Estupidez das elites vai além de Bolsonaro

A manchete da Folha de hoje, por ela própria, confirma a estupidez das elites brasileiras.

A tal “desancoragem” da economia – a diferença de 70% entre a inflação projetada pelo “mercado” e a meta fixada pelo Banco Central (que deveria ser “tábua da lei” neoliberal) – é, traduzindo, uma erosão gigantesca da moeda em relação às perdas de valor sinalizadas às operações financeiras e, portanto, um descolamento total entre política monetária e realidade econômica.

E, nesta esteira, o jornal aponta uma série de indicadores espantosos da veloz decadência da segurança que o país oferece aos investimentos, a começar por uma alta explosiva do chamado “risco-pais” de cerca de 50%, passando, desde março, de perto de 200 para 300 pontos.

Neste e em outros termômetros da economia, qualquer um sabe que a temperatura ainda subirá, seja pela nossa disputa político-eleitoral aqui, seja pelo quadro de desarranjo da economia global, à qual o nível de dependência brasileira só faz subir, e muito, desde que o país abandonou qualquer tipo de projeto próprio.

Digo que a manchete da Folha tem algo de patético porque, até para descrever a situação ela acaba apelando para uma referência que só confirma o ódio irracional de nossas elites em relação à esquerda, que lhe proporcionou uma década de progresso (e de ganhos) como raras vezes teve na História.

Não apenas formou uma força hegemônica para eleger um personagem sabidamente mau e desqualificado para reinar no país como a ele deu, paulatinamente, um poder praticamente imperial sobre a política e a economia, limitando suas críticas aos aspectos “exóticos” de Bolsonaro mas, em geral, aplaudindo a política de desmonte do Estado que, sob a batuta de Paulo Guedes, como se um pudesse viver sem o outro.

Mesmo dando no que deu, continua tendo uma visão tacanha: tudo estaria bem se Bolsonaro não estivesse gastado tanto para se reeleger. Mas afinal, esperavam que houvesse outro meio de fazê-lo com o desmonte sistemático das políticas sociais e dos serviços públicos, senão comprando votos no atacado dos auxílios e no varejo das emendas parlamentares?

É tão canalha a abordagem mental de nossas elites que o “pior que o de Dilma” não lhes causa rubor, comparando um governo sitiado pela coligação Eduardo Cunha – Aécio Neves a outro que tem maioria para aprovar, num modelo “fast-food” emendas constitucionais que autorizam, em regime de “é hoje só e a manhã não tem mais” a distribuição de benesses eleitorais.

A destruição da política e dos partidos nos levou a este quadro. Aniquiladas uma e outros, sobrou-nos a politicagem, a picaretagem fisiológica do Centrão e o populismo autoritário que atira o país no torvelinho de um desastre que nem mesmo eles já conseguem negar.

A história é caprichosa, porém. Ao turbinar transferências de renda em nome da transferência de votos, conferem uma legitimidade irrevogável à ideia de que o país não pode deixar seu povo na fome e na miséria e muito menos marcar data para a crise, após as eleições, quando os auxílios serão retirados.

Eles quebraram os santos de seu próprio altar.

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