Vila Kennedy: o palco irônico do fracasso do ‘gueto’

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As sucessivas operações militares na Vila Kennedy e  o episódio de sexta-de, em que o Exército prestou cobertura a uma ação monstruosa da Prefeitura, derrubando com tratores as barracas de gente pobre, que se defendia na vida vendendo bugigangas ou pastéis, levaram para conjunto habitacional e a favela que se desenvolveu em torno dele para o noticiário nacional.

O local que leva o nome do presidente norte-americano assassinado como marca de batismo e que se tornou a vitrine da intervenção militar tem uma história que encarna o fracasso das políticas de segregação espacial

Nos anos 60, o Rio de Janeiro que se modernizava e assumia ares de “cidade do mundo” tinha uma grande preocupação: esconder as chagas da pobreza que marcavam a cidade e realçar as belezas que a natureza nos dera. Talvez não haja cena mais emblemática disso que a colocação de outdoors ao longo da Avenida Brasil na visita da Rainha Elizabeth II para ocultar da vista as favelas.

Era era das remoções de favelas e a Vila Kennedy foi erguida como  um conjunto de 5 mil casas – imenso, para a época – construído com dinheiro da “Aliança para o Progresso”, um programa de “aproximação” do Governo Kennedy, na visão caritativa que dava, então e ainda hoje, “preocupação social” aos mecanismos de dominação.

Para a Vila Kennedy foram levados “favelados” removidos do Morro do Pasmado, onde ficam o túnel que separa Botafogo da entrada de Copacabana, da Praia do Pinto, da Lagoa Rodrigo de Freitas, outro cartão postal da cidade. Também da Favela do Esqueleto, hoje o campus da Universidade do Estado e das palafitas da Favela de Maria Angu, onde hoje fica o “Piscinão de Ramos”.

Conheço esta história desde o início. No prédio em que eu morava, no Méier, vivia o cidadão de classe média, lacerdista, que funcionava como administrador do conjunto, e sua mulher, reacionaríssima, era debochada pela molecada como a “primeira-dama de Vila Kennedy”.

O conjunto era uma espécie de símbolo da crueldade social com que, dos anos 60 e até os 80 (quando este ciclo se fechou, com a Vila do João, na Maré), que procurava alojar em locais distantes e segregados os pobres que se alojavam nas frestas e encostas da cidade. As “remoções” como eram conhecidas eram verdadeiras tragédias, com pessoas sendo arrancadas dos locais onde viviam há décadas, em nome da ordem urbana e, não raro, com enfrentamentos com a polícia, e incêndios mais do que suspeitos, que preparavam a retirada de comunidades como as da Catacumba e da Praia do Pinto, na Lagoa Rodrigo de Freitas, área nobre do Rio.

Ao contrário do que ocorreu com os bairros operários criados nos anos 40 com os conjuntos dos “IAPs” – hoje também precarizados pelas décadas sem política habitacional que pudesse evitar os “puxadinhos” e segundas ou terceiras lajes – não eram construções de boa qualidade, tinham parca estrutura urbana e sobretudo, ofereciam um suplício no deslocamento para o trabalho, pois não foram, como aqueles, criados tendo as linhas férreas como artérias.

Começou-se, nos anos 80, a tentar saldar esta dívida, com os processos de urbanização destas comunidades, mas nunca com os recursos e a escala necessários. Era já a “década perdida”, com os estados e prefeituras em estado de penúria financeira, mesmo quando tinham boa-vontade e se dispunham a trocar o embelezamento urbano nas áreas mais ricas e centrais, pouco fizeram para integrar às cidades o que havia sido concebido como gueto.

Nos últimos anos isto praticamente reduziu-se, aqui no Rio, à instalação das UPP, como se a paz pudesse ser obtida com polícia. Não pode, como não poderá ser obtida com exército, não pode ser obtida com tratores e britadeiras que retirem as barricadas postas ali pelo que inevitavelmente brota da pobreza e da segregação, aqui ou em qualquer lugar do mundo.

Quem duvidar, procure saber como eram o Harlem e o Bronx, em Nova York, nos anos em que, aqui, quis-se criar o bairro que leva o nome de Kennedy, com direito até a uma miniatura da Estátua da Liberdade, posta ali entre grades na Praça Miami, irônico batismo do lugar onde se deu a monstruosa demolição das barracas e quiosques dos camelôs.

 

 

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19 respostas

  1. Para que estão utilizando nosso exército brasileiro???Aonde estão os que defendem nossa pátria! Pelo que deu para ver, parte dele está a serviço de poucos endinheirados que recebem tudo de mão beijada e não contribuem com um mínimo tostão com o fisco! Já os mais pobres que pagam os seus impostos, por meio do que adquirem, são tratados como lixo!!!

  2. Antes de sentir pena ou revolta por estas pessoas que foram prejudicadas, eu gostaria de saber em quem elas votaram (e se votaram) na eleição para prefeito do Rio. Quem venceu na vila Kennedy, Crivella ou Freixo?

    1. Concordo,ninguém tem direito a ser imbecil ao ponto de votar naqueles que só metem a mão no seu bolso.
      Se não se aprende pelo intelecto,se aprende pela barriga.Não cometo o erro da esquerda, a “vitimização” dos pobres.Usem as suas armas,o voto,a mobilização , a organização ,o poder da massa quando vira POVO é imenso e mete medo nos fascistas da direita.

      1. O grande problema é que esse povo só vota naquilo ou em quem a mídia/globo manda. Em Porto Alegre, distante 23 Km do Centro, lá pela década de 70, construíram a Vila Restinga Nova, que, até hoje, é reduto dos candidatos mais reacionários e moralmente comprometidos. Historicamente aquele povo vota por camiseta, por um sub-emprego para o filho, para o neto, onde dois ou três dividem o salário que deveria atender a um cargo, ou, quando não acontece isto, devolvem a maior parte, para atender aos esquemas dos larápios com mandato. Viajam quase uma hora em ônibus péssimos e lotados para atenderem aos seus compromissos e chegarem aos seus locais de trabalho. Tive oportunidade, em diversas ocasiões, de conversar com pessoas dali e a ignorância e até a defesa enfática, quando não agressiva, dos seus exploradores e do que representam é coisa avassaladora. Ali se assiste novela, faustão, futebol da globo… Ali neymar é deus, além do deus evangélico, que, hoje, seguramente, deve preencher quase cinquenta por cento desse rentável negócio de divindade, onde o criador do Universo recolhe dez por cento do que ganham os aparvalhados, a fim de conseguir sustentar sua magnífica criação. Felizmente existem essas pessoas assim, tão boas, pois, de outro modo, nós, os descrentes poderíamos, de uma hora para outra ser dizimados r restarmos sem um universo para existir. Então, a mudança que virá, e virá, só se dará pela educação, pela informação isenta e pelo desmascaramento da corja que vive de sugar esse povo. Não é um processo fácil e a esquerda perdeu a oportunidade, em todos os anos em que exerceu poder, de mudar isto, de fazer o que a corja fez e faz, até hoje, nas periferias e favelas. Realmente, eles votam no opressor, mas, por que votam?

    2. Crivella 72% x Freixo 28%
      Mas não coloque culpa no povo. Ele é vulnerável, vítima da propaganda da direita, do poder econômico. Nós da esquerda precisamos reconhecer que estamos falhando na mobilização popular, e corrigir nossos erros.

    3. E a revolta não seria por se ter estabelecido previamente as condições para a proliferação dos “crivelas”?…

  3. De repente bateu na Prefeitura um tezão de “ordem urbana”, demolindo as barracas na Praça Miami.
    Se o Prefeito passear em vários bairros da Cidade vai poder ver a desordem urbana que se transformou o nosso Rio de Janeiro.

  4. E o general disse que esse lugar será o “modelo”, a “vitrine” das ações do EB… O fiasco vai ser muito maior que se imaginava… Será que o poder paralelo daquela area alem de mandar recolocar as barricadas irá reerguer as barracas dos moradores?

  5. Esqueceu de falar do Rio da Guarda! Eu presenciei vários desses “incêndios”, em especial, o do Esqueleto. Não podemos esquecer da figura maravilhosa de de D. Helder Câmara! A sua luta para fixar a população favelada na Cruzada São Sebastião, em área nobre do Rio, lhe valeu o epiteto de Bispo Vermelho.

  6. Estamos em 2018 e é chocante perceber que nossa elite e nossa classe média continuam pensando exatamente como na década de 60. Os fracassos monumentais dessa gente, que mandou no país a maior parte do tempo desde então, não lhes serviu para aprendizado nenhum. Pelo contrário, em sua infinita estupidez, eles atiram a culpa de nossa tragédia em Brizola, Lula e Dilma. É muito difícil acreditar num país com tanta gente imbecilizada a este ponto. O Brasil só mudará com uma revolução verdadeira que destrua os monopólios da mídia.

  7. A internauta Daniela Faria postou apenas: “Tacla Duran, Tacla Duran, Tacla Duran, Tacla Duran, Tacla Duran”.

    Dallagnol viajará para Espanha a convite dos organizadores e, como o evento é cobrado, deve ter cachê, cujo valor não revela.

    Se considerar que, no evento, representará o Ministério Público Federal, poderá ainda reivindicar diárias.

    O Foro começa numa sexta-feira, dia útil. Ele vai faltar do serviço público ou estará lá em missão oficial? Se for em missão oficial, embolsa algumas diárias.

    Chama também a atenção que Dallagnol irá para a Espanha depois que os procuradores faltaram ao interrogatório de Rodrigo Tacla Durán em um tribunal de Madri, no dia 4 de dezembro passado, marcado a pedido da Lava Jato.

    Segundo noticiado, o advogado Rodrigo Tacla Durán foi, mas nenhum procurador de Curitiba compareceu.

  8. Depois ficam se questionando de onde sai tanta indiferença, as vezes desumanidade, na violencia contra sí quando ficam expostos a um criminoso oriundo de uma dessas periferias. É a elite que ensina e faz escola.

  9. Bela matéria. Apenas dois reparos: 1) a Vila do João não foi remoção como as outras, foi urbanização com assentamento da população local que vivia em palafitas na Baixa do Sapateiro, na mesma Maré. Já era época da abertura política, havia a explosão de associações de moradores, e foi uma tentativa de setores de dentro do governo da ditadura se adaptarem às mudanças que a população exigia para preservarem o poder. Detalhe: o governo do Rio era corruptíssimo (gestão de Chagas Freitas) para quem acha que em ditaduras militares não há corrupção. 2) As UPP’s da Rocinha, Manguinhos, Complexo do Alemão e Maré vieram acompanhadas de investimentos de presença do estado na Saúde (UPA’s), Lazer na Cultura (bibliotecas, espaços culturais) e esportes (vila olímpica) e, se não me engano, de creches. Mas com o golpe desde a lava jato, passando pelo impeachment e as “reformas” do vampirão neoliberalista que sabotou o Brasil e o Rio (a única cidade olímpica do mundo que não aproveitou o legado graças à desgraça de elite golpista que temos), a população destas comunidades empobreceu, voltando a degradar as condições de vida, de moradia e os equipamentos públicos de saúde, educação, cultura e esportes estão sendo sucateados.

  10. Realmente onde estao os patriotas ? Todos os recursos naturais e mao de obra cedidos ao capital e o unico retorno disso é a violencia. O Patriota de hojr prega privatização e repressao a civis. Isso so pode ser obra de insanidade.
    O mais triste é o prefeito alegar que ninguem sabia de nada e inclusive o exercito alegou o mesmo. So posso achar que foi obra do divino.

  11. E a esquerda Zona Sul nao deu as caras nos territórios violentados….Quem nao salva a pobreza da violencia dos milicos nao levanta o rabo do sofá pra evitar prisao de Lula

  12. é a policia verde oliva do tio sam, mostrando serviço para a casa grande(globo)..nojo dessas mulherzinhas de farda do tio sam!!!

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