Os objetivos dos ataques russos e franceses na Síria

siriaisw

Conversei hoje com um estudioso de estratégia militar sobre o que esperar dos acontecimentos na Síria nos próximos dias, além da óbvia escalada dos ataques aéreos russos e franceses.

Ele pediu que eu visse o mapa elaborado ontem pelo Instituto para o Estudo da Guerra, de Washington, que reproduzo acima e onde as áreas sob controle do regime de Bashar Al-Assad.

Pontuo o que ouvi.

A Russia atacará Raqqa, a capital do Exército Islâmico na Síria, essencialmente como forma de coordenar-se aos ataques franceses e consolidar, militarmente, a aliança entre os dois países. O vetor de ataque, lá, serão mísseis de cruzeiro, lançados de navios ou de bombardeiros.

O objetivo tático, porém, é completar o controle da cidade de Aleppo, segunda maior do país e criar uma área de segurança em torno da Base Aérea de Kweires, a segunda mais importante do país e controlada pelo Exército Islâmico por quase dois anos.

Garantida a segurança das operações, ali passará a ser a base de ataques de aviações leve – os aviões do governo sírio e os helicópteros russos – sobre Raqqa e para efetuar, se não houver acordo político, a junção com os curdos.

Os avanços do exército sírio estão sendo meticulosamente dirigidos pelos russos na formação de “pinças”, em lugar de lutar pela ocupação de grandes áreas – em geral desérticas e pouco habitadas – com destinos bem definidos. Os russos trabalham para manter as forças de Assad concentradas para serem eficientes.

O “cotovelo” da coluna que avançou até Aleppo pela retaguarda da cidade mostra a pretensão, anterior aos ataques franceses a Raqqa, de preparar um avanço sobre a “capital” do Isis.

Não se oporá grande resistência ao recuo do Isis para o Iraque, por falta de capacidade de ataque por helicópteros a colunas de veiculos leves. Além disso, o Exército Islâmico no Iraque é “problema” dos Estados Unidos, que nominalmente controlam o país.

Apenas se projeta, para um momento posterior, a extensão da coluna síria que se desloca para Palmira – que ficou famosa pela destruição de relíquias históricas – até Deir Al-Zor, na metade do caminho Iraque-Síria e,  a partir daí, para Al-Bukamal, na fronteira dos dois países.

Segundo ele, os russos não priorizam o controle nominal de grandes áreas de território, mas de “corredores”  usados pelo Isis e das cidades por eles controladas. A ideia é a de que a guerra no deserto é de movimento e de praças fortes de onde sejam controlados.

Mais ou menos como já era há milênios atrás.

Com a diferença de que acrescentam a vantagem de ter “boots on the ground”, expressão militar que reforça a importância de ter forças terrestres, o que será um problema imenso para qualquer outro dos atores desta guerra.

PS. Agrego  que não se conversou sobre as questões geopolíticas, como bem ressaltou o leitor Fábio, com o comentário que me fez agregar ao post esta ressalva. É claro que, também há milênios, a guerra é a extensão da política e é sempre ela seu principal general. Mas como tática militar não é a minha praia, achei interessante ouvir a opinião de quem acompanha o assunto.

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23 respostas

  1. “consolidar, militarmente, a aliança entre os dois países”

    Acorda Brito. O que esta’ acontecendo na Siria e’ uma “proxy war” entre Russia e Iran, de um lado, e Otan/Arabia Saudita/Catar do outro. Esta’ em jogo a passagem de um gasoduto que poderia libertar a Europa da dependencia do gas russo. Essa dependencia e’ a unica coisa que ainda segura os paises europeus a nao se inclinar completamente ‘a nova ordem mundial (que, alias, controla 99% dos meios de divulgaçao) na sua estrategia de demonizaçao e futura aniquilaçao da Russia. “Atentados terroristas” nada mais sao do que armas de manipulaçao da opiniao publica. As mortes infelizmente sao reais, assim como a maquina propagandista que faz a lavagem cerebral daqueles que acreditam em tudo que vem da Reuters, Associated Press, Hollywood, etc..

    1. Talvez professores de geopolítica do Petróleo e do Gas e de geopolítica da energia possam esclarecer.

      Professores da UFRJ recentemente deram palestras ao AEPET.

      Talvez seja interessante consultar o professor Rafael Padula por favor exemplo.

    2. Concordo totalmente com o Fabio, essa guerra é pela passagem do gás vindo do Catar p/ Europa e dessa forma quebrar economicamente a Russia forçando a saída do Putin. É um jogo de Xadrez.

      1. Se for um jogo de xadrês, esqueceram que estão jogando com os melhores enxadristas do mundo: os russos

    3. O gasoduto é uma das razões, mas não é tudo. O objetivo dos EUA, já confesso de antes de 2011, é dividir a Síria em vários pequenos territórios teocráticos e ignorantes. A Síria é laica por sua Constituição. Isto impulsionou seu progresso e modernização. Ultimamente a Síria vinha se impondo culturalmente sobre todo o mundo arábe, até mesmo exportando novelas e outros programas de televisão. A liderança cultural síria incomodava terrivelmente a Arábia Saudita, que tem medo de que seu povo, que vive na Idade Média, se revolte. Incomodava também Israel, e muito, porque Israel tem toda a sua propaganda baseada em se proclammar o único país moderno e civilizado do Oriente Médio.

  2. Fora de contexto -mas nem tanto- pois se trata da manipulação escrachante da mídia, RBS /filhota da globo no RS/SC, hoje dá “grande destaque” a uma operação mixuruca(comparando com a ZELOTES) da Polícia Civil e da Receita Estadual/RS na descoberta de fraude fiscal no valor de 21 milhões…segundo a Zelotes, 15 milhões foi só a PROPINA que o grupo RBS pagou aos “agentes” do CARF…a sonegação do grupo RBS -segundo a Zelotes- gira por volta de 600 MILHÕES de reais, incluindo aí uma baba de 2,5 milhões para o Ministro limpinho do TCU, o probo das “pedaladas”, Augusto RBS Nardes. Só por ironia, coloquei um comentário no site da Rádio Gaúcha -claro que não publicaram- solicitando a seus “bem informados” âncoras e comentaristas, como : Macedo / Escola / Carolina Bahia / Rajane de Oliveira, para que nos dessem notícias do andamento da OPERAÇÃO ZELOTES.Colaboro assim para desmascarar a cara de pau sem limites desta mídia corrupta e golpista que trata o povo como acéfalo e boçal -alguns até são- e atrasa o desenvolvimento do Brasil e do mundo, com suas mentiras e manipulações. OS MAIS CORRUPTOS PREGANDO ANTI-CORRUPÇÃO!
    http://wp.clicrbs.com.br/casodepolicia/2015/11/19/operacao-policial-combate-fraude-tributaria-no-valor-de-r-20-milhoes-contra-o-estado/?topo=52,1,1,,171,e171

  3. Não acredito na humanidade. Nossa história é feita de guerras, carnificinas sempre justificadas na cabeça dos estrategistas; exploração do humano pelo humano; escravidão (Hobsbawn no Breve Sec.XX diz tudo, com números escandalosos), mortes, mortes e mortes e cada vez mais de inocentes. De novo, é o caso. E na falta de uma ilusão acerca do “humano, demasiado humano”, cada vez mais se torna necessário cultivar as amizades, as únicas relações que nos tornam melhores.
    Sugiro, para “escapar” ao desassossego “a ilha do milharal” https://www.youtube.com/watch?v=ucMwJTwIYt4 (antes que seja excluído do canal), exemplo de dignidade, de esforço para sobreviver contra tudo e todos. Uma das piores dores, senão a maior, deve ser chegar ao final da vida e constatar que ela foi coberta de futilidades, de pequenez, de inconsistências, de vazios. Abraço, FB.

  4. Acredito que por pura birra e sabujismo a França não vai se juntar a Rússia contra o Daesh. O ministro Fabius chegou a elogiar o ” bom trabalho da Frente Al Nusra” , discordando até que os EUA definissem o grupo como terrorista, e Hollande contou ao Le Monde que enviou armas aos “rebeldes moderados”, incluso enquanto vigorava um bloqueio da UE. Meu temor é que a França seja o cavalo de tróia, e traga a Otan aos poucos.
    A Rússia deve tomar toda a fronteira com Turquia e Jordãnia. Esses são os pontos em que pretende-se criar as tais “zonas de exclusão aérea”. Mas é palpite, veremos.

  5. Assad não deixará o poder na Síria, pelo menos enquanto os russos não encontrarem um aliado fiel para ocupar sua cadeira. Atentados são mesmo fonte de manipulação da opinião pública, infelizmente, para tanto pouco importa que o sangue seja de inocentes orientais ou ocidentais como já havia escrito.
    A guerra é pelo petróleo e pelo gás que alimenta o Império e seus satélites na eurozona.
    Exatamente o petróleo que faz com que o Império aponte suas garras putrefatas sobre a garganta do governo da Venezuela e do Brasil pós pré-sal.
    Mas esse movimento no teatro de operações exige o aniquilamento do EI , pois as serpentes acabaram criando asas indesejáveis. Quanto ao terrorismo de sempre…

  6. O que deve matar de raiva os imperiais é que, por calculo ja feito por alguem, um crescimento de 5% na venda de armas russas ano que vem ja pagará com sobra o esforço – limitado- de Putin este ano na Siria. Mas nao vai ser só 5%, todos sabem disso.

  7. Negócio interessante, o que aconteceu hoje 12/11. Um grande canal de TV russo acaba de pôr no ar reportagem sobre reunião entre Putin e os mais altos comandantes militares russos. Não tenho tempo para traduzir o que Putin dizia, palavra a palavra, mas, basicamente, dizia que os EUA recusaram toda e qualquer proposta que a Rússia lhes fez para negociar a questão do sistema antimísseis dos EUA na Europa e que, apesar de os EUA terem dito inicialmente que o alvo real daquele sistema seria o Irã, mesmo agora, depois de a questão nuclear iraniana já estar resolvida, os EUA continuam a implantar o sistema. E Putin acrescentou que os EUA estão claramente tentando alterar o equilíbrio militar mundial. 
    […] Não acredito, nem por um segundo, que algum sistema antimísseis seja algum dia instalado na Europa para proteger OTAN, UE ou EUA contra ataque russo de retaliação, no caso de o Império decidir atacar a Rússia. O que os leste-europeus estão fazendo é pintar um alvo na própria testa, porque serão eles os primeiros a serem destruídos, em caso de crise. Como? Primeiro, por Forças Especiais; depois, por mísseis Iskander – caso tudo o mais fracasse. Mas no cenário mais provável componentes chaves do sistema antimísseis sofrerão, repentinamente, “falhas inexplicáveis”, que tornarão inutilizável todo o sistema. Os russos sabem que é assim, e os norte-americanos também sabem. Mas, para garantir que todos captaram a mensagem, os russos resolveram agora mostrar que nenhuma versão funcional e sobrevivível de sistema norte-americano antimísseis jamais protegerá alguém contra retaliação, se os russos forem atacados.?A parte triste é que os analistas norte-americanos, todos eles, compreendem perfeitamente tudo que aqui escrevi; mas não têm voz naquele Pentágono fantasticamente corrompido. O verdadeiro objetivo do programa militar dos EUA não é proteger alguém contra alguma inexistente ameaça russa, mas desviar bilhões de dólares para empresas norte-americanas e seus acionistas. E se no processo os EUA desestabilizam todo o planeta e ameaçam os russos… “prô diabo com os russos! Nós somos a nação indispensável! O resto do planeta que se foda!” Certo? Errado.
    (The Saker) http://thesaker.is/did-russia-just-gently-threaten-the-usa/

  8. O jornalista Webster Tarpley denunciou publicamente em Roma entre outros, o Erdogan (o verdadeiro califa do ISIS), o filho do Erdogan (vende o petroleo do ISIS) e a filha do Erdogan (enfermeira de hospital exclusivo para combatentes ISIS).
    Video aqui  —   http://www.pandoratv.it/?p=4610

    1. Putin teve um recente encontro com Erdogan. Historicamente, a Rússia tem sido implacável quando a Turquia se mostra sua inimiga. Quando a Rússia reincorporou a Criméia, a Turquia tentou reagir, baseada no fato de que 10% dos crimenianos são turcos. A Rússia estava à espera dos turcos no aeroporto onde desembarcariam terroristas, e os mandou de volta à Turquia. Com certeza Putin acabou com os planos de Erdogan, naquele simples encontro. O sucesso da Rússia hoje na Síria, é consequência do golpe genial da Rússia na reincorporação da Criméia. A Turquia está abandonada, porque a OTAN, da qual faz parte, nada pode fazer por ela diante da Rússia. Depois disso, os curdos, inimigos de Erdogan, aumentaram seu protagonismo na luta contra o EI, e sabem que devem à Rússia este protagonismo.

  9. Seria interessante ler o Pepe Escobar sobre isso, mas infelizmente o blog redecastorphoto onde eu o lia não está mais no ar.
    Alguém sabe o que aconteceu com o Castor Filho, dono do blog?

    fernando,
    Será que você não consegue nada dele, via Vila Vudu, que traduz os textos dele, já que o Pepe só escreve em inglês?

    1. [*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
      Livros:
      – Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
      ? Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
      ? Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
      ? Adquira seu novo livro Empire of Chaos, publicado no final de 2014 pela Nimble Books

  10. Leopoldo Pereira, peço que de uma olhada de volta nas datas e nas declaraçoes russas logo apos e nos dias seguintes (uns dez dias) após a queda do jato da metrojet. Tem no RT, talvez no Saker, e com certeza no russia-insider.
    Quanto a data dos ataques em Paris, foi uma quase coincidencia no tempo, questao de um dia ou horas desde que o chefao da intelligencia russa deu a noticia de confirmaçao de bomba a bordo, a Putin.
    Isso entao era só questao de aceite formal e pós investiçao, um item que seria eminentemente politico como se sabe. Porque desde o segundo /terceiro dia todos os paises relacionados se comportaram na pratica como se ja soubessem de fato
    ”off the record” que tinha sido uma bomba ali colocada no aeroporto de SharmEl Sheik, cortando voos para lá e de lá.

  11. Parece que o Hollande, com esse acordo com a Rússia, acabou de dar uma banana à Otan e à UE/Merkel.
    Curiosamente, tanto a OTAN, quanto o Conselho da UE, quanto o ninho de vespas dos fanáticos (ou $$$$$?) ditos islâmicos ficam em Bruxelas. Coincidência?

  12. Brito, meu nobre.

    Excelente artigo. Apenas uma correção.

    A Base Aérea de Kweires NUNCA ficou sob o controles dos exércitos de proxy do EUA/NATO. Ficou sitiada durante todo este tempo, defendida por uma pequena unidade do Exército Árabe Sírio.
    O Russos já chaman Kweires de ????????? ??????????, ou Stalingrado Síria.

    É isso.

    Grande abraço!

    1. Exatamente. O que o Exército Sírio fez agora foi, com o apoio aéreo russo, cercar os que faziam o cerco e destruí-los. Entretanto, a base estava inativa e agora vai ficar operacional. Se for utilizada pelos russos, o que parece certo, os bombardeiros russos, protegidos pelos implacáveis helicópteros de ataque em terra, estarão a poucos quilômetros de todo o território dominado pelo EI. E a frente Al Nusra estará isolada entre duas bases aéreas russas, só lhe restando fugir pela fronteira com a Turquia, enquanto ainda puder.

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