O problema é a solução, se as elites entenderem o óbvio

O Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, Luana Araújo e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga,participa da cerimônia de lançamento da Campanha de Conscientização sobre Medidas Preventivas e Vacinação contra a Covid-19, e o lançamento da Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19.

Tempos atrás, o jornal O Globo tinha uma seção que se chamava “Conte algo que não sei”.

O bordão vem à mente diante de extensa reportagem de hoje de Fernando Canzian que é manchete da Folha de S. Paulo: “País mais pobre e informal torna recuperação incerta“.

Verdade que o país está mais pobre e mais informal, mas isso não é, aparentemente, um “problema” para as elites econômico-sociais do Brasil, porque a “solução” que advogaram e advogam tem sido sempre a de ampliar a pobreza e a informalidade, apontando os gastos públicos e os direitos trabalhistas e as obrigações tributárias (portanto, a formalidade) como travas ao nosso desenvolvimento.

Não são e nunca foram e está ainda bem fresco em nossa memória como não houve contradição entre progresso econômico e avanços no campo social e trabalhistas, mesmo que – é verdade – desacompanhados de um processo de justiça nos impostos, algo que enfrenta veto absoluto de mente estreita de boa parte de nossas elites.

Os “adoradores do bezerro de ouro” fiscal (claro que apenas pelo lado da despesa) se recusam a ver que injetar dinheiro mais que necessário nesta imensa massa de pobreza é a óbvia solução para a bulimia econômica que deixa o país submergir na letargia. E não encaram a informalidade como um potencial de formalidade, mas como apenas como a manutenção de um “departamento estanque” da atividade econômico, que passa longe do que interessa ao grande mundo de dinheiro e “resolve” o problema no exército de reserva que lhe barateia salários e remunerações.

Ontem, assistindo ótimo trabalho que o igualmente ótimo Caco Barcellos coordena no programa Profissão Repórter, da Globonews, duas passagens impressionaram quando foram ouvidos os problemas dos que perderam o auxílio emergencial da primeira etapa da pandemia.

Na primeira, um rapaz descreveu o que fez com os extintos R$ 600: erguer dois cômodos para deixar de ficar amontoado na sala da casa da mãe de sua mulher. Se você quiser falar em economês, ele transformou o subsídio em “Formação Bruta de Capital Fixo”, que é onde entra a construção nas contas do PIB. Aquele dinheiro rodou nas engrenagens da economia como não giraria se tivesse sido aplicado em subsídios aos fabricantes e comerciantes de insumos para a construção civil. Que, aliás, tiveram um desempenho excelente durante aqueles meses da construção civil, mesmo com os imensos aumentos de preço que tiveram: o Índice Nacional de Custo da Construção, apurado pela Fundação Getúlio Vargas, passou de 4% no acumulado de 12 meses em abril de 2020 para 13% em abril de 2021.

Na segunda, o triste retrato do que é o desalento ocupacional que quadruplicou, na prática, do 1,5 milhão de pessoas, em 2014, para 5,7 milhões em 2020. Uma pessoa conta como desistiu de “distribuir currículo” inutilmente, todos os dias, durante meses e, agora, contenta-se com os “bicos” que eventualmente consegue, raros e miseráveis. Mas que, apesar de tudo, tem o sonho de ser “registrado” – ter um emprego de “carteira” – um dia.

Há tanta ânsia pela formalização que, no ano da pandemia, 2020, 2,7 milhões de brasileiros buscaram a alternativa de se tornarem microempreendedores individuais (MEI), para formalizarem suas atividades, terem previdência e poderem emitir notas, saindo da “clandestinidade” laboral.

Portanto, existem as condições para que o “”País mais pobre e informal” tenha sim, uma recuperação mais rápida e consistente, se a inclusão dos pobres e informais no Orçamento brasileiro for o gatilho para descomprimir a mola de crescimento econômico que o arrocho fiscal, a queda nos investimentos públicos e, depois, a pandemia, apertaram até não mais poder.

É claro que é preciso por fim ao festival de apropriações indevidas dos recursos públicos pela politicagem, pelos altos salários de categorias privilegiadas e por limites a isenções de tributos indevidas e distorcidas. Mas o país precisa acreditar no trabalho, no progresso, na possibilidade de uma vida melhor, onde a calçada fria não é o seu destino.

Pois também nisso acho que cabe o “conte algo que não sei”. Já o fizemos, e fizemos tendo bem pouco. Muito menos que agora.

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