O índice de desemprego da Folha

TAB-DESEMPREGO

Desde ontem cedo venho matutando a maneira de abordar o tema da nova metodologia do IBGE, que traz um número de desemprego maior do que até então a instituição vinha mostrando, sem jogar água no moinho do viralatismo nacional. Em primeiro lugar, o IBGE provou que é independente e não leva em conta fatores políticos. Entretanto, a nossa mídia, como de praxe, vem interpretando os novos números com o seu hiper-viralatismo usual. E não tem escrúpulos em manipular os números para mostrá-los sob um ângulo muito pior do que realmente são.

O comentarista Sérgio Saraiva, participante do blog do Nassif, nos poupou o trabalho. Reproduzimos o texto dele abaixo. Eu só acrescentaria que a crítica de Saraiva vale para todos os grandes jornais, que abordaram o tema sob o mesmo prisma urubuzante.

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O índice de desemprego da Folha, ou a arte de engarrafar fumaça

Por Sergio Saraiva, no Jornal GGN.

“Algumas pessoas usam a estatística como um bêbado usa um poste de iluminação – para servir de apoio e não para iluminar” – Andrew Lang – historiador.

Os americanos têm um ditado bem interessante sobre uso de estatística como argumento: “os números não mentem, mas você conhece quem coletou os dados?”.

Há outro também muito interessante: “se torturarmos os dados por bastante tempo, eles acabam por admitir qualquer coisa”.

Essa desconfiança com dados estatísticos veio-me a mente quando dei com a seguinte manchete da Folha de São Paulo deste sábado, 18 de janeiro de 2014, no caderno “Mercado”:

“61 milhões estão fora da força de trabalho.”

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/01/1399413-61-milhoes-estao-fora-da-forca-de-trabalho.shtml

Esclarece o primeiro parágrafo: “Um contingente de 61,3 milhões de brasileiros de 14 anos ou mais não trabalha nem procura ocupação – e, portanto, não entra nas estatísticas do desemprego”.

Parece um número absurdo, e o é. Poderia sugerir que nada menos do que 38,5% da população economicamente ativa no Brasil (159,1 milhões de pessoas) está desempregada.

Isso seria particularmente preocupante se levarmos em consideração que a nova pesquisa do IBGE, a PNAD contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) com 3.500 municípios pesquisados aponta para um desemprego de 7,4%, ou seja, 11,8 milhões de pessoas. E a pesquisa realizada até então, a PME (Pesquisa Mensal do Emprego) que mede a taxa de ocupação nas seis maiores regiões metropolitanas aponta para um desemprego da ordem de 5,9%, ou 9,4 milhões de desempregados no país, usando os números da Folha e de seus infográficos.

E a seguir, no texto da Folha: “Referente ao segundo trimestre de 2013, o dado brasileiro ajuda a ilustrar como, apesar das taxas historicamente baixas de desemprego, o mercado de trabalho mostra sinais de precariedade”.

E mais adiante: “… Esse número supera o quádruplo dos 7,3 milhões de brasileiros oficialmente tidos como desempregados nas tabelas do IBGE – o que dá uma ideia de quanto o desemprego poderia crescer se mais pessoas decidissem ingressar no mercado e disputar vagas”.

Estariam os números oficiais errados? O governo estaria falseando informações para mostrar um quadro róseo quando na verdade a situação do emprego no Brasil é sombria?

Não, a manchete é apenas fumaça. O Brasil continua em pleno emprego ou bem perto dele.

Basta continuar o texto da Folha para começarmos a ver a manchete ser desmentida.

Analisemos este parágrafo:

“Mesmo tirando da conta os menores de 18 e os maiores de 60 anos, são 29,8 milhões de pessoas fora da força de trabalho, seja porque desistiram de procurar emprego, seja porque nem tentaram, seja porque são amparados por benefícios sociais”.

Para não perder viajem, notemos a insinuação de que o Bolsa Família é incentivador da vagabundagem: “… desistiram de procurar emprego… seja porque são amparados por benefícios sociais”.

Mas como assim? O número de desempregados cai repentinamente de 61,3 milhões para 29,8 milhões? Uma redução de mais de 50%?

E candidamente o jornalista nos explica: é que, na sua contagem inicial, ele considerou a garotada que ainda está na escola e as pessoas que já se aposentaram.

Ou seja, duas boas notícias, os brasileiros estão completando a sua educação básica antes de entrar no mercado de trabalho e os aposentados não estão mais precisando continuar a trabalhar após se aposentarem, passam a ser evidência de que “o mercado de trabalho mostra sinais de precariedade”.

Mesmo assim, 29,8 milhões de pessoas é um número díspar em relação aos 11,8 milhões oficiais pela PNAD. Seria, caso não houvesse um outro “pequeno detalhe” apresentado no texto da Folha logo a seguir:

“Os dados sugerem que grande parte dos que estão fora da força de trabalho é dona de casa: 40,9 milhões são mulheres”.

Esse “detalhe” é muito importante, porque a PNAD contínua, agora, considera também as áreas rurais, onde o trabalho da mulher é ainda, em muito, o trabalho doméstico.

Resumo da ópera, na estatística da Folha, até dona de casa entra na composição do número de desempregados.

Mas, então, se descontarmos dos números da Folha as senhoras que ainda são “donas de casa”, ou seja, cuidam do lar e não trabalham fora, restaria um número de desempregados maior do que o que oficialmente é informado?

A Folha não nos diz, desconversa e sai-se com essa:

“O ministro do Trabalho, Manoel Dias, disse que a pasta ainda está avaliando os resultados da nova pesquisa. Ele ressaltou que não é possível dizer que houve alta do desemprego, já que se trata de nova metodologia”.

Voltando ao ditado americano “os números não mentem, mas você conhece quem coletou os dados?”, eu conheço, pelo menos, a Folha de São Paulo eu conheço.

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10 respostas

  1. Unica coisa que sei e que a midia escravocrata vai tentar tumultuar 2014 … Preparem-se a luta vai ser renhida… Principal instrumento da Globo sera Joaquim

  2. O artigo é bom, mas também incorre em erros.
    O maior é achar que estamos em pleno emprego. Se isto fosse verdade, teríamos que estar buscando controlar o crescimento, etc. Não estamos nem próximo do que poderia ser um pleno emprego, pois os níveis de informalidade e empregos domésticos e de baixa produtividade são ainda enormes, apesar da evidente melhora dos últimos anos.

  3. De uma tacada só, a Folha incluiu entre os “desempregados” do Brasil:
    os estudantes, os “manifestantes” (black blocs, rolezinhos, etc), os carnavalescos, os jogadores de futebol, as donas de casa, os inválidos e ps velhos aposentados…
    Desse jeito a estatística vai “pras cucuias”..

  4. “Rir é o melhor remédio”

    Me lembro de meu pai citando o famoso Aparicio Torelli,Barão de Itararé:

    “As estatísticas não mentem, mas existem muitos mentirosos usando estatísticas.”

    cavando na internet achei esta máxima sobre estatística:

    “33% dos acidentes de trânsito envolvem pessoas embriagadas, portanto 67 % estão sóbrias, logo devemos dirigir bêbados que é mais seguro.”

  5. Belo trabalho de desconstrução de mais uma matéria canalha da Folha!
    Que bom que temos pessoas atentas e com condições de mostrar os furos dessas rePORCAGENS!

  6. Se incluir menores de idade na estatística isso significaria que o Brasil não estaria combatendo junto com o mundo o uso de menores no mercado de trabalho,já que o local para jovens com essa idade é nas escolas estudando.

  7. Torturando os números e usando o método “mãe Dinah” de fazer jornalismo, eu poderia afirmar que, daqui a 2 anos, a ‘empregabilidade’ da Folha e do Estadão tenderão a zero e 100% de sua atual força de trabalho estará procurando emprego. E ai do foca que for correr atrás de benefício social – eu vou rir da cara do hipócrita atè cair a dentadura.

  8. Uma comparação que vi em outro site foi que o número encontrado aqui no Brasil (38,4%, se não me engano) é bastante próximo do encontrado nos EUA (37%) por isso dizer que é por causa do bolsa família é um absurdo..

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