Jair Bolsonaro diz que espera que a Globo lhe dê, espontaneamente, “direito de resposta” à reportagem que o citou nas investigações do caso de Marielle Franco e Anderson Gomes, para não ter de processar a emissora.
É fora de dúvida que os fatos narrados na reportagem criam suspeita sobre o presidente.
Como é fora de dúvida que são fatos objetivos, até ali sem contestação.
A planilha existe e está no processo. Os depoimentos do porteiro existem e estão no processo e, até a data da reportagem, não havia contestação sobre sua veracidade. A improvisada “perícia” sobre os áudios, feitas não se sabe sobre qual material, só foi pedida no dia seguinte à reportagem.
As gravações são mencionadas, ao dizer-se que os investigados “estavam recuperando” o material.
Igual, foi feito o registro da presença de Bolsonaro na Câmara, estivesse isso consignado ou não no processo.
Juridicamente, a Globo poderá alegar que se limitou a noticiar fatos constantes no processo e que deu, na própria veiculação, direito a Jair Bolsonaro responder, por meio de uma longa fala de seu advogado.
Há base para que um juiz negue a pretensão de direito de resposta alegando estes fatos e talvez seja por isso que Bolsonaro não o pediu na Justiça.
As falhas jornalísticas da reportagem não são o que está na matéria, mas o que não está – e que, por isso, a fragilizou: quando e como os investigadores tinham obtido os registros e áudios da comunicação entre a portaria e a casa para onde o motorista do suposto assassino: foram apreendidos os originais (agora já se sabe que não) ou alguém “deu” espontaneamente uma cópia?
Aliás, é difícil entender a razão de não terem pedido, desde a prisão do tal Ronnie Lessa, os registros de entrada e as comunicações da portaria, até para saber com quem ele se relacionava.
Produtor de TV algum, diante da informação de que existiam áudios, descansaria enquanto não obtivesse uma cópia do “pode deixar ele entrar” dito pelo suposto “Seu Jair”. Seria o ponto mais forte da reportagem, muito mais forte do que o “tem de manter isso aí” que arruinou Michel Temer no caso JBS.
Agora, entretanto, todo este material é inservível judicialmente, porque, depois da “busca e apreensão” feita por Carlos Bolsonaro sob as ordens do pai, todas as provas são suspeitas de contaminação.
Ainda assim, a Globo deveria convidar o presidente para uma entrevista ao vivo, porque o caso é grave demais e há interesse jornalístico em que isso aconteça.
E é uma oportunidade para que se pergunte, afinal, como foi feita a “apreensão” dos arquivos, se ele mandou Sérgio Moro avocar o caso e como foi – como Bolsonaro diz – que o governador Wilson Witzel “armou” este caso.
Os dois são homens públicos e a Globo é uma concessão pública. Portanto, está em jogo o direito público à informação.