Um debate sobre delação premiada

Em outros tempos, o tema abaixo seria considerado específico demais, especializado demais, para um blog político, mas na conjuntura atual, em que a política se transfere cada vez mais para a barra dos tribunais, estamos todos tentando nos tornar um pouco juristas para entender melhor a nossa política, e sobretudo para participar melhor da nossa democracia.

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VISÕES DO DIREITO

Embate entre Lenio Streck e Moro aborda resistência sobre delações

28 de agosto de 2015, 22h14
Por Felipe Luchete, no Consultor Jurídico.

Entre metáforas, piadas e provocações respeitosas, o conceito de resistência marcou encerramento nesta sexta-feira (28/8) de evento promovido pelo IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), em São Paulo. O juiz federal Sergio Fernando Moro declarou que as críticas ao instituto da delação premiada consistem em “resistência retórica” de quem não entende muito bem a ferramenta, enquanto o jurista Lenio Luiz Streck defendeu que advogados devem resistir a juízes que querem impor sua visão sobre o Direito.

Representantes do IBCCrim ainda se manifestaram sobre a resistência de parte dos associados ao convite para o juiz da operação “lava jato” palestrar no 21º Seminário Internacional de Ciências Criminais — escritórios que tradicionalmente patrocinavam o encontro retiraram o apoio financeiro, em sinal de descontentamento.

O painel ocorreu mesmo assim, com auditório cheio. Moro afirmou que os ataques à delação são contaminados por “certos preconceitos” e “dados imprecisos”. “Não há dúvidas de que a colaboração premiada é polêmica e apresenta problemas, mas não conseguimos discutir com serenidade se partirmos por estereótipos.”

“Colaboração é um meio de defesa. O criminoso colaborador vai receber ao final, quando condenado, uma pena desproporcional ao seu crime. Isso é ruim, mas ao criminoso que de fato contribui com a Justiça é razoável que a lei forneça algum benefício por essa conduta. Afirmar que esse é um instrumento importante não significa que é válido para qualquer caso e também não significa que deve ser adotado sem uma série de regras”, disse.

No geral, ele considerou ser um instituto positivo tanto para o acusado quanto para a Justiça, o Ministério Público, a polícia e a sociedade. E disse que meros depoimentos não são suficientes para basear a prisão de pessoas citadas — para o juiz, é necessária uma “carga probatória” maior, e a própria Lei da Organização Criminosa (12.850/2013) tem remédios para evitar que se confie plenamente no colaborador. “Tudo precisa ser objeto de prova de corroboração, de natureza diversa, como extratos bancários.”

Moro afirmou ainda ser “impossível” saber por qual motivo um investigado decide delatar.

Apontou três possíveis explicações, baseadas em personagens do inglês Charles Dickens: “ou é o fantasma dos Natais passados — um arrependimento sincero, embora seja um fenômeno raro —, ou o fantasma do Natal presente — o fato de sofrer restrição de seus direitos, como uma prisão cautelar — ou eventualmente o fantasma dos Natais futuros — a perspectiva de uma condenação e uma prisão futura”.

O juiz negou, porém, que a “lava jato” tenha usado prisões preventivas para forçar que réus confessem crimes. Declarou também ver com “espanto” escritórios de advocacia que torcem o nariz para a delação, declarando violação à ética. “De qual ética, afinal de contas, se está falando? De jamais colaborar com a Justiça, jamais confessar a prática de crimes?”

O advogado e professor Renato de Mello Jorge Silveira, também participante da mesa, avaliou que a delação talvez não seja tão aceita no país por estar mais ligada aos acordos nos Estados Unidos do que a tradição brasileira. Na avaliação dele, a ferramenta também não pode ser vista como “emplasto Bras Cubas” — em referência a um medicamento que curaria todos os males na obra de Machado de Assis. Ele questionou ainda a falta de caminhos para outra parte no processo recorrer contra acordos e seus termos.

Gambiarra em Pindorama
Para o advogado Lenio Streck, colunista do site Consultor Jurídico, o problema está em usar a colaboração premiada como mecanismo de pressão para quem está atrás das grades. Ele reclamou ainda de que não existem regras claras sobre o prêmio oferecido ao delator nem critérios e limites para o juiz aceitar o acordo firmado pelo Ministério Público Federal.

“O problema é que no Brasil nos acostumamos com o lema de que o Direito é o que os tribunais dizem que é. Nosso Direito processual está jurisprudencializado; menos regras e mais jurisprudência.”

Como exemplo, ele citou decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que rejeitou pedido de Habeas Corpus apresentado por um réu preso em caráter preventivo desde março de 2014. O desembargador federal João Pedro Gebran Neto considerou que a complexidade da “lava jato” justifica a medida por mais de 500 dias e apontou que o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que “pequeno atraso” na instrução, quando justificado, não representa excesso de prazo.

“O tribunal não queria soltar, e deu um argumento finalístico. Me impressiona que uma decisão dizendo que 500 dias é um período pequeno não gera constrangimento por parte da comunidade jurídica. Por que nós não nos importamos?”, afirmou Streck.

“Somos tutelados por um ‘pai Judiciário’, ‘mãe Ministério Público’ e ‘tia Defensoria’, a ‘Santa Trindade’. Em vez de reivindicarmos, corremos ao pai, à mãe e à tia, e depois nos queixamos. Consequência: ficamos com a cidadania enfraquecida.”

“O Direito existe por princípio, não é o que o Judiciário diz que é. Pindorama é o país da gambiarra. Nós temos tantas garantias na Constituição, mas temos que implorar por elas a todo o momento. Para ganhar um Habeas Corpus no STF, temos que torcer para que o writ não seja conhecido e conseguir discricionariamente [por parte do ministro relator] como favor”, finalizou Streck, desculpando-se pela “dureza”.

Insistência – Embora a presença de Moro tenha levado ao fim de patrocínios, o IBCCrim disse que ouvir posições diferentes faz parte da entidade. “Ciência é diálogo. Trazer pessoas que não necessariamente representam nossos ideais para debater temas permite chegarmos a um entendimento mais sólido do assunto. A manutenção da grade foi uma declaração de independência do IBCCrim contra qualquer tipo de pressão”, afirmou o presidente do instituto, Andre Kehdi. Na abertura da mesa, o jurista Alberto Silva Franco já havia lido manifesto favorável à pluralidade.

Apesar das provocações e críticas durante o evento, não faltaram no final os já comuns elogios dirigidos a Moro e as selfies com o famoso juiz.

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Na foto, Andre Kehdi (em pé), presidente do IBCCrim, encerra painel com Moro, Streck e Silveira.
Crédito: Divulgação/IBCCrim

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9 respostas

  1. Assisti um trechinho do seminário e a fala do juiz ‘ sensação do momento’. Impressões que ficam: postura rígida, voz e expressões de linguagem distoantes do que a mídia alardeia. Voz titubeante, rascante, falha, parece de menino passando à puberdade e expressões ingênuas, como a que foi citada por ele do escritor Charles Dickens. E explico que considero ingênuas por estarem fora do contexto , mas aparecendo como uma manobra para tentar adivinhar ‘humanamente’ a intenção do réu ou futuro réu, no momento da pressão pela delação, apenas um suspeito. Uma citação inútil, simples efeito de linguagem, que não explica absolutamente nada. Ou sim, parecem expectativas infantis mesmo, já que trata de expectativas de Natal. Será que ele se considera o Papai Noel ou é o velho avarento , personagem de Um Conto de Natal, que nega um bom Natal aos que estão sob seu jugo? Atitude desonesta, ou ele pensa que está num seminário de psicologia para principiantes, o que o leva a falar mais dele do que de outros que ele queira citar. Só consigo lembrar de um político que gostava de citar falas em latim nos seus discursos e acabou repetindo integralmente o velho anuncio de gomalina para cabelo. “Dura lex, sed lex. No cabelo, só gumex”. Agora, citam os natais de Dickens.

  2. A cobertura da rede Bandeirantes deu a entender que foi uma palestra exclusiva do Moro e que todos que estavam ali aprovavam amplamente a postura dele. Se eu não tivesse aberto este post aqui no Viomundo, continuaria imaginando que o evento foi apenas pra levantar a bola do juiz e afirmar suas práticas. Mas, não foi nada disto. Houve contraponto, e o Moro não era a figura central da palestra e nem o evento foi um ato de apoio a ele.

  3. Nada contra a delação premiada! Sim contra alguns prêmios que mais parecem cumplicidade. Tudo contra vazamentos, a não presunção de inocência de delatados e uso de prisão como coação para se obter delações

  4. A delação premiada antes de mais nada deve ser espontânea – Além do mais, não pode ser capitaneada por uns poucos advogados, que claramente direcionam a delação. A verdade é que na prática do Moro a teoria é outra.

  5. As pessoas leem Época e acham que “sabem” das coisas. Deus nos livre de tanta burrice! Depois que quebraram a cara com Veja no caso Romário, agora se agarram à Época.
    Em tempo, por favor, alguém avise ao Exmo. juiz que ele não fala pela sociedade. Se ele quer defender seu trabalho, fale por si mesmo e por seus interesses. Ele não tem autoridade para falar pela sociedade.

  6. Os bandidos que roubaram a Petrobrás, criminosos confessos e delatores que querem se safar, estão sendo chamados pelo respeitoso nome de agente colaborador. Recebem as tais tornozeleiras e vão para casa gozar do produto do roubo que praticaram. Os que não roubaram e portanto não tem o que delatar, ficam mofando no presidio, ao arbítrio e humor do juiz, numa especie de tortura moral e psicológica semelhante ao processo de Kafka. Prisões com base em delação de criminosos e antes do competente julgamento e condenação são um atentado ao Estado de Direito. É a manifestação do autoritarismo camuflado, inaceitável e já superado que tenta voltar via judiciário. Importante rememorar as palavras de Albert Camus ao final de sua obra prima A Peste: “o bacilo da peste não morre nem desaparece nunca, pode ficar dezenas de anos adormecido nos móveis e nas roupas, espera pacientemente nos quartos, nos porões, nos baús, nos lenços e na papelada. E assim,também,viria talvez o dia em que para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acordaria os seus ratos e os mandaria morrer numa cidade feliz.”

  7. É por isso que não dá para acreditar naquela conversa mole que “Pau que dá em Chico, dá em Francisco”. A justiça brasileira é uma casta de famílias ricas, sempre ligadas à direita.

  8. Esse juiz Sérgio Moro mostra muito bem o seu caráter nessa palestra. Além de dizer que existem delatores de primeira linha (Joaquim Silvério dos Reis, foi o exemplo) e reles delatores como esses de que se utiliza na Lava Jato para atingir pessoas, todas sem antecedentes criminais, todas sem um histórico de vida que os possa apontar comoe seriam perigosas, mantidas presas à sua disposição, muitas donos, diretores e executivos de empresas gigantescas, que claro, não dependem somente das ordens dos que estão presos, inexistindo as razões de que possam atuar para dificultar e impedir provas se estivessem. como deviam, soltos mas à disposição da Justiça. Por enquanto é apenas denúncia, não se trata de fato de criminosos. Está sendo apurado. É um atrabiliário, como muitos dizem um fascistoide, mas que está com as costas quentes, pelo amparo do Procuradoria Geral da República e do Supremo Tribunal Federal. Os crime do Dr. Moro, de crimes se trata, porque descumpre normas legais inclusive a Constituição, têm a conivência de muitas pessoas encasteladas no aparelho de Estado, que contrárias a Dilma, seu Governo e o PT usam a sanha oposicionista do juiz e o seu caráter dúbio, até certo ponto de um fundamentalista religioso, para fazer o papel sujo, secundado pela Polícia Federal e o Ministério Público do Paraná.

  9. Durante palestra em São Paulo na última semana, o Juiz Sérgio Moro, ao sustentar que as suas delações premiadas são traições entre bandidos, muito diferente do que a traição de Joaquim Silvério dos Reis na Inconfidência Mineira (em clara resposta a Dilma), cometeu um grande equívoco que passou “batido” pela blogosfera. Sob a luz das leis e do Poder constituído da época, todos os Inconfidentes eram bandidos; tanto que foram julgados e condenados. Mais me causa espécie é que o magistrado não percebeu que “deu um tiro no pé”: assim como aqueles juízes e tribunais da época são execrados atualmente e a História se incumbiu de lhes dar o devido valor, o próprio Moro pode vir a ser execrado um dia e a História lhe dar o devido valor. Moro representa a lei e o Poder Constituído. Hoje, sim; mas, no futuro…

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