Privatização do saneamento às pressas fede

A correria para aprovar o novo marco legal do saneamento expele um odor fétido numa das questões mais caras à Saúde e ao Meio-Ambiente no Brasil.

Em primeiro lugar, porque não é proibida a concessão de serviços de água e esgoto a empresas privadas e não é de hoje: a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, modificada em 2016, permite a concessão dos serviços de abastecimento de água, coleta de esgotos, drenagem de águas pluviais e coleta de lixo, desde que haja controle social nas atividades de planejamento, regulação e fiscalização dos serviços; a hipótese de intervenção e de retomada dos serviços eque os contratos permitam atividades de regulação e de fiscalização ou o acesso às informações sobre os serviços contratados.

É lógico que o Estado brasileiro não pode e não deve abrir mão da participação privada para expandir a rede de água potável e, sobretudo, a de coleta de esgotos. Ao contrário, interessa atrair – inclusive com financiamentos – quem queira investir a longo prazo, desde que assegurado economicamente ao usuário aquilo que se objetiva: o acesso universal ao serviço.

Mas o que se está fazendo está a anos-luz de ser uma nova fronteira para o saneamento básico. A nova legislação traz de diferente exatamente isso: obriga a que que as áreas já atendidas por entes públicos (que são 94% das concessões atuais) e que é a mais lucrativa, pois quase independe de investimentos de custos de ampliação, tenham a sua operação leiloada a empresas privadas.

Ou você acha mesmo que o que está atraindo tantos apetites é implantar adutoras, troncos coletores, estações de tratamento e toda a infraestrutura que o saneamento demanda e que, pela sua natureza, é investimento que só se pagará – havendo modicidade tarifária – em 15 ou 20 anos?

Nem mesmo os tais “pacotes filé + osso” a que se referem os defensores do projeto representam necessariamente dinheiro novo de investimento em áreas desassistidas: é claro que a quantidade de “osso” colocada junto ao filé será pequena o suficiente para que, com financiamento subsidiado e com o cash flow dos pagamentos dos usuários das redes entregues como “filé”, quase nenhum dinheiro saia do bolso do “investidor”.

Existem problemas de outras ordens que estão longe de serem tratados, como a questão da adução de água – que é um bem público que atravessa múltiplos espaços municipais e deve, além deles, atender outros sem capacidade de produção de água, a conjunção entre saneamento e urbanização, e a necessidade de abastecimento e coleta serem fornecidos praticamente a fundo perdido em comunidades de baixíssima renda. Não é algo que possa ser enfrentado por uma administração privada.

Não são dificuldades apenas de um país carente e atrasado como o nosso, são problemas mundiais que, inclusive, estão levando milhares de concessões a serem reestatizadas mundo afora.

Dizer que haverá, como disse Tasso Jereissati, “um robusto corpo técnico para planejar e fiscalizar as concessões” é de gargalhar, porque os brasileiros sabem muito bem que as agências reguladoras se movem muito mais pelo interesse das empresas do que pelo do consumidor.

Como, aliás, é esdrúxula a comparação do caso do saneamento com a privatização da telefonia, feita ontem na Globonews. A telefonia, é óbvio, teve o benefício de saltos tecnológicos (fibra ótica, redes sem fio, apmpliação da escala de transmissão de dados) que são impossíveis no caso do abastecimento de água e na coleta de esgotos.

O que fica cristalino, revelado pela pressa de aprovar a toque de caixa sem discussão, em meio a uma pandemia que impede debates e esclarecimento é que não vai faltar, nesta caixa d’água financeira aquele caninho que serve para não transbordar.

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