Acordo de delação não é invulnerável à Justiça, por Afrânio Silva Jardim

afranio

Parodiando o ministro Herman Benjamin, não irei ao enterro do nossos sistema de Justiça Criminal. Nego-me a comparecer ao seu velório e a carregar o seu caixão.

Tenho enfatizado que o instituto da “Delação Premiada” tem de ser concebido dentro do sistema processual penal vigente em nosso pais, respeitando as normas do Direito Penal e da Lei de Execução Penal.

Aqui, em se tratando de Direito Público, é absolutamente inconcebível o “negociado sobre o legislado”. As normas do Direito Público são cogentes e não podem ser afastadas pelos contratos (acordos de cooperação premiada).

É importante notar que o STF vai dar um “cheque em branco” para todos os Promotores e Procuradores da República do Brasil, sem controle efetivo. Notem que a polícia também está autorizada, pela lei n.12.850/13, a fazer os acordos de cooperação premiada (sic).

Será natural que a população desconfie das “escolhas” (poder discricionário) daquele órgão do Ministério Público. Outorgar poder demasiado a uma instituição não a fortalece, mas, ao contrário, pode fragilizá-la.

Não podemos conceber o “acordo de cooperação premiada” com os olhos voltados para o sistema vigente nos Estados Unidos. O nosso sistema processual está lastreado nos princípios da “civil law”, vale dizer, sistema romano-germânico. Aqui vigora o princípio da legalidade.

Insegurança jurídica não é permitir que o juiz (ou tribunal) da condenação possa aferir a legalidade e constitucionalidade das cláusulas constantes do acordo de delação premiada. Insegurança jurídica é permitir que um negócio jurídico processual possa afastar a incidência das regras do Código  de Processo Penal, do Código Penal e da Lei de Execução Penal.

Ressalto, ainda, que o “controle” é a “palavra-chave” no Estado Democrático de Direito. Nele, ninguém pode ter poder ilimitado.

Nem mesmo no Direito Privado se admite que a autonomia da vontade possa prevalecer sobre as regras do Direito Público. Não se pode dispor do que é indisponível, consoante a Constituição e demais regras do sistema normativo.

Um criminoso não pode negociar a sua pena ou regime de cumprimento de pena, sem a chancela ativa e efetiva do Poder Judiciário. No processo penal, o que se executa não é o negócio jurídico, mas sim a sentença (ou acórdão) condenatória. Aqui não há execução penal por título extrajudicial !!!

Na hipótese do prêmio de “não denunciar”, deve ser aplicada a regra do art.28 do Código  de Processo Penal, para que exista algum mecanismo de controle, embora a última palavra seja do órgão de cúpula do Ministério Público, como é próprio do sistema processual acusatório. Nos casos da competência originária dos tribunais, nesta hipótese de “não denunciar”, temos de aceitar o controle através da ação penal privada subsidiária da pública, prevista no art.5, inciso LIX, da Constituição Federal.

Por derradeiro, não se pode tirar a legitimidade do ofendido de um delito de recorrer para outro grau de jurisdição, seja da decisão judicial que homologa o acordo, seja da sentença penal posterior ao acordo. Isto está permitido no Código  de Processo Penal. Também ele terá legitimidade para ações autônomas que visem a anular ou declarar nulo o acordo de delação premiada, segundo anulabilidades ou nulidades previstas na legislação que trata dos negócios jurídicos em geral.

O STF pode estar criando “um monstro”, principalmente por se abster de prestar a inafastável e indeclinável atividade jurisdicional.

*Afrânio Silva Jardim, promotor aposentado, é professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente em Direito Processual

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6 respostas

  1. Boa tarde,

    Já passou de hora de criar um novo Brasil para os brasileiros e isso passa pela divisão desse que existe. Vamos começar na net um movimento de separação pra já com o nome: Nordexist. Temos também começar a boicotar tudo que for de origem de SP.

    1. Sou PAULISTANO, e concordo com o HELBERT. Se tem alguém que não sabe VOTAR, ESCOLHER, esse é o cidadão de SÃO PAULO. Relembrar o JÃNIO QUADRO, COLOR, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO e o PSDB., que há mais de 30 anos, dá as cartas em SÃO PAULO, e somente quando eles saírem do poder saberemos o PODRE que se ESCONDE.

    2. as contas mostram o seguinte: O Brasil precisa ser divido em pelo menos 2.000 países para que se tenha uma chance de 3% de pelo menos um prestar.

  2. Fica claro que como esta sendo a delação premiada foge totalmente do estado de direito. Só não vê quem não quer.
    Eu, representante do estado assino com um “delator premiado” um acordo no qual ele denuncia quem eu quero e eu lhe dou o perdão dos seus crimes e a liberdade garantida.
    Haverá placas assim: “compra-se denuncia seletiva, paga-se bem com perdão de crimes e liberdade”.
    Vai ser uma festa. Acho até que vai revolucionar a economia do país. Muita “otoridade” vai ficar rica. O “mercado” vai adorar.
    Estava claro que a lava jato com a cumplicidade da globo ia destruir a justiça. Aí esta’!

  3. De tantos artigos de advogados, juristas, doutores em direito condenando as delações premiadas e os grandes bônus que estão sendo distribuídos a bandidos com a afirmação que, as benesses não serão modificadas porque quem manda no país é o MPF e não o STF, e se emitirem a calúnia requerido estão soltos -i sto por enquanto é uma verdade, porque o STF se cala perante as arbitrariedades do MP compactuadas com alguns juízecos de primeira instância – até os bedéis das escolas de direito já sabem.
    Não precisamos de advogados que escrevem artigos para os sites que contestam a bandalheira, e que não vão ser publicados na grande mídia, mas compactuam da farsa como defensores de causas no judiciário, onde não interessa a lei e cujas sentenças já estão preconcebidas
    Chega de farsa: Para que serve a OAB?. Advogados podem se recusar a participar de farsas? Por que não o fazem?

  4. Um internauta fez um comentario sucinto mas tao logico que fico pasmo do proprio Congresso (ainda que movido nesse momento por razoes nao exatamente Nobres) nao tenha modificado a legislaçao que ampara a caguetagem: nao deveria bastar dizer o que o Juiz quer ouvir; teria que respaldar em provas materiais.

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