O catastrofismo e a negação do jornalismo

No final de semana, ainda premido pelos problemas de ordem familiar que já partilhei com os leitores, deixei de comentar aqui a coluna da Ombudswoman da Folha, Suzana Singer, com quem já travei respeitosamente algumas polêmicas – e de quem sempre registrei a sensibilidade e a boa-fé, nos limites de sua função – registrando a parcialidade da Folha no noticiário sobre os resultados da pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar, a PNAD.

Devemos isso, aliás, a um companheiro de blogosfera, o Edu Guimarães, que – apesar de não ser jornalista, ou talvez por isso mesmo – brigou pela divulgação dos dados que a imprensa sonegara.

Hoje, o jornalista Paulo Nogueira, do Diário do Centro do Mundo, retoma o tema e faz um doloroso raio-X do que vem acontecendo com o nosso jornalismo. Dele, só em um ponto discordo: quando diz que, nos jornais, “as ideias são exclusividade dos donos” e que “os jornalistas não podem pensar diferente deles” ou que podem, mas não podem escrever isso.

Paulo, é triste dizer que, para uma parcela cada vez maior, eles ainda podem, mas já não conseguem, tamanha a mediocridade que a era do pensamento único produziu na cabeça dos profissionais.

O que explica a sinceridade desconcertante da ombudsman da Folha?

Paulo Nogueira

O jornalismo chapa branca, hoje, se pratica no interior das grandes empresas de jornalismo. Já escrevi sobre isso. Os jornalistas, lá, estão numa gaiola: só podem escrever o que os patrões querem que eles escrevam.

Isso quer dizer o seguinte: eles defendem os interesses particulares das empresas para as quais trabalham. Eles são, portanto, a voz do 1%.

Nunca foi tão claro isso. Compete aos jornalistas produzir, mecanicamente, textos, fotos, legendas, primeiras páginas e demais itens que compõem uma publicação.  Mas não pensar. Não ter ideias.

As ideias são exclusividade dos donos. Os jornalistas não podem pensar diferente deles. Ou melhor: podem. Mas não podem transformar isso em reportagens, artigos, entrevistas etc.

Não é um trabalho exatamente excitante. É mais parecido com propaganda do que com jornalismo propriamente: você vende ao seu público, como se fosse sabonete, os interesses de um pequeno grupo que fez o Brasil ser o que é, a terra da desigualdade.

Quanto isso pode durar?

É verdade que a internet abre aos jornalistas uma nova possibilidade – defender coisas que vão além dos interesses do 1%.

Mas para quem está engaiolado nas corporações o prolongamento de uma situação em que pensar é proibido pode tornar a situação mais e mais exasperante.

Entendo que isso possa explicar, ao menos em parte, o desabafo franco – e talvez suicida – da ombudsman da Folha, Suzana Singer.

Ao comentar a cobertura de uma pesquisa sobre a situação dos brasileiros, ela se referiu ao tradicional “catastrofismo” da Folha.

Os destaques dados pela Folha foram, todos eles, negativos. As más notícias estavam longe de representar o conjunto. Isso significou que foi oferecido ao leitor um quadro distorcido.

O desafio de um editor é ajudar o leitor a entender o mundo. Uma das armas, para isso, é buscar uma visão de floresta sobre as coisas, e não se limitar a uma árvore ou outra.

A Folha fez o oposto. Se conheço a vida numa redação, os editores da reportagem sobre a pesquisa acharam que, pinçando as estatísticas ruins, estavam agradando a seus patrões.

O acúmulo deste tipo de expediente pode ter esgotado a paciência da ombudsman. Catastrofismo é uma acusação séria. É desvio de caráter numa publicação. Não é um problema ocasional. É um drama no dia a dia do jornal e, sobretudo, dos seus leitores.

Outro episódio que tinha me chamado a atenção, na mesma linha, foi uma surpreendente crítica de Ricardo Noblat no site do Globo a Joaquim Barbosa. Sempre tão obediente à linha de pensamento dos Marinhos, ali Noblat foi para o lado oposto.

Cansaço? Exaustão? Frustração? Alguma preocupação com a posteridade? Problemas de consciência?

Situações extremas não podem perdurar por muito tempo. O jornalismo chapa branca que se faz hoje nas redações brasileiras – um ofício em que você faz pouco mais que beijar as mãos dos donos – é a negação do real jornalismo.

A beleza do jornalismo é dar voz a quem não tem. O jornalismo brasileiro dá voz a quem tem o monopólio da voz.

Uma hora a gaiola fica incômoda demais, por maiores que sejam os salários.

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19 respostas

  1. BAH! O Lasier Martins se filiou ao PDT e vai concorrer ao SENADO?
    Brizola se revira no túmulo.
    só falta agora um dos filhos do Roberto Marinho se filiar ao PDT e se candidatar a presidente!

  2. É, os manipulados, que fomos todos nós, mais ainda nos tempos negros da ditadura, vamos desaparecer, devagar é bem verdade, mas vamos desaparecer. A blogosfera (indomável, incensurável) já começou a exterminar os “donos da verdade”.

  3. Jorge Portugal, a denuncia de espionagem foi denunciada pelo Snodem, a globo pegou carona e divulga como ela tivesse feito a denuncia.

  4. Jorge Portugal, esse é exatamente o pensamento único que a mídia quer nos impor. Quem denunciou foi o jornalista Snoden (desculpa se escrevi o nome do cara errado) e a globo só resolveu falar sobre isso para ganhar público.

    1. Independente de quem foi! Cadê a capacidade do governo para descobrir tal falcatruas? Elas não existem?

      1. do mesmo jeito foi uma “fraqueza” do governo americano de não ter percebido que o Snoden iria abrir o bico. também não tiveram capacidade de manter a coisa em sigilo. levaram duas: Snoden e Manning. nesse mundo a coisa não é tão simples como vc tá imaginando. e pode ter certeza que a Globo não foi a salvadora da pátria. muito pelo contrario. aliás, se não fosse na Globo (que faz seu merchandising para o povo brasileiro) o governo teria acesso por outros meios de comunicação como o “The Guardian”, a verdadeira fonte. ela soltou pra desestabilizar (como vem tentando fazer dioturnamente) o governo, enfraquecer a soberania do país. ainda foram corroborados pelos colunistas entreguistas parceiros de jornada. a campanha já começou e o escolhido deles está na rabeira. qualquer ajuda que eles puderem dar é válida.

  5. Petróleo só some quando vem um grande consumidor de petróleo, como a China, pra garantir suas reservas seguras além do Oriente Médio. Se ele for produzido ao ritmo que interessa ao país (que utopia isso de interesse nacional!) entrando pro resto da cadeia produtiva, não vai evaporar enquanto “espera”. Não se esqueça de dizer aos seus leitores o que significa hoje ramos como a petroquímica, que fica fora desse “negócio da China”.

  6. em tese Florestam Fernandes afirmaria…”o ponto de vista é a vista do ponto”… vejo e entendo q o nobre deputado federal se vê como parte do problema, é um bovino q necessita de assistência médica, no caso… uma assistência veterinária…no caso sem problema está reivindicando o seu direito… os dos animais justo…muito justo o bem estar animal…

  7. NÃO É QUE OS IDEAIS “SONHÁTICOS” CAÍRAM NOS BRAÇOS DO PRAGMATISMO?

    A manifestação do seu vice-presidente é evidência sobre a avaliação que o PSB faz da densidade política e da ideológica da sua nova e ilustre afiliada, que comporá chapa com o seu presidente. O partido não estava, também, ao filiá-la inocente quanto ao seu histórico pelos partidos por onde ela militou, prenúncio de obstáculos vindouros.

    É claro que outras dificuldades há para os recém-casados no âmbito político. Jânio de Freitas, há pouco, levantou algumas, decorrentes do perfil de ambos.

    De outro lado, o Itaú, por Neca Setúbal, defende a filiação de Marina ao PSB. É logico que a defende também enquanto instituição financeira (de mira na alavancagem dos seus resultados, via elevação das taxas de juros). E não está sozinho no grupo dos endinheirados nessa defesa.

    É transparente que o staff político e o econômico que viabilizaram a formação da nova chapa eleitoral sabem que essa junção não resultará na soma aritmética das preferências de votos dos eleitores por cada um dos candidatos e que, também, há muitas arestas por aparar, e que outras surgirão.

    Optaram por sacramentá-la, ainda assim, porque enxergam que a chapa poderá crescer. Dentre outros motivos, porque o socialismo é uma bandeira atraente, nesses tempos bicudos para a o neoliberalismo. O verde também, mesmo sob suspeitas de que a laranja ganhou peso. Muito mesmo.

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