Aqui, só os mortos não mentem

Na sua coluna no G1, Helio Gurovitz reproduz a frase de um médico da Universidade de São Paulo que diz que, no final das contas, só os coveiros sabem o tamanho real de uma epidemia.

Gurovitz escreve, mais uma vez, para mostrar o quanto estão sendo subestimadas as mortes causadas pelos efeitos do novo coronavírus e o faz com os números, ainda parciais, do registro de óbito sem o qual não se sepulta um corpo.

Há, na Folha e no Estadão, diversas e tímidas reportagens sobre este subdimensionamento estatístico.

Poupo o leitor dos números macabros e me sirvo do trabalho do colega para descrever a razão de meu inconformismo, ontem, ao ver a entrevista burocrática da cúpula do Ministério da Saúde dizendo que “a curva isso” e “a curva aquilo” como que para abrandar o drama que vivemos do qual, paradoxalmente, a percepção é a nossa maior defesa.

O argumento central é de que deve-se evitar a “linearidade” no tratamento da situação, quando é esta a única maneira de proteger as vidas humanas a partir de um certo ponto – e dele já passamos – de comportamento epidêmico.

Alguém vai dizer, por exemplo, que em tal bairro ou cidade não se precisa tomar cuidado com a água empoçada só porque ali há baixa incidência de casos de dengue? Ou que não é necessário vacinar porque, no ano anterior, foram poucos os casos de sarampo, cuja a erradicação levou anos e, agora, com o negacionismo vacinal – outra obra estúpida da direita – voltou a ser risco no Brasil?

Saúde pública é, muito e também, comportamento social e atitude coletiva. Usar ou não máscara, encher ou não o transporte coletivo, aglomerar pessoas por qualquer razão não é decisão individual de cada um que o faz e que não se misture isso com “democracia” ou “liberdade de ir e vir”.

Esta invocação parte de bocas sujas, porque a língua que as articula é a do dinheiro, e não o dinheiro da sobrevivência dos que precisam, mas das estruturas que precisam do povo como carne do qual se o extrai.

Todos os dias desfilam pelas televisões e pelos jornais dúzias de profissionais de saúde, gente capaz e qualificada, insistindo que não se afrouxem e se ampliem os cuidados com a transmissão do vírus, todas as horas somos bombardeados com cenas de hospitais lotados, de conteineres mortuários, de corpos empilhados, de sepultamento em valas comuns.

Mas das autoridades sanitárias federais não somos capazes de ouvir sequer um mero “fique em casa”.

Estão mais preocupados em não contrariar o alucinado que os nomeou e ao qual entregaram suas almas.

 

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16 respostas

  1. Só daqui um ou dois anos, qdo as estatística de morte saírem, é que saberemos o tamanho dessa tragédia ..por enquanto só a certeza de que os números estão defasados tendo como testemunhas o depoimento dos coveiros e as valas feitas.

  2. Acrescente o fato de a USP ter desenvolvido um respirador que pode ser construído em duas horas ao custo de R$ 1.000,00 Ninguém do governo ou ciência e tecnologia se mobilizou.

  3. Acho que não há dúvidas do motivo da saída do Mandetta, que já não era grande coisa. Alguém espera que esse novo ministro faça algo diferente do que Bolsonaro quer ? É triste mas é a realidade e ainda temos 33% que acha o governo bom ou ótimo. Dizer o quê ? Pensar o quê ? Só não podemos é pirar.

    1. Nestes 33% que apoiam incondicionalmente ao PR, está uma parcela considerável de evangélicos, militares e empresários neoescravagistas, que não estão nem um pouco preocupados se seu empregado vai viver ou morrer. As cenas macabras que estamos vendo dia a dia, não são capazes de os sensibilizar. Estão nas ruas para afrontar e apoiar o seu PR.

    2. Temos uma imensa massa de burros neste país.
      Muitos agravam a burrice quando a somam com a religião. Aí vira burrice ao quadrado.
      É o caso dos que acreditam no bozo e nos malafaias e macedos da vida.
      Querem manter as lojas de faturamento abertas?

      Que sejam responsabilizados criminalmente se houver explosão de doentes e mortos nos frequentadores dos templos, digo, agências de negócios de sua denominação/propriedade.

  4. Não é culpa apenas do governo, a população não está nem aí. Saem mas ruas sem necessidade nenhuma. Faltou ao dória a coragem de decretar confinamento. Estão todos preocupados com dinheiro apenas. Povo burro do inferno.

    1. Exato, é que existe uma simbiose entre este governo e parte da população que o elegeu. São uma coisa só.

  5. Primo de minha mulher, 59 anos, morreu ontem em Brasília vítima do vírus. Bolsonarista, participava das manifestações contra o isolamento

  6. Cada um segue o que quer. A livre escolha é a opção entre morrer sufocado ou viver. Se o brasileiro continua a olhar o mundo como um eterno carnaval, paciência. Eu, e minha família, continuaremos a nos cuidar. Todos estão cientes da periculosidade do virus, sua agressividade e alta letalidade. Buracos podem ser feitos, há muita terra. A dita direita nos enxerga como descartáveis. ” Vão morrer uns 30.000 e daí? A economia não pode parar”, dizem alguns, repetido pelos defuntos ainda vivos. A curva crescente ou decrescente prova que continuam nos envergando como escravos numa imensa plantação de bananas. E aceitamos. Até quando?

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