Nilson Lage: por que o Brasil não deu certo?

Não faltou a boa iniciativa privada: o Barão de Mauá tentou, Delmiro Gouveia também, e o Amaral Gurgel… Boas ideias, bons produtos: os compressores da Embraco, a engenharia de infraestrutura da Oldebrecht, os aviões da Embraer… Literatos e pensadores: Machado, Mário de Andrade, Celso Furtado, Anísio Teixeira. Humanistas, de Cândido Rondon a Darcy Ribeiro. Tecnólogos, de Santos Dumont e Álvaro Alberto ao infortunado Othon Pinheiro. Iniciativas de governo: a siderurgia, o petróleo, a pesquisa agrícola, a indústria de defesa; os institutos científicos, as universidades, o ensino técnico. O melhor projeto social: educação e saúde prometidas a todos.

Por que não emplacamos?

Do pau-brasil à cana-de-açúcar o algodão, o café; agora, a soja e o milho, o ferro e o óleo cru. Por que não se diversifica a pauta de exportações, amplia-se a produção local de bens com valor agregado, desenvolve-se tecnologia própria de sementes e processos industriais, rasgam-se ferrovias, navega-se por todos os oceanos, parte-se para a almejada integração soberana e pacífica com os outros povos? Por que suportar a eterna lenga-lenga de bacharéis arrogantes, políticos safados, mídia mentirosa e salvadores da pátria? Por que é tão grande a cacetada que nos pespegam a cada vez que levantamos a cabeça?

As primeiras tentativas para justificar tal coisa fundavam-se no racismo: seria devido à fusão promíscua de portugueses, índios e negros. No entanto, os imigrantes que acorreram de todo o mundo (e que recebemos da melhor maneira possível) vão até certo ponto, e param também. Esbarram em dificuldades incompreensíveis, abrem falência ou vendem as empresas. Apaixonam-se pelo país: registram seus relatos, ajudam como podem, acomodam-se ou vão embora. Um escreveu aqui a História da Literatura Universal, outro se ufanava do Brasil (coitado, suicidou-se), alguns foram obás de candomblé. Passaram.

Houve quem propusesse alguma coisa ligada à geografia, aos trópicos. Mas, aí, é covardia; temos os melhores climas, as melhores terras, grandes rios, reservas de minérios e água subterrânea. Ninguém duvida da excelência do nosso povo, às vezes triste, às vezes animado, quase sempre esperto, criativo e pronto até demais a confiar no que lhe dizem.

Creio que o que acontece com o Brasil é, em parte, sua novidade.

O mundo não está pronto para aceitar um país em que as etnias e as crenças estão de tal maneira misturadas que o preconceito vai decerto magoar, ferir, doer em algum parente ou amigo próximo, onde formalidades como casamento e senhorio jamais deixaram de ser enfeites da elite, a nudez sem malícia é ancestral,,as transas divergentes disfarçam-se discretamente (não é da conta deles) e a violência, de tão sofrida, grande embora no varejo , rejeita-se no atacado e não se exporta.

O mundo prefere que as pessoas se odeiem declaradamente, que os pudores (embora não as mamas) sejam expostos fora dos armários e a violência aceita como imposição da natureza e inevitável razão de Estado. Sendo o homem inimigo do homem e a sociedade fiscalizando alcovas, acham, tudo estará bem – isto é, mal, como deve ser.

Outra razão é o tempo-espaço: o Brasil chegou para o banquete na hora da sobremesa, quando os comensais mais antigos já estavam aos tapas. Veio, grande e bobo, pela mão de um império que o domou e guarda as rédeas. E, por desgraça, fica perto do centro de todas as fúrias e defeitos da Europa redivivos nos Estados Unidos.

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13 respostas

    1. O dano causado pelo latifúndio é tão grande que chego a ficar na dúvida se não seria mais negócio importar soja, milho, etc.
      O dinheiro que se dá a essa máfia seria aplicado na agricultura familiar e no desenvolvimento de uma indústria de tecnologia de ponta visando inclusive o mercado externo. E hoje sua bancada tem poder para inviabilizar qualquer governo

  1. no Brasil sempre há uma agenda subterrânea sendo desenvolvida no inconsciente coletivo… depois do sucesso do Governo Lula as pessoas finalmente podiam comprar mais, no entanto isso não aplacou a sede e ainda despertou outras iras menos óbvias… não se resolvem os problemas, trocam-se por novos

  2. Mais um excelente, verdadeiro e triste texto do professor Nilson Lage. Minha pergunta é: Em algum tempo no futuro daremos certo?

  3. Acho que o Brasil deu certo. Talvez seja o único país do mundo que deu certo. Prova disso é o auê que tá rolando por aí nesta eleição. Nem sequer uma mídia monopolista vociferante consegue mais convencer a maioria a voltar para a senzala. Nem golpe de estado decente conseguem mais dar neste país. O Brasil deu certo, sim.

  4. Contam que Dostoievski disse “que em algum lugar no mundo, acho que no Brasil, existe um homem feliz”. O Brasil está em vias de se tornar a maior potência mundial. A consciência, só recentemente adquirida, de que somos o único país do mundo que possui em seu próprio intestino um bolo fecal comprometido com interesses externos é somente o que basta para a cagada final.

  5. Endosso integralmente as palavras do Professor Nílson Lage: o Brasil não deu certo; não é nem um arremedo do que poderia ser!
    Nossa natureza é pródiga, nosso território é generoso; “nesta terra, em se plantando, tudo dá!” disse Pero Vaz de Caminha nas primícias do descobrimento deste privilegiado país. Entretanto, entretanto… Isso nos leva a invocar a mordaz piada que conta que “Deus, quando deu por terminada a obra de criação do planeta Terra, teve observada por um de seus anjos-assistentes: “Mas Senhor, o Senhor não está sendo muito generoso com o Brasil, dando a ele um invejável território, uma terra fértil e sem abalos sísmicos como em outras regiões?”, ao que Deus respondeu: “É… mas você vai ver o povinho que eu vou pôr lá!”
    ————

    1. Moacyr, acho que deus respondeu: “É…mas você vai ver a classe dominante que eu vou pôr lá!”

    2. Alguns coxinhas idiotas ainda não perceberam que tal anedota perdeu validade depois do governo do povinho. Mudou o final: “você vai ver a elitizinha…”

  6. Não é o mundo que não está pronto para aceitar etnias e crenças misturadas. A não aceitação está em casa. Brasileiros provocando um verdadeiro genocídio contra índios e pretos e você vem me dizer que os de fora não nos aceitam? Talvez seja por isso que estamos como estamos. O brasileiro não se assume.

    1. O brasileiro ainda está em formação. Quem é racista e egoísta é a população coxinha. Tem muita gente boa por aqui.

  7. É relativamente fácil entender porque o Brasil não deu certo. A Coroa Portuguesa, ao receber a notícia do descobrimento e do tamanho das terras enviou ao Brasil três grupos de pessoas: os militares, pessoas comuns e a classe dominante. Os militares, inicialmente, vieram para proteger as terras contra invasores, mas acabaram implantando um outro país, só deles, dentro do Brasil. Não satisfeitos, passaram a interferir na administração do país Brasil de vez em quando, com seus golpes e contragolpes. As pessoas comuns vieram para trabalhar e, se possível, enriquecer e retornar ao continente europeu, mas não podiam interferir na cadeia de comando. A classe dominante, representada pelos detentores ou prepostos das Capitanias Hereditárias, vieram para comandar a exploração das terras, ocupar os melhores cargos da administração e manter certa distância da população. E os negros? Esse quarto grupo foi trazido da África, sob a condição de escravo, e colocado à disposição da classe dominante para executar o trabalho pesado. Então, o grosso da população brasileira que é formada pelas pessoas comuns, negros e não negros, sabem e sempre souberam que nada aqui lhes pertence. Os militares e a classe dominante não permitem. Como pode dar certo um país que impede a ascensão social e segrega a grande maioria de sua população?

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