O relativo encolhimento do fanatismo autoritário – embora não de sua estupidez – retrata que mais a desmoralização pessoal de Jair Bolsonaro com sua imobilidade e seu deboche para com os efeitos mortais da pandemia do novo coronavírus do que o refluxo de uma visão selvagem da vida em sociedade.
Apesar de tudo o que fazem seus grupos de fanáticos e dos urros selvagens com que lhes estimula o chefe, estamos mais longe de um golpe do que há dois meses atrás, parece fora de dúvida.
Ninguém se iluda, porém, que este perigo está afastado.
Bolsonaro, é verdade que de modo gutural e grotesco, exprime uma corrente de pensamento obscurantista, que recria, sob o conceito de “Guerra Híbrida”, uma nova versão da Guerra Fria dos anos 50 e 60, que vai, progressivamente, superpondo as ideia de militar à de polícia interna, tão cruamente exposta por Donald Trump há dias que obrigou o chefe do Estado Maior das Forças Armadas dos EUA, Mark Milley, a pedir desculpas por participar da marcha presidencial contra manifestantes antirracistas.
Aqui, o discurso anti-crime fez, nos últimos 40 anos, a razão para a exacerbação do papel policial do Estado e, em consequência, na transformação da repressão policial um tema caríssimo à direita no processo político, diante do qual, temerosa da exploração política de uma atitude de contenção das polícias, não só se paralisou como deu seguimento ao empoderamento do aparelho repressivo do Estado, policial e judicial.
As Forças Armadas o perceberam e, num duplo movimento, passaram a investir na preparação das tropas para o exercício do poder de polícia. De um lado – e não por acaso sob o comando do general Augusto Heleno – fomos exercer o papel de polícia no Haiti e, internamente, o mesmo em sucessivas ações tropas militares na segurança pública, culminando com a intervenção federal no Rio de Janeiro, não por acaso comandada pelo general Walter Braga Netto.
É verdade que tivemos outra missão internacional, a do Congo, mas esta muito mais de natureza militar, pois enfrentava um grupo armado, o M-23, que dominava cidades e partes importantes do país. Foi esta que o General Santos Cruz comandou e pouco tinha, na sua época, características policiais.
Este projeto, que tinha em Jair Bolsonaro o seu Cavalo de Troia, acabou sendo prejudicado por sua montaria, grotesca e xucra, que conseguiu dissolver o apoio majoritário que alcançou nas eleições, meteu-se em situações escusas e demonstrou ter um nível de civilidade insuficiente até para ser o presidente de uma republiqueta folclórica.
Perdeu força, mas não morreu e segue ameaçando o avanço civilizatório do Brasil. Com a ajuda, em muitos casos ingênua e em outros infiltrada, dos que acham que atos de violência sem povo não são revolução, mas pretexto para a privação das liberdades públicas.