Autonomia completa faria do BC o “condestável do capital”

Não parece haver muita esperança de que se detenha hoje, na Câmara, o gesto de agradecimento do centrão – ao qual quase toda a direita fará coro – ao votar uma autonomia impensável ao Banco Central, com uma proposta absurda de que, embora indicado pelo presidente da República, o titular dos votos do povo brasileiro só possa indicar o dirigente da instituição monetária nacional no último ano de seu mandato. Mesmo nos EUA, paradigma do capitalismo liberal, o presidente do Federal Reserve é indicado no segundo ano do mandato presidencial. Trump, empossado em janeiro de 2017, indicou em novembro daquele ano Jerome Powell para o cargo, que começou a exercer em fevereiro de 2018.

É tão “política” a decisão de figurar como “apolítico o BC que até a campeã da defesa do BC independente, Miriam Leitão, reconhe que o governo a quer “aprovar a independência do Banco Central para dar a impressão de que a pauta econômica está andando”. “É importante mas evidentemente não é urgente”, sentencia.

Aprovada na forma em que está no projeto, um presidente terá de governar a economia com um presidente do BC do governo que o antecedeu.

É certo que, em geral, a presidência do Banco Central é ocupada, quase monopolisticamente, por integrante de um só partido, o “Partido do Mercado” e, mais recentemente, pela sua facção PFL, o Partido da Faria Lima. Mas as condições impostas pela legislação que se está por aprovar o tornarão uma espécie de “Condestável do Capital”, apenas um técnico a serviço dos interesses da praça, ao qual nem o “Rei” republicano – o presidente – pode ter sob a espada.

Um governante que se eleja, portanto, com um programa desenvolvimentista está sujeito a ter um “jurista” no Banco Central que bote abaixo todas as suas pretensões de aquecer a economia pelo incentivo ao crédito.

Como isso seria inviável politicamente, a aprovação da autonomia do BC é apenas uma quimera, um gesto simbólico de submissão do Estado brasileiro à banca privada, como vemos na propaganda uma daquelas “figuras meramente ilustrativas”. Fica só como “reserva” para criar confusão no caso de termos algum presidente a quem os bancos desejem ser hostil.

Veja bem: um presidente a quem desejem ser hostil, porque nenhum presidente manobrou mais o Banco Central do que o amadíssimo Fernando Henrique Cardoso e nenhum presidente deu-lhe mais autonomia real que o odiadíssimo Luís Inácio Lula da Silva.

É por isso que digo que a autonomia criará um condestável do capital no Brasil, na acepção que tinha entre os romanos: o comes stabuli, o “Conde dos Estábulos“, técnico sem grande valor social, mas que tinha o comando quando se tratava da mais importante arma daqueles tempos: os cavalos, que não podiam ficar à mão das preguiças e desídias do senhores da nobreza.

 

 

 

 

 

 

 

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