A isenção autoritária. Por Nilson Lage

Não me surpreende a ideologia desses discursos. São pessoas que lucram com ele, pagas para dizê-los, estúpidas o bastante para acreditar neles; aloprados místicos e carreiristas que falam besteiras para ocupar espaços de poder nessa etapa de liquidação da Pátria-Mãe.

Assombra-me a ousadia da ignorância teórica que suporta o argumento.

Como exigir “isenção” de um relato pessoal, testemunhal, sobre fatos verdadeiros? De John Reed, em “Os dez dias que abalaram o mundo”? Peter Davis, em “Corações e Mentes”? Júlio César em “Sobre a guerra da Gália”? Ou, mesmo, da construção de um conceito do todo pela soma das partes, como faz Eduardo Coutinho em “Edifício Master”?

O que seria a isenção afora o apagamento do autor diante de interpretação prévia, autoritária e hipócrita?

Nélson Pereira dos Santos, Professor Titular da Universidade Federal Fluminense, ensinava que documentários são o melhor maneira para se apreender a essência do cinema, porque suprimem a muleta da dramaturgia; deles, pode-se discutir o discurso no plano das ideias, mas tudo que se admite exigir é que cada um dos segmentos produzidos ou selecionados seja, de fato, verdadeiro. Isso é ainda mais evidente quando a perspectiva do narrador define-se no início, como em “Democracia em Vertigem”

Assim, se era Lula e não um sósia que arrumava as malas para se apresentar à cadeia; se a megera que dá uma de Pomba Gira, não protagonista de tragédia grega ou louca evadida do hospício, mas advogada de renome; se são, mesmo, parlamentares os pândegos e clowns que se apresentam no picadeiro das cuias, dispostos a mostrar ao grande público o que compõe de fato o Congresso brasileiro.

É de César, não diretamente perceptível na natureza, que a Gália se divide em três partes; ele a viu e conquistou dessa forma, e o relato o habilitava a comandar o Império Romano. Se o menino chora lancinante junto ao túmulo do pai, representado em uniforme militar, sobre a lápide do cemitério em Saigon, e o General Westmoreland, captado em plano americano, proclama que os orientais não dão valor à vida, não há como criticar o Professor Davis por ter juntado os dois segmentos na construção de seu discurso, ostentando, com isso, a hipocrisia condecorada.
A maneira como se arruma o relato — a sintaxe e seu sentido, as sugestões que faz, as conotações que desperta — é exatamente o que define a autoria, e que os jurados do Oscar poderão premiar.

Os episódios recentes da tragédia brasileira foram encenados de várias maneiras, algumas vezes, com escasso sucesso, arrumando as cenas para validar a “mudança de regime” com base na palavra dos conspiradores ou com a invenção do “povo” nas massas motivadas pelas técnicas de agitação de massas manipuladas pelos mesmos interesses de sempre — da conspiração pela proclamação da República ao traque restaurador paulista de 1932; do “mar de lama” de 1954 à “república sindicalista” de 1964; de Sylvio Frota a Augusto Heleno; da projeção nos cinescópios de um Collor ao enchimento do balão de um Bolsonaro.

A diretora de “Democracia em Vertigem” contou a história real, como a viu. Assinou a obra.

Se o mundo e a inteligência brasileira concordam que a versão de Petra é inseparável dos fatos, será esse o juízo que persistirá na História.

É prudente conformar-se.

Facebook
Twitter
WhatsApp
Email

12 respostas

  1. Não ví o documentário da Petra ,não faço muita questão pelo jeito(já o tería visto),mas,o que me incomoda desta história é que só estamos falando quase que diariamente (e será até ELES decidirem), porque FOI NOMEADO POR ELES,COMO MERECEDOR DE UM PRÉMIO.
    Em soma o colonialismo continúa vigente e continuará ,até que paremos de olhar para o norte ,como se de verdade tivesse que ser o nosso norte.
    Vamos crescer,estou me lixando para o que yanqueelândia acha de um documentário feito no Brasil.

    1. O único beneficio desta indicação é trazer à tona mais uma vez a farsa que foi o golpe contra Dilma e a mentira que é nossa democracia. E também como somos ridículos ao eleger nossos ridículos representantes. No mais, concordo com sua colocação. Na verdade essa dita academia se diverte e lucra com a nossa tragédia.

    2. O documentário DEMOCRACIA EM VERTIGEM é uma narrativa que demonstra que houve um GOLPE no Brasil em 2016. E como em toda narrativa há um autor, uma visão. É fundamental assisti-lo. Colocar a questão numa perspectiva colonizador impositivo e colonizado subalterno é desdenhar da inteligência, da sensibilidade, da politização de milhões (?) de pessoas que já viram o filme e de alguma forma aprenderam com sua linguagem direta que coloca os fatos numa perspectiva muito interessante. O documentário foi indicado pelas suas qualidades. Uma posição que julgo infantil, e que nesse caso a direita está usando e abusando, é o famoso ” não vi e não gostei”………Desculpe, não há debate possível dentro desta perspectiva. Do ponto de vista político a INDICAÇÃO é MUITO benéfica nesse tempos de memória curta…..FOI GOLPE SIM…A PRESIDENTA DILMA FOI DEPOSTA POR UM GOLPE MIDIÁTICO-PARLAMENTAR-JURÍDICO…. E isso é demonstrado de forma clara, cabal no FILME…. , E que esse GOLPE faz parte de uma nova forma de impor governantes com um verniz de legalidade….Alguns exemplos…Paraguai, Honduras, Bolívia.

    3. Também acho ruim este tema ser pautado pelos que organizaram e financiaram o golpe aqui no Brasil.
      Porém, o que se abstrai de positivo é a retirada da obra debaixo do tapete que os canalhas que governam o país o colocaram.
      O sonho deles era ver “A lei vale para todos” ser acolhida como representação da verdade.
      Por vias tortas, a verdade foi mais forte e ver as trapaças, a ignorância e o fascismo deles na maior tela de projeção do planeta, não tem preço!

    1. Um palhação de MERDA compondo o PICADEIRO dos palhaços no “Congresso”.
      CANALHAS DESCARADOS.
      Puta que os pariu !

  2. Brito, qual a diferença entre o discurso do bozo, “o que essa japonesa faz aqui no Brasil” e um discurso extremista branco que pede que os negros saiam do país? Não é possível que esse crime de ódio fique por isso mesmo. Foi o pior crime de responsabilidade que o bolsonaro já cometeu. Isso é caso de impeachment. Não é possível aceitar isso calado.

  3. Segundo o Villa da Jovem Pan foi tudo armado uma vez que diante da autorização de entrada e filmagem pela Casa de Leis, nas cenas do deputados e senadores falando sobre o impedimento da Dilma eles sabiam da filmagem e então viraram atores .A indicação ou possível prêmio fará do documentario o mesmo que o filme do Lula bj ou seja :quem se lembra,afinal tudo isso não fará diferença em nada no Brasil ou seja irrelevante.ESSE VILLA nao deve saber a diferença entre um gato e dois gatos.Funciona de brinquedinho de estimação de midias porque precisa comer e pagar as contas e nada idade que de está e a Previdencia tbm dando pulos ,o cara vai falar o que mandarem ele falar. As pessoas não aprendem ..

  4. Texto magnifico do mestre Nilson Lage. È tudo que eu queria dizer sobre o que é a verdadeira isenção

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *