O sonho da “arma própria” vai virar pesadelo?

O governo Bolsonaro, enfim, começa hoje, e – como é comum em novos relacionamentos – o primeiro gesto se carrega de simbolismos.

O processo de eximir o Estado da vida social se inicia com a terceirização da segurança, com o decreto que amplia a facilidade para a compra de armas, em si uma peça que, tivéssemos um Judiciário, enfrentaria uma guerra nos tribunais, a começar pela inútil e questionabilíssima validade para “apenas” 80% dos brasileiros, pelo corte – ao menos anunciado – de que ele só valerá em municípios com 10 homicídios por 100 mil habitantes.

É absolutamente previsível que a “liberação” das armas – ainda mais acompanhada, como se anuncia, de uma campanha publicitária de “esclarecimento” – vá provocar efeito sobre a parcela da população que está mais propensa a iludir-se com a sensação de segurança – em geral, falsa – de ter um revólver na prateleira do armário.

Impossibilitado de acenar com antigos valores de satisfação para a pequena classe média, como o velho “sonho da casa própria”, a sensação de segurança, esperam, vá ser provida pelo “sonho da arma própria”, a partir de R$ 4 mil.

Uma rápida consulta às estatísticas mostra que o número de assaltos a residências e estabelecimentos comerciais, onde a posse de uma arma – mesmo nas hipóteses mais favoráveis – é avassaladoramente menor que a do roubo a transeuntes. No Rio, em 2014, foram 4 mil, contra 40 mil roubos a transeuntes. Idem para o roubo de veículos (14 mil) e em coletivos.

Onde, em tese, nada mudaria sem a autorização de porte.

Trata-se apenas de contar os dias até a primeira tragédia provocada pelas armas adquiridas com a permissão do decreto bolsonariano.

É triste e até cruel analisar não analisar os resultados que isso trará em perdas de vidas humanas, mas uma medida que tem, essencialmente, caráter político deve ser olhada pelos resultados políticos que terá.

Muito maior que a exibição da “arminha” com os dedos.

Mas bem pequeno, afinal, pelo tempo de distração que isso irá gerar para facilitar outras políticas, estas sim altamente lucrativas para a turma do dinheiro.

Afinal, como resume o neoliberalíssimo Hélio Schwartsman, na Folha:

A melhor chance de o governo Bolsonaro dar certo é o presidente escolher duas ou três áreas menos estratégicas para transformar num parque de diversões ideológico, dando assim satisfações à sua base —neopopulistas como ele nunca descem do palanque—, e conformar-se com o papel da rainha da Inglaterra na economia, contendo seus instintos corporativo-estatistas para não atrapalhar muito.

Liberdades e vidas, afinal, são nada perto do dinheiro.

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15 respostas

  1. O Mi”n”TO se esquece de dizer que foi assaltado e perdeu, além da moto, sua pistola Glock. Se um militar treinado perde a arma em um assalto, o que dizer dos pobres otários?

    1. Belo artigo e uma advertência sobre a realidade.
      Tem sido um esforço quase cotidiano o de alertar as pessoas comuns ,sobre a diferença de interesses entre a mídia que os “informa” e os seus própios interesses.
      O óbvio nem sempre é perceptível pela massa, questionar é um exercício essencial do indivíduo,pena que seja tão pouco comúm.

  2. Não acredito que essa agenda “popular” estúpida vá enganar mais do que por um curtíssimo prazo. A lista de maldades é tão grande e grotesca, que vai cair em cheio na cabeça dos alienados.

  3. Tudo indica deve ser para os imbecis postarem fotos com armas de fogo em rede sociais….cortarei todos que postarem essa Imbecilidade na minha lista de contatos

  4. Na realidade, dizer que é uma promessa de campanha, não esconde a prioridade máxima para o Governo Bolsonaro, que representa a implantação da medida, por cima de todas as opiniões majoritárias e contrárias à sua adoção. Trata-se, na realidade, de pagar, isso sim uma dívida de campanha, pelo apoio recebido da bancada da bala e da indústria de armamentos a que servem. Tudo o mais não interessa. É preciso vender armas para ressarcir as despesas com o apoio na eleição.

  5. Decretos podem ser revogados. E esse ‘daí’ não vai vingar por muito tempo, simplesmente porque o governo do mito não vai durar.

  6. A “ideia” do porte restrito é uma sacanagem dos delinquentes palacianos.
    Todos sabem que quem possuir uma arma ,NÃO A DEIXARÁ REPOSANDO EM CASA,estaremos sujeitos a mortes demenciais por motivos fúteis.
    Eles esperam que após algumas mortes ,não importa se é a sua ,a minha,a do vizinho por uma simples briga de tránsito ,a massa idiota com novo brinquedo ,resolva ser mais “racional”.
    SEMPRE PENSEI QUE SERÍA A PRÓPIA MILICADA A SE OPÔR A ESSA LIBERAÇÃO ,VISTO E CONSIDERANDO QUE SEU “PODER” SE BASEIA EXCLUSIVAMENTE NO PODER DAS ARMAS,NADA MAIS DO QUE ISSO.
    Primeiro serão as pistolas e revólveres,depois todo estará liberado, até os “terroristas” de esquerda a quem eles tanto temem poderão vir a estar armados legalmente !!! ,e aí acaba a festa dos traidores.
    Chega a ser inqualificável um ato desses.
    ALGUÉM TERÁ QUE PAGAR POR ESSE CRIME.

  7. É o “programa social” do bozo: “Minha Arma, Minha Vida”, literalmente.
    A porta do inferno está sendo aberta.
    Tudo de bom para voce e muita Saúde, Fernando Brito.
    Estamos com voce!

  8. Fico com a conclusão do texto acima, fazendo alusão ao resumo de Hélio Schwartsman…As marionetes se excitam…rsss

  9. Ufa… Pelo menos o momento é bom, pq o clima é pacifico…
    Pensou se fosse outra em época, uma em que a população estive “ideologicamente” dividida, com manifestações de ódio contra grupos minoritarios…? Podia ser uma tragédia.

  10. Brito, que bom que está se recuperando!!! Então, mais uma de minhas intuições recentes: será possível que este decreto sobre o porte de armas não esconde uma realidade mais perversa e assustadora, ainda??? Explico: a partir da liberação, as pessoas passarão a achar “normal” tê-las, com sua utilização haverá um condicionamento para banalização dos crimes que, todos sabemos, infelizmente ocorrerão, e a mídia sensacionalista irá valorizar (claro, defendendo o projeto “armamentista”…). Com isto, a ideia de montar uma base dos States aqui, utilizando armamentos produzidos aqui (desde as armas de defesa pessoal bem como as de grande porte, tudo “made in Brazil”; a construção de aeronaves e outros veículos militares “made in Embraer” com minérios daqui mesmo – aqui entra a mineração X áreas demarcadas). Além disto, o uso das reservas minerais de petróleo (abastecimento de todos os veículos e utilização nas futuras fábricas de armamentos que serão instaladas). Enfim, nos transformaremos num imenso Israel, porém com matéria-prima farta e de graça aos “amigos”, às custas da pobreza e sofrimento de nosso povo; tudo “em nome de Deus e da Pátria” e estrategicamente “dominado” e “dominando” a América do Sul… E evidente, tudo de acordo e tutela das forças armadas e do STF… Abração.

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