Somos ou éramos tão jovens?

Mais difícil que controlar o colesterol, abolir o cigarro, largar as comidas gordurosamente gostosas, envelhecer tem uma grande dificuldade para a saúde.

É que, obvio, a gente deixa de ser jovem quando fica mais velho.

Mas, pior que o coração, o fígado, os pulmões ou onde quer que a idade se manifeste, não há parte do corpo onde se corra tantos riscos quando se perde a juventude quanto as nossas mentes.

Ficamos “sabidos” demais e temos  respostas prontas para tudo.

Sim e não ficam muito rígidos.

Acontece isso com muitos de nós nessa questão das manifestações – já agora não contra o aumento das passagens, ou contra a Copa, mas contra tudo – da garotada que, com seus cabelos cor de abóbora ou seus piercings exóticos, não são mais “estranhos” do que nós éramos, cabeludos, de sandália rota de couro e bolsa idem a tiracolo.

Há provocadores, vândalos, idiotas em meio a eles? Há, sim, e daí?

Compete a quem tem o poder, se quer a paz, abrir-se ao diálogo e desarmar, com isso, quem quer apenas o confronto.

No distante 1977, eu estava num grupo que, liderado por alguns mais chegados ao radicalismo pequeno-burguês que eu, invadiu o gabinete do diretor da faculdade. O diretor era um velho pessedista, Marcial Dias Pequeno, que havia trabalhado com Negrão de Lima – um conservador de chapéu gelot que o povo tomou nas mãos para protestar contra a ditadura nas eleições de governador do Rio de Janeiro, em 1965.

Quando invadimos, Marcial – que de Marcial só tinha o nome – usou de sua bonomia de velhinho e disse: “meus filhos, que bom vocês terem vindo, isso aqui é muito chato. Não tem cadeira para todo mundo, mas vocês podem se sentar por aí, que eu vou mandar vir café e a gente conversa”.

Eu quase ri ao ver a cara de tacho da turma que achava que ia fazer a revolução tomando uma sala da UFRJ. Marcial nos enrolou, atendeu aqui, transigiu ali, escorregou acolá. E saímos comemorando “a vitória”.

Mas eu não chamo a turma de tola, não, porque também fazia o mesmo. Comícios-relâmpago, na escadaria em que uma multidão saltava dos trens da Central, de manhãzinha,  falar e correr, antes da “dura” nos gadunhar. Chegar e se esgoelar.

Um dia, me pegaram pelo braço. Não a polícia, mas uma senhora, simpática: “meu filho, a gente já sabe disso que você está falando, mas desse jeito você vai é passar mal”

A cara de tacho aí foi minha.

Eu espero que a minha geração, meus parceiros de sonhos de há 30 anos, compreenda isso.

Compreenda que a revolta jovem é natural e tem uma causa generosa, ainda que a direita e a mais tola de suas faces, os ultraesquerdistas, só tenham ódio e desejo de destruição.

Não se transforma, como dizia Washington Luiz, as questões sociais em caso de polícia.

E é a polícia, em São Paulo, mas também em Brasília e no Rio, quem está sendo a face visível do Estado – e do Governo, por extensão – nestes episódios.

Não elegemos a polícia. Não contamos com o seu lúcido escrutínio de ações, embora um ou outro oficial possa ter, como vimos, um comportamento razoável.

Essa responsabilidade cabe aos Governos estaduais – e Geraldo Alckmin, Agnelo Queiroz e Sérgio Cabral estão na berlinda –  mas também ao Governo Federal, porque essa não é apenas uma questão de ordem pública, mas um caso de política, não de polícia.

Deixar por conta da polícia é generalizar o conflito e jogar lenha na direita, que reclama dos vândalos, mas torce pelo incêndio das ruas e o atiça com horas e horas de transmissão pela TV. Ela, a mesma que não punha no ar as multidões pelas eleições diretas.

Temos, pelo que somos e pelo que fomos, condições de trazer tudo à normalidade, ao diálogo e às pressões e contrapressões típicas da democracia, pela qual demos os nossos melhores anos.

Temos é de decidir se somos ou éramos tão jovens. Ou se somos e vivemos como nossos pais.

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7 respostas

  1. Também estou pensando assim. Estou muito triste com tudo isso e a falta de reação dos governantes petistas e aliados. Quando será que vão tomar alguma iniciativa, ou vão reagir depois do caldo entornado? Aqui em São Paulo amanhã, as centrais também estão se organizando pra fazer parte do movimento.

  2. Fernando. Com todo o respeito que tenho por você e por suas posições políticas, por seu trabalho neste blog, me pergunto de que “jovens” trata o seu artigo. Nós não éramos, então, apenas jovens. Nós lutávamos (e por isso apanhávamos) para impedir o golpe que tentava impedir a volta ao Brasil do então Vice-presidente Jango Goulart; lutávamos pela defesa das reformas de Base prometidas por Jango, lutávamos contra a invasão de Cuba, lutávamos por um maior número de vagas nas Universidades, lutávamos, em suma, por um país de maior igualdade social. Hoje, nós não criticamos a garotada apenas porque nós ficamos velhos. Nossa crítica é porque eles não dizem uma única palavra a favor do soldado americano que está sendo julgado (depois de ter sido mantido preso numa jaula, durante um ano) por ter passado ao Assange os crimes do estado americano, inclusive aqueles que dizem respeito a ação americana na operação condor. É muito justo que os jovens brasileiros lutem contra os maus serviços dos transportes públicos, que lutem contra o preço que consideram elevado para estes mesmos serviços. O que não é justo é que eles não digam uma palavra a respeito do bolsa família, do Prouni, do Minha Casa Minha Vida, das UPPs, das UPAs. São jovens demais para separar o joio do trigo?

    1. Fani, não éramos e não somos iguais. Mas não somos tão diferentes, também. Talvez a maior diferença seja exatamente o que você mencionou. Nosso adversário era totalmente definido. As coisas, hoje, tem um quê de geléia-geral. Precisamos, e eu modestamente tento aqui, ser muito claros e identificados no que dizemos. Lembre-se que os guris de 20 anos, praticamente, não conheceram o Brasil da ditadura, muitos também não o Brasil do neoliberalismo. Muitos de nós, é assim com os seres humanos, nos acomodamos, passamos a achar que “é assim mesmo” e perdemos a vontade de mudar. Se a revolução, por definição, não envelhece, alguns revolucionários envelhecem na política. A revolução sobrevive, hibernada ou ativa, apenas no desejo dos povos por justiça. Por isso, precisamos renascer todos os dias, para podermos compreender e ser compreendidos. Hoje, temos este espaço aqui, que eu e você não tivemos há décadas atrás. Não estou sugerindo sermos ingênuos, não ver que a direita se aproveita destas situações. O que digo é que sejamos generosos. Ser generoso jamais traz arrependimentos e nunca nos diminui. E vamos seguir, porque aquele anjo torto do Drummond, que nos mandou ser “gauches” na vida, tinha, felizmente, toda a razão no que dizia.

  3. O evento que acontece no resto do Brasil é diferente do que aconteceu em Brasilia . As manifestações contra a copa? Tudo bem, mas pelo que tudo indica era algo mais e no dia do evento chegam noticias que havia sim um grupo interessado em impedir a entrada no estadio e não poucos, os chamados sem-ingresso querendo ganhar do grito a entrada forçada. Não podemos nos esquecer que no estadio Mané Garrincha estava nada mais nada menos que a presidente do Brasil, aquele era um treinamento para a copa de 2014 então imagina-se que os ânimos estavam acirrados . Não vamos nos esquecer também que hoje Brasilia é alvo, não foi em 2011 que aconteceu pela primeira vez a invasão de uma embaixada estrangeira, a embaixada da Libia? A policia de Brasilia está sendo treinada também para atentados terroristas e o caso da embaixada da Libia não deve ser desprezado. Uma multidão aglomerada é diferente de uma multidão em transito. As manifestações no resto do Brasil estava em caminhada, já no Mané Garrincha estava aglomerada. Quem já viu estouro de boiada? Então imagina que a coisa estava esquentando. Não vi nada de errado no comando da PM, agora isso não impede que excessos individuais aconteçam e devem ser tratados com a devida correção. A PM de Brasilia costuma filmar suas incursões para se defender ou até mesmo para punir insubordinados, acredito que isso tenha acontecido. Venho acompanhado a politica para a PM de Brasilia na gestão do Agnelo e ela é de uma policia cidadã que use a força só em casos extremos.

  4. Fani, se eu entendi, espero que os jovens não estejam sendo usados, por pessoas
    que hoje tem um acesso, quase que diuturnamente a suas visões, um dos meus queria sair e perguntou: que cartaz eu faço…? Otimo cria-se um novo mote de pessoas politicas, eles farão a diferença mais tarde. Admiro respeito, vou lá para ver de longe e de perto, e quem sabe até participar….Mas com alguma experiencia sei que tem alguns Urubus na Moita…
    E é contra estes que eu sou incisivo…Não muito porque eles questionam demais..
    Mas sou vermelho sempre…só não consigo torcer para o Inter…

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