Pobre país rico. Por Nílson Lage

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Não há como dizer de outra forma: o Brasil é muito rico – uma das poucas nações capazes, em tese, de sobreviver sem mudar radicalmente caso não houvesse outra no mundo. Tem alimentos, terras e água em abundância; petróleo, urânio, ventos, luz; território habitável e tecnologia em padrão médio; estrutura industrial básica, uma salada mista de minérios e reservas monetárias que cobrem as contas externas.

No entanto, por alguma alquimia contábil e muita conversa fiada, o povo foi convencido de que o Brasil é pobre. Sua história é um stop-and-go: cresceu com o Barão de Mauá, atolou-se em dívidas e numa guerra cruenta e cara contra o Paraguai ; desenvolveu o perfil de um império constitucional com monarquia benevolente, tombou com o golpe da República e o longo período de pedantismo e estagnação institucional republicana; impulsionado pelos tenentes e por humanistas brilhantes, tentou tornar-se, de fato, independente, mas tropeçou em um conflito de valores que se arrastou entre os golpes de 1964 ao de 2016, com direito a consulados neoliberais e trabalhistas – estes a versão local da social-democracia. Ao que parece, está na pior.

Para dar uma pista de porque isso acontece, transcrevo alguns parágrafos de um texto que escrevi há 35 anos sobre as guerras que marcaram a história dos países da bacia do Prata, ao longo do Século XIX:
“A participação inglesa no processo de independência dos países latino-americanos — quer através de ajuda militar direta (sobretudo naval), quer em medidas de apoio político e econômico — teve dois objetivos entrelaçados: (a) promover a criação de estados nacionais, desmontando os impérios decadentes de Portugal e Espanha; e (b) impedir que esses estados conjugassem uma independência real com os meios de dar-lhe consequência. No atendimento des­ses objetivos, a Inglaterra estimulou e conteve, segundo seus interesses, con­flitos entre as jovens nações. Para sustentar-se em longo prazo, cuidou de ocupar os espaços econômicos, aliando-se aos setores do comércio e aos latifundiários acostumados, em cada uma das antigas colônias, a produzir para exportação em suas plantations; socorreu-os com seus préstimos e dinheiro.

A hegemonia inglesa contribuiu, assim, decididamente, para fixar no poder elites que eternizariam a es­trutura da economia colonial em estados formalmente soberanos. Esse equívoco de origem trouxe esta parte da América – ao Prata, em nosso caso – a uma configuração trágica que se perpetuou além do apogeu do imperialismo britânico: é que as elites assim consolidadas, as oligarquias, sabem que sua permanência no poder depende de alianças externas, da limitação de soberania diante de potências hegemônicas. Buscam essas potências, convidam-nas a partilhar do controle da economia do país, deslumbram-se diante de sua eficiência — fato que explica a situação de nossos países, hoje, e nos permite compreender também o que se passa em quase toda a África e em algumas nações asiáticas.

Chama-se a esse fenômeno neocolonialismo, com suas duas faces: a do vassalo servil, no entanto poderoso internamente, e a do império que o utiliza, sem deixar de desprezá-lo.”

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13 respostas

  1. A pobreza do Brasil se deve a classe dominante ( recuso a chamar de elite pois são uns boçais) e ela se mantem desde o golpe dado na Monarquia (Dom Pedro II) com criação da república, onde se estabeleceram as figuras mais reacionárias ,a partir daí criaram instituições como Judiciário, Congresso, Universidades, Institutos Militares em que só conseguiam ali se estabelecer filhos dos fazendeiros, dos oligarcas, comerciantes do café e dos abastados, que criaram leis que os beneficiava, e excluindo a população mais pobre, tal como é hoje. Ninguém no Brasil se tornou milionário as custas de suas invenções ou de seu trabalho , tudo o que conseguiram, foi sugando do estado. E isso permanece até hoje, e o golpe foi dado par que tudo permaneça como sempre foi.

    1. Tambem sempre me neguei a dizer que o Brasil tem Elite. Nunca teve, porque se tivesse, esse país seria outro.

  2. Recebemos o tempo todo um monte asneiras pelos meios de comunicação, que faz os ditos esclarecidos , porta vozes desta oligarquia perversa. E assim continuamos a entregar nossa soberania e bem esta do povo.

  3. Dom João VI precisa ser mais estudado. Me parece que foi, como português, mais brasileiro que essas nossas elites descritas aí, perfeitamente. Ele aumentou para 24% tarifas de importação, abriu os portos e autorizou industrias de todo o tipo, depois que fugiu de Napoleão, amparado pela Inglaterra. Não deu colher de chá para os ingleses, que queriam um porto livre para eles, em Santa Catarina. Em 1827, quando venceu o tratado comercial que João VI havia assinado em 1810 com os ingleses, dom Pedro II, com muita dificuldade, ou seja, com muita pressão dessa elite vendilhã, manteve as tarifas, porém, diminuindo-as para 16%, permitindo enxurrada de importações inglesas e prejuízo para as indústrias nacionais que estavam nascendo. O rei conseguiu, no entanto, manter o tratado até 1947. Recusou renová-lo. Aumentou ainda mais as tarifas, como autêntico nacionalista. Variaram de 20% a 45%. Os ingleses se enfureceram com a Tarifa Alves Branco. Foi isso que proporcionou o surgimento do Barão de Mauá, que, em 30 anos, construiu mais de 70 navios, exportando-os para todo o mundo, enquanto seu banco, o Mauá, expandiu-se para Uruguai, Argentina, Paraguai, chegou a negociar com o Chile etc. A crise mundial de 1873-1893 retraiu o mercado para as exportações brasileiras, tanto de manufaturados como de primários e semielaborados. O buraco se abriu. O esforço de dom Pedro II para manter seu nacionalismo monárquico constitucional se sucumbiu, com as alianças espúrias entre nossas elites, favoráveis ao status quo escravista e contrário à modernização da economia, capitaneada por Mauá, e os imperialistas ingleses. O século 19, do ponto de vista econômico, para o Brasil, começa com o Tratado de 1810, de perfil imperialista. Quando D. João, recomendado por Tayllerand, chanceler de Napoleão, cria o Reinado de Brasil Portugal e Algarves, para contrapor-se aos interesses ingleses, ficou evidente que o Brasil estava no redemoinho internacional provocado pelas duas grandes potências, França e Inglaterra. Já ali José Bonifácio imaginava o Brasil potência, procurando desvencilhar-se o reino dos abutres que queriam manipulá-lo e dominá-lo. Estende-se por todo o século 19 essa grande luta imperialista contra o Brasil. Nada muito diferente do que está acontecendo agora com o congelamento imperialista dos gastos públicos imposto pelo Consenso de Washington, que barateia o patrimônio nacional, para os abutres de sempre se fartarem, enquanto avança o salário intermitente de Temer impondo aos que o ganham, sempre abaixo do mínimo, pagar imposto adicional, para ter direito a uma aposentadoria de miséria. A escravidão intermitente é a prova de que estamos ainda sob domínio imperialista. Leitura obrigatória de todos: O Ano Vermelho, de Moniz Bandeira, que traça um perfil do século 19 para introduzir os movimentos socialistas que começam no Brasil a partir de 1844 no ambiente dessa exploração colonial ainda atual.

    1. Cesar, vc tem bibliografia ou links de onde pegou as informações para montar esse texto? Tenho interesse em particular em 3 personagens, D.João VI, José Bonifácio e o Visconde de Mauá. Abs.

      1. O Ano Vermelho, de Moniz Bandeira, dá um panorama muito bom. Ele escreveu o livro para comemorar os 100 anos da revolução soviética. No que tange ao Brasil, nos primeiros capítulos, descreve magistralmente os primórdios do movimento socialista brasileiro, período que rapidamente retratei aí. Bonifácio é retratado de forma fantástica pelo biógrafo Tarquínio, e Mauá, Moniz fala rapidamente mas com muita informação. A contextualização do assunto está em Moniz. Leia meu site: http://www.independenciasulamericana.com.br. Abs

  4. Dentre os blogs de “esquerda” quase todos ignoram a questão dos pagamentos do chamado “serviço da dívida”. Falam que os golpistas baixam a cabeça para os EUA com uma ferocidade paradoxal, de quem passou 13 anos ajoelhado perante o mercado financeiro apátrida.

      1. Vargas suspendeu duas vezes o pagamento da dívida na década 30. Por mais da metade desta década não houve pagamento de dívida pública. Vargas também fez uma auditoria da dívida e a renegociou da década de 40 por 50% do seu valor.

        1. Não vejo a hora do psol “tomar o poder” e mostrar toda essa valentia e fazer todo tipo de profecias de páreos corridos. Mas para quem acredita que “reservas cambiais são geradas com emissões de títulos da dívida pública”, está de bom tamanho.

          1. Pela raiva que responde meus comentários, nunca argumentando nada, parece que qualquer crítica ao PT vira algo pessoal para você.

            Me pergunto se perdeu algum cargo comissionado ou se é algum dirigente.

        2. Você é tão bons em seus comentários quanto em advinhação. Posso te garantir que você ficaria bem impressionado se acertasse aonde confortavelmente me instalo. Para alguns a ignorância e a ingenuidade é uma benção.

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