O semipresidencialismo já está aqui. E precisa sair

Uma das recorrente proposta do conservadorismo no Brasil sempre foi o parlamentarismo, agora rebatizado de “semipresidencialismo”. Tentado na Constituinte, em 87 e 88, voltou em 1993 pela via do plebiscito e foi derrotado no voto, mas jamais sepultado no campo da direita.

Não é pelo regime em si, compatível com muitas democracias, em especial na Europa, de tradições partidárias de dois séculos que absolutamente não existem num país onde se cria partidos ou se migra entre eles com a mesma facilidade com que se percorre corredores de supermercado.

Embora não exista formalmente, temos hoje uma boa amostra do que isso significa na vergonhosa deformação que atinge nosso Congresso, onde se modificam regras constitucionais e distribuição de verbas com critérios absolutamente obscenos e, pior, fisiológicos.

Helena Chagas, em artigo publicado n’Os Divergentes‘, põe o dedo nesta ferida e reforça a necessidade de, tanto quanto tirar Jair Bolsonaro do Planalto, enfrentar o mais difícil desafio, de recompor o parlamento com gente engajada com a transformação do país e não com seus ganhos pessoais, em arranjos eleitorais ou de outra natureza, impublicáveis.

Sob pena de termos, como tivemos a partir de Eduardo Cunha, sempre um presidente sob chantagem.

 

Após susto do STF, Congresso volta ao comando do país

Helena Chagas, n’Os Divergentes

Lá vem o rabo abanando o cachorro de novo. O Congresso deve encerrar seus trabalhos do ano esta semana, aprovando o Orçamento da União e desviando recursos de ministérios e despesas obrigatórias do Executivo (inclusive previdência e assistência social) para emendas parlamentares e para o fundo eleitoral, que vai acabar em torno de R$ 5 bilhões. Depois do susto pregado pelo STF – que bloqueou os pagamentos das emendas RP9, as de relator, mas agora recuou – a turma do orçamento secreto voltou com força total.

A pressão pelas emendas parlamentares sempre existiu, e o estica-e-puxa da votação do orçamento tem sido tradicionalmente tenso ao longo de décadas – ao menos desde a promulgacão da Constituição de 1988. Mas o que nunca se viu é essa inversão total de valores. Para o Legislativo, a prioridade passou a ser, escancaradamente, o pagamento de suas emendas, nem que para isso tenham que tirar dinheiro do aposentado, do deficiente, dos programas ministeriais – entre eles, da saúde e educação – e até do censo do IBGE.

Não se pode dizer que os parlamentares não tenham tido sempre esse tipo de ambição. Antes, porém, o Legislativo encontrava limites no Executivo, que barrava os absurdos e raciocinava segundo as prioridades para botar em funcionamento a sua máquina. Certos, ou errados, os governos se impunham. Quantas vezes nós não vimos o presidente da República mandando cortar a execução de emendas parlamentares para tapar buracos do Orçamento? Afinal, quem manda no orçamento, manda no país.

E é o certo. Quem governa, e tem que atender a todas as demandas desse país desigual, injusto e cheio de iniquidades têm que ter a prerrogativa de decidir o gasto – ainda que você não concorde com suas prioridades.

O rabo abana o cachorro quando o Congresso, de forma irresponsável, pulveriza recursos que deveriam estar em programas de combate à pobreza em emendas para seus redutos. Muitas delas levarão obras e projetos importantes para suas comunidades. Mas a distribuição política dessas verbas, e a falta de critérios na definição de seus objetivos, sem uma visão do todo, joga muito dinheiro pelo ralo.

Afinal, quem vê o todo, e tem condições de avaliar as necessidades de cada região – ou, ao menos, deveria ter – é o governo federal. E aí é que está o nosso problema, que vai além da questão das verbas orçamentárias e expõe uma disfunção institucional. No governo Bolsonaro, o sistema presidencialista foi para o espaço, mas não se colocou em seu lugar nada funcional.

O tal semipresidencialismo que o presidente da Câmara, Arthur Lira, o ex-presidente Michel Temer, e o ministro do STF Gilmar Mendes tentam viabilizar nada mais é do que a institucionalização desse atual estado de coisas, que reúne um presidente incapaz e omisso e um parlamento ambicioso que só tem olhos para os próprios negócios.

Quem assumir o comando do Executivo em 1o de Janeiro de 2023 terá pela frente a tarefa de recolocar nos trilhos as instituições do presidencialismo, restaurando o equilíbrio entre os poderes – sob o risco de não conseguir governar.

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