvidos no enredo.

O que faria o diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Laurício Cruz aceitar e dar andamento a uma “proposta comercial para fornecimento de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca” feita por uma entidade religiosa – a tal Secretaria Nacional de Assunto Humanitários, de propriedade do reverendo bolsonarista Amilton Gomes de Paula – que à época ainda era integrante do PSL, do qual foi desfiliado por edital assinado pelo presidente do partido, Luciano Bivar, em abril passado, por não ter atualizado sua filiação?

Era fevereiro, as doses da Astrazêneca estavam escassas em todo o mundo – a empresa estava até sendo ameaçada de processo pela União Europeia – e aparece um sujeito de um loteamento de Águas Claras, na periferia de Brasília com uma oferta quatro vezes maior do que a obtida pelo Brasil, oficialmente e via Fiocruz, e a cúpula do Ministério da Saúde acredita nisso, inocentemente?

E começa uma sucessão de visitas, reuniões e acordos – até com data provável de assinatura de contrato – 12 de março – para fechar o negócio, com direito até a encontros com o coronel Élcio Franco, chefe de todas as compras de vacinas? E a dose, que custava US$ 3,50, vai aparecer com um valor de US$ 17,50 nas comunicações trocadas entre eles?

Tudo com direito a fotos posadas: Laurício, o reverendo, o Cabo Dominguetti e uma reunião com Élcio Franco sob os auspícios de outro coronel, Hélcio Almeida, que preside uma organização que tem em sua cúpula o polêmico empresário envolvido no caso das fake news, Otávio Fakoury. O coronel Hélcio diz que o Brasil está em um cenário de “guerra híbrida” e sugere que as Forças Amadas – “nossos profissionais de guerra” – passem a fazer planos para “comunicação e propaganda, cultura, diplomacia, economia, cibernética, biotecnologia, segurança pública e o crime organizado e outras” – e que seja um “poder moderador” no Brasil, com direito a levar para o Superior Tribunal Militar qualquer julgamento que creiam ligado àquela guerra híbrida.

Está se revelando um coquetel de loucura, ambição, gula por dinheiro, irresponsabilidade e liames entre esta gente e o tumor extremista que, quando se vê ameaçado pela escolha dos brasileiros em eleições, vai buscar nos submundos da República as obscuridades de que precisa para nos manter as trevas.

 

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