A xepa

Vinícius Torres Freire, na Folha, em ótimo artigo, tenta explicar, se é que isso é possível, a relação entre a confusão econômica e a confusão política que se vive hoje no país e que tem levado este blog a concentrar-se mais na economia do que nas “tretas” políticas, que pouco ou nada significarão diante do túnel escuro em que estamos mergulhando.

O Brasil virou xepa, escreveu-se aqui, e é, curiosamente, a mesma imagem que vem ao texto de Freire, a da hora da xepa de fim das feiras livres, onde quem grita mais – e com oferta “melhor”, dane-se a qualidade – é quem leva o que ainda sobra das barracas que se desmontam.

Para o povão, que assiste à algazarra, sobra, a inflação e, para muitos, a catação dos restos que ficam ao chão.

Esculacho de fim de feira do governo
detona 2022, o ano que nem começou

Vinícius Torres Freire, na Folha

A discussão do Auxílio Brasil, do teto de gastos e dos precatórios parece gritaria de xepa de fim de feira (desculpas aos feirantes). Para liquidar o assunto e conseguir uma baciada de emendas e de gambiarras fiscais, a cada momento se grita solução diferente. Ora é a emenda constitucional que revisa o teto de gastos, ora se propõe a prorrogação do auxílio emergencial, ora se vende o peixe de financiar a coisa com um crédito extraordinário ou com um decreto de calamidade.

Nos mercados financeiros, o futuro da economia evapora. Para piorar, o Banco Central não convenceu os donos do dinheiro de que pode segurar o estouro da boiada de inflação, juros e expectativas em geral.

Como se fosse possível, o desgoverno é ainda maior. O comando está nas mãos de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, e Ciro Nogueira (PP-PI), ministro da Casa Civil, a diarquia que ora funciona como regência provisória da esculhambação final de Jair Bolsonaro.

Paulo Guedes e seus “técnicos” vez e outra dão um palpite. Na zorra desta quinta-feira, disseram que não aceitam pagar o auxílio com decreto de calamidade. Já haviam dito que não queriam pagar a conta com um crédito extraordinário (um gasto para despesas extraordinárias, óbvio, imprevistas, o que não é o caso da miséria aumentada pela epidemia). Pode dar rolo legal. Mas aqueles “técnicos” que não queriam a mudança do teto foram atropelados e pediram demissão. De quebra, ainda foram avacalhados por Guedes por terem saído. Muito “técnico”.

Esse é o governo que mandou uma reforma ruim do Imposto de Renda para o Congresso, onde ficou mais confusa (com aplauso de Guedes) e que levaria o governo geral a perder quase uns R$ 40 bilhões de arrecadação. Alguns “técnicos” de Guedes disseram “tudo bem”, pois o governo estaria “devolvendo recursos à sociedade”.

Está nada. O governo está com um déficit de R$ 148 bilhões nos últimos 12 meses. Não paga nem toda a despesa corrente, menos ainda a conta de juros, que está em mais de R$ 520 bilhões por ano e subindo, conta que se empilha na dívida. Em vez de arrecadar imposto, o governo acha bom tomar mais dinheiro emprestado, a juros crescentes, em parte por causa do próprio governo. É um esculacho geral.

A gritaria sobre o auxílio, Brasil ou Emergencial, está ainda maior porque o governismo teme que seja derrotada a emenda constitucional que revisa o teto de gastos de modo casuístico, improvisado e incompetente.

A zorra fura-teto levou o Banco Central a elevar a taxa de juros em 1,5 ponto percentual, já uma paulada. O BC chamou essa algazarra de “questionamentos em relação ao arcabouço fiscal”. Se o “questionamento” se tornar chute no pau do teto, como querem Bolsonaro, Lira, Ciro e Guedes, o BC vai acelerar de novo o ritmo de aumento de juros, afora no caso de milagre.

Na praça do mercado, os juros já galoparam. Mesmo que a solução para o auxílio não seja a pior, as taxas ficarão acima de onde estavam faz 15 dias. Quanto mais durar a bagunça, pior. Se a solução for o fura-teto permanente, ainda pior. O dólar na casa dos R$ 5,60 ajuda a manter a fervura da inflação.

Por via das dúvidas e dos custos, muito investimento das empresas vai para a gaveta. Estagnação já é um prognóstico otimista para 2022.​

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