Paul Krugman e o “Bolsa-Família” americano. Livres para passar fome

Pouca gente sabe, mas os EUA também têm o seu “Bolsa Família”.

Lá, é o SNAP – Supplemental Nutrition Assistance Program  – que ajuda 40 milhões de americanos de baixa renda a se alimentarem, no mesmo esquema de cartão magnético do nosso aqui, com a diferença que o benefício não pode ser sacado, mas utilizado eletronicamente nas lojas cadastradas, o que é fácil frente ao uso de computadores generalizados em todo o comércio do país. Ele, aliás, substitui os antigos “food stamps”, tíquetes de alimentação que existem há décadas nos EUA.

Lá, como cá, o conservadorismo ataca o SNAP, dizendo que ele “ensina a não trabalhar”, acomodando as pessoas.

Contra isso, e para analisar os benefìcios do “Bolsa Família” gringo, o economista Paul Krugman, Prêmio Nobel de 2008, escreveu o artigo abaixo, publicado no The New York Times de ontem e republicado aqui pelo site da Folha.

É triste ver que a mediocridade é universal e que, não importa a língua, a elite sempre se parece em crueldade.

Livres para passar Fome

Paul Krugman

Múltiplos estudos econômicos cuidadosamente conduzidos demonstraram que a desaceleração econômica explica a porção principal da alta no programa de assistência alimentar. E embora as notícias econômicas venham sendo em geral ruins, uma das poucas boas notícias é a de que o programa ao menos atenuou as dificuldades, impedindo que milhões de norte-americanos caíssem à pobreza.

E esse tampouco é o único benefício do programa. Há provas esmagadoras de que os cortes de gastos aprofundam a crise, em uma economia em desaceleração, mas os gastos do governo vêm caindo. O SNAP, porém, é um programa que foi expandido, e dessa forma ajudou indiretamente a salvar centenas de milhares de empregos.

Mas, dizem os suspeitos habituais, a recessão terminou em 2009. Por que a recuperação não reduziu o número de beneficiários do SNAP? A resposta é que, embora a recessão tenha de fato acabado oficialmente em 2009, o que tivemos desde então é uma recuperação de e para um pequeno número de pessoas, no topo da pirâmide de distribuição nacional de renda, e nenhum dos ganhos se estendeu aos menos afortunados. Considerada a inflação, a renda do 1% mais rico da população norte-americana subiu em 31% de 2009 a 2012, enquanto a renda real dos 40% mais pobres caiu em 6%. Por que o uso da assistência alimentar se reduziria, assim?

Mas será que o SNAP deve ser considerado uma boa ideia, em termos gerais? Ou, como diz o deputado Paul Ryan, presidente do comitê orçamentário da Câmara, ele serve como exemplo de transformação da rede se segurança social em “rede de varanda que convence pessoas capazes de trabalhar a levarem vidas de dependência e complacência”.

Uma resposta é, bem, não é lá uma rede muito confortável: no ano passado, os benefícios médios da assistência alimentar eram de US$ 4,45 ao dia. E, quanto às pessoas “capazes de trabalhar”, quase dois terços dos beneficiários do SNAP são idosos, crianças ou deficientes, e a maioria dos demais são adultos com filhos.

Mas mesmo desconsiderando tudo isso, seria de imaginar que garantir nutrição adequada para as crianças, que é grande parte do que o SNAP faz, torna menos, e não mais, provável que essas crianças sejam pobres e necessitem de assistência pública ao crescer. E é isso que as provas demonstram. As economistas Hilary Hoynes e Diane Whitmore Schanzenbach estudaram o impacto dos programas de assistência alimentar nos anos 60 e 70, quando eles foram gradualmente adotados em todo o país, e constataram que, em média, as crianças que recebiam assistência desde cedo se tornavam adultos mais produtivos e mais saudáveis do que as crianças que não a recebiam – e que também era menos provável que recorressem a ajuda do governo no futuro.

O SNAP, para resumir, é um exemplo de política pública em sua melhor forma. Não só ajuda os necessitados como os ajuda a se ajudarem. E vem fazendo ótimo trabalho durante a crise econômica, mitigando o sofrimento e protegendo empregos em um momento no qual muitas das autoridades parecem determinadas a fazer o oposto. Assim, é revelador que os conservadores tenham escolhido este programa como alvo de ira especial.

Até mesmo alguns dos sabichões conservadores consideram que a guerra contra a assistência alimentar, especialmente combinada ao voto que aumentou o subsídio agrícola, prejudicará o Partido Republicano, porque faz com que os republicanos pareçam mesquinhos e determinados a promover uma guerra de classes. E é isso exatamente que eles são.

Facebook
Twitter
WhatsApp
Email

10 respostas

  1. Seria interessantíssimo se fizessem reportagem relatando todos os tipos de auxílios sociais implementados em vários países… poderíamos reproduzir nas redes sociais para aclarar os teletubies amestrados que vomitam desprezo e condenam o programa bolsa familia.

  2. O programa Bolsa Família representa o que de melhor há na sociedade brasileira.
    O Solidariedade, não que vá levar a quem é a favor para o céu, nada disto, mas
    é para não transformar a sociedade brasileira num tremendo ladrão.
    O que o Brasil produz é de todos os brasileiros.
    Se todos não estão trabalhando ou construindo é porque o ser humano é exatamente
    isto que está aí. Gente bonita, feia, saudável, doente, paralitico, formoso….etc.
    Pensar diferente disto, é ter que ir morar na Africa do Sul na época do Apartaide, sendo
    branco.

  3. Essa crise toda serviu pra nos mostrar que no duro, no duro, capitalismo e apenas um eufemismo de escravagismo monetario.

  4. Burguesia aqui como la são todos farinha do mesmo saco, ideologica e politicamente. A unica diferença que os separa e a capacidade cultural e intelectual: Os gringos neste aspecto são mais preparados que os burgueses daqui. E so comparar o capitalismo deles e ver o nosso.

  5. A elite, ao torcer pelo desastre econômico que não vem, se desmoraliza junto com sua mídia urubuzenta. Aliás, se houvesse mesmo um desastre – como na Europa – parte da classe média que torce para que o país afunde, afundaria junto.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *