Parar Jair não é com mimimi

Grandes perigos não se evitam com pequenos avisos.

Portanto, não é com ‘diálogos institucionais’ que se combaterá o que, para quem quiser ver, já é um golpe em marcha, muito além de ameaças e bravatas.

E por uma razão muito simples: não é possível estabelecer acordos e composições com que não está disposto a seguir regras, nem mesmo a mais sagrada delas, a de que é o povo que escolhe o governo, pelo voto.

Não é caso, por isso, de encontrar-se uma modus vivendi com o final do governo Bolsonaro, mas o de impedir que ele nos leve a fatos que comprometam, inapelavelmente, o pós-Bolsonaro que já se desenha.

Porque ele destruirá, em nome de sua continuidade, tudo o que lhe estiver pela frente, da democracia à economia.

Dois artigos, na Folha de hoje, assinalam este perigo.

Cristina Serra, sempre lúcida e corajosa, alerta que “notas e discursos” não vão conter Bolsonaro; Guilherme Boulos, um dos quadro políticos que mais amadureceu, no Brasil dos últimos anos, adverte que, apesar de estar em seu pior momento, Bolsonaro, a depender do quadro que se desenhe no país, “pode nos atirar no abismo”.

Merecem leitura, reflexão e ação.

Quem se alia aos planos – até os aparentemente mais inocentes – do dia a dia de Bolsonaro, alia-se aos seus planos golpistas.

O manual do golpista

Cristina Serra

Bolsonaro não vai parar de sabotar as eleições e a democracia. Seu método preferido tem sido tentar minar a confiança do eleitor na urna eletrônica. Mas o velho manual dos golpistas mostra, com abundância de exemplos ao longo da história do Brasil, que são muitos os recursos disponíveis para arruinar a democracia e a legalidade.

Tentar impedir a posse de um presidente eleito é um deles, como na conspiração de Carlos Lacerda contra Juscelino Kubitschek. A articulação levou ao contragolpe liderado pelo marechal Henrique Lott, então ministro da Guerra, em novembro de 1955, que garantiu a posse de JK.

Os tempos são outros, o Brasil também. Mas a atmosfera golpista é a mesma, agora amplificada pelo submundo digital. A incitação inclui atacar as autoridades responsáveis pelas eleições, como Bolsonaro tem feito, principalmente, com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso. Daí para tentar impedir a posse do próximo presidente –caso não se reeleja– é um passo.

Bolsonaro sabe que vai perder e já decidiu melar as eleições. Se não tem provas de fraude na votação eletrônica —e não tem mesmo— tem que ser confrontado com a realidade e processado. Suas ameaças são crimes de responsabilidade e têm posto as instituições à prova.

Notas e discursos não são capazes de contê-lo. As instituições brasileiras têm instrumentos políticos e jurídicos para isso. Mas instituições são formadas por pessoas. A conivência do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é obscena. A cumplicidade do procurador-geral da República, Augusto Aras, humilha o Ministério Público. O discurso do presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Fux, na volta do recesso, soou tardio e vazio.

Pressionado pela CPI da Covid e pela queda nas pesquisas, Bolsonaro irá apelar cada vez mais a delírios persecutórios enquanto sonha com o seu “capitólio”. Sabe que não precisa nem manchar as mãos, porque tem gente disposta a fazer o serviço sujo por ele.

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Analistas políticos subestimam o risco Bolsonaro

Guilherme Boulos

É impressionante como analistas, tanto na esquerda quanto na direita liberal, subestimam o risco Bolsonaro. Tiram conclusões precipitadas da crise de seu governo e parecem ignorar que, na história, a fotografia de um momento é sempre parte de um enredo dinâmico.

Bolsonaro está em sua pior situação: popularidade baixa, desemprego alto, volta da fome e uma condução criminosa da pandemia, alvo da CPI. As mobilizações de rua voltaram e há mais de 120 pedidos de impeachment com o presidente da Câmara. Acuado, entregou os anéis ao centrão, com Ciro Nogueira na Casa Civil e um controle paroquial do Orçamento em proporções inéditas.

Mas, se essa operação for suficiente para neutralizar o impeachment e lhe dar governabilidade até 2022, Bolsonaro poderá ter força para conflagrar o país. Seu pior momento tende a passar, não por méritos do governo, mas apesar dele. Apesar do negacionismo bolsonarista, a enorme maioria da população brasileira deverá estar vacinada até o fim do ano. Isso tem consequências na retomada da atividade econômica. A maioria dos economistas aposta que o PIB deve crescer algo em torno de 5%, compensando a queda de 2020. Mesmo com esse crescimento focado no agronegócio exportador —sem forte incidência na geração de emprego— cria-se uma sensação de melhora na sociedade.

Na live da última quinta-feira, dobrou a aposta na narrativa golpista do voto impresso. Não tem mais volta.

Mesmo nesse cenário, Bolsonaro não é favorito para a vitória nas urnas contra Lula. A questão é que, com a institucionalidade democrática esgarçada, no Brasil de hoje o debate toma outros contornos. Se Bolsonaro for capaz de manter sua base coesa e tiver uma votação expressiva, isso basta para incendiar o país ao não aceitar a derrota. Ainda mais se contar com o apoio de setores das Forças Armadas, como sugere a movimentação do general Braga Netto e o papel do general Ramos na fatídica live do voto impresso.

Hoje, o golpismo de Bolsonaro é sinal de desespero. Se a conjuntura se alinhar a seu favor, no ano que vem pode nos atirar no abismo. Por isso é tão equivocada a tática de apenas desgastá-lo para que chegue fraco às eleições. Supõe a crença ingênua de que estamos numa situação de normalidade. A oposição precisa jogar todos os esforços para derrotá-lo ainda em 2021. Não é uma batalha fácil, mas pode ficar pior…

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