O novo nome da traição: ‘realidade não-estática’

A menos que, como a jabuticaba, seja um elemento do ecossistema brasileiro, não existe em lugar algum do mundo uma situação em que quase um quarto dos deputados troque de partido faltando apenas seis meses para a eleição. Percorra o planisfério, leitor; rode o globo terrestre e não encontrará nenhum país onde haja tamanha epifania política, onde tantos parlamentares assim, em menos de um mês, “descobrem” que estavam no partido errado e que suas ideias coincidem com a de outro.

Evidente que não foram ideias – e nem mesmo votos, porque as migrações não se deram para apoiar favoritos – mas dinheiro, seja o do fartíssimo Fundo Eleitoral, seja o oculto, do Orçamento secreto (outra jabuticadíssima brasilidade) e o de favores menos ainda publicáveis.

Há exceções, verdade, mas são pouquíssimas e apenas confirmam a regra. Tantos são pouquíssimos, de caber nos dedos de uma mão, os que tiveram votações expressivas, alcançando o quociente eleitoral e que podem alegar não terem sido conduzidos ao mandato pelos votos dados a seus companheiros ou mesmo à própria legenda.

É tão evidente a deslealdade ao manifesto desejo do eleitor que o “arranjo” que se criou para burlá-lo e trocar de partido ficou sendo a “janela” , não a porta partidária. Por ela, pula-se e vai-se para a casa do vizinho, às vezes do lado oposto da rua.

Ninguém, é claro, é obrigado a permanecer eternamente em um partido, mas se por ele se elegeu, há ritos e antecedências a serem respeitados.

A prática, agora, alastrou-se também para as candidaturas presidenciais.

Eduardo Leite disputou e perdeu as prévias presidenciais contra João Dória e, desavergonhadamente, circula oferecendo-se de candidato – ou vice.

Sergio Moro deitou-se com o Podemos, ganhou salário, passagens, hotéis e assessores para, a 24 horas do prazo fatal, bandear-se para o União Brasil – que não o quer – atraído pelo talão de cheques do big boss Luciano Bivar.

São atitudes, porém, tratadas com naturalidade e seus autores seguem a proclamar-se varões da República, dignos de pedir aos brasileiros que confiem que seus compromissos – de resto vagos – serão honrados.

Na novilíngua da política brasileira, a traição – retiro a expressão do lamentoso Merval Pereira – virou “a realidade não é estática”.

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