“Bomba” não é a democracia, é a estagnação e a informalidade

Duas reportagens –  a primeira, ontem, no El País, e a segunda hoje, em O Globo – mostram o quanto o debate sobre os problema da previdência, no Brasil, está sendo debatido de forma falsa e torpe.

No primeiro texto, fica-se sabendo que perto de 20% da população idosa – 60 anos ou mais – não tem qualquerr possibilidade de cobertura previdenciária, porque não aonseguiu e nem conseguirá cumprir os 15 anos mínimos de contribuição. Falta-lhes qualquer emprego hoje, faltou-lhes emprego com carteira assinada ontem, e continuará lhes faltando amanhã e até o fim da vida.

No segundo, vê-se que já vai chegando perto dos 30 anos a idade em que o brasileiro consegue ter um emprego formal, com contribuição previdenciária, nem contribuir por conta própria.

Entre 2012 e 2018, a parcela de jovens de 18 a 24 anos entre os contribuintes caiu de 36,5% para 28,5%, segundo o iDados. A conta inclui trabalhadores dos setores público e privado e autônomos.

O número de contribuintes da Previdência, em queda, apesar de estar crescendo a força de trabalho do país, não passa de 60% do total das pessoas ocupadas ou em busca de emprego e menos ainda se considerada a população em idade laboral.

A “bomba demográfica” da qual os economistas neoliberais  falam tanto é outra, é a a formada pelo fato de que uma imensa população não-contribuinte acaba caindo nas despesas pela simples razão que, enquanto contribuir depende da eventualidade de um emprego, a idade é uma fatalidade inescapável.

Ainda que a realidade seja uma multidão de jovens trabalhando, do ponto de vista previdenciário, a maioria começa apenas perto dos 30 a existir como “contribuinte”. É evidente que isso não pode funcionar.

Embora a Previdência – e qualquer sistema previdenciário, aliás – dependa de ajustes temporais, a fórmula que a reforma do governo embute não é apenas cruel, é inútil: não formaliza o trabalho, não cria ou amplia receitas previdenciárias desvinculadas do emprego (como a CSLL), não cria diferenciais que permitam estimular a contribuição daqueles que, sem isso, não tem hoje vantagem alguma em recolher e nem procura qualquer forma de equilibrar idade e tempo laboral.

Não pode haver equação viável num país onde todos tenham cobertura previdenciária a partir de certa idade – ainda que se aceitem os 65/62 como o mínimo, com alguma transição razoável – e só metade – ou menos que isso, com um regime de capitalização atirando para baixo o recolhimento de contribuições, hoje já baixando a metade, praticamente, do universo de pessoas a serem atendidas.

O trilhão tão desejado por Paulo Guedes é, pura e simplesmente, dinheiro a ser lançado no sistema financeiro, numa arapuca que pode até funcionar por alguns anos – enquanto o estoque de benefícios a pagar seja perto de zero – mas que será ruinosa – e arruinada – no horizonte de médio e longo prazo, afinal a essência de qualquer sistema de previdência.

O que está sendo feito não é – e já seria intolerável se fosse só isso – uma crueldade com os pobres e uma injustiça com que está no sistema – mas é um desastre atuarial e um crime contra a sociedade.

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6 respostas

  1. É a destruição como solução para a Previdência. O que está sendo feito é simplesmente a entrega de mais um serviço público para ser explorado pelos tubarões do mercado. O que já foi feito com a educação e a saúde, vem sendo feito na área de segurança e agora finalmente na área da Previdência Social. E tudo isso para o delírio de nossas classes médias altas e empresariais, que podem viver tranquilamente sem todos esses serviços públicos. Os outros 95% da população que se virem. Assim se constrói a tal sociedade meritocrática e esse belo quadro do nosso apartheid social. “Que Deus tenha misericórdia dessa nação”, sábias, proféticas, realmente sinceras e inesperadas palavras de nossa estranha Pandora.

    1. Verdade….. é toda uma geração destinada a trabalhos precários, informais e mal remunerados, e no final velhos
      sem aposentadoria…….Lamentável.

  2. Na visão dos verdadeiros mentores do golpe, não se trata de crime contra a sociedade, mas de engenharia social. Simples assim. E, como outro dia me responderam, quando questionei os repetidos acintes contra os desvalidos: “não se faz engenharia social com direitos humanos”. O buraco em que entramos é mais profundo e sombrio do que parece…

  3. A economia a despeito de qualquer teoria, da marxista à ultra-liberal, não é uma ciência exata e muito menos obedece padrões estáticos e singulares.
    Qualquer aluno iniciante dessa disciplina sabe que ela depende de uma dinâmica associada à fatores que passam pela confiança da sociedade em seus país, educação da população, correção das medidas estruturais do Estado para o fomento da criação de riquezas, solidez institucional e uma identidade nacional forte que aponte um futuro comum para todos. Denomina-se a isso macroeconomia.
    Os primeiros economistas destacados tinham formação em Filosofia, como Adam Smith, guru da direita sem rumo, que sempre se serve dele fora do contexto histórico do período em que viveu.
    A defesa da chamada “reforma da previdência” no padrão guedes/milicianos é de tal maneira irresponsável, que dispensa, ou trata de forma subjetiva, todos os preceitos científicos utilizados para mostrar as perspectivas, não só para os futuros aposentados, mas também para o impacto orçamentário futuro. Cálculos atuariais, custo da transição, estratificação correta do custeio e até as dívidas ativas não são de pleno conhecimento dos “excelentíssimos” deputados e creio que, na sua totalidade, até do mafioso paulo guedes.
    Não mostra sequer, ao final de sua defesa, a destinação para os duvidosos trilhões a serem subtraídos da parcela da população mais pobre dessa colônia.
    Mexendo com o futuro de milhões de brasileiros essa reforma como um todo é um absurdo, não só pela sua falta humanidade e objetivo como pela falta de consistência técnica na proposta.
    Uma vergonha somente possível num governo de milicianos psicopatas como o atual.
    #LulaLivre

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