Reportagem de Reynaldo Turollo Jr, na Folha, a mais lida neste momento em seu portal, dá ideia da monstruosidade que se formou nas elites deste país. Quando se chega ao ponto de que uma figura sombria e autoritária acaba em porta-voz da dignidade humana, é sinal de que as instituições tornaram-se mais que tolerantes, verdadeiras cúmplices da barbárie.
O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), disse nesta terça-feira (10) que pessoas que ficam indignadas com o fato de a cela do ex-presidente Lula ter um vaso sanitário, por considerarem isso um privilégio, sofrem de algum tipo de perversão.
“Onde estamos com a cabeça? Aonde foi a nossa sensibilidade? É um tipo de perversão que pessoas que foram alfabetizadas, tiveram três ou quatro alimentações durante toda a vida, se comportem dessa maneira, animalesca”, afirmou.
É assustador que um homem de direita, conservador e elitista seja um dos poucos que tem espaço para dizer esta verdade evidente, porque os demais “donos da voz” neste país revezam-se, quase todos, nos jornais e televisões para chamar de “privilégios” os direitos que deveriam se de qualquer ser humano.
Aliás, chega-se ao ponto de um candidato (e não só um) dizer que alguém preso já não é um ser humano.
Óbvio que remendam essa monstruosidade dizendo que os outros não têm. Neste caso, como há pessoas com fome, deveríamos abolir seus “privilégios” de comer três vezes por dias?
Isso não brotou do nada. Embora a semente do mal, dizem alguns, esteja disseminada em muitos, ela só viceja se lhe dão alimento e temperatura para romper a casca de civilização que, há milênios, a humanidade vem formando.
A classe dominante brasileira – e nesta não está só o capital, o rentismo, mas também os estamentos que a ele se agarram como cracas, inclusive na minha profissão – volta a assumir os seus jamais esquecidos ares de senhores de engenho, onde a senzala e o eito bastavam para os escravos e, num gesto de liberalidade, algo melhor só se alcançaria pela docilidade que os fizessem mucamas e feitores.
Esta deformação se reproduz em parte da classe média – até com mais desfaçatez. Outro dia um cidadão foi mostrado, nas redes sociais, lamentando não se poder mais “pegar uma menina de 13, 14 anos” no interior, pô-la a trabalhar como doméstica, pagar-lhe com comida e trapos e, pasmem, ainda correr o risco de ser um violador por fazer sexo com ela.
O século 19 é no 21.
O chicote desta nova servidão é, ninguém duvide, a mídia.
E quem o brande são os senhores promotores e juízes, transformados em bestas-feras, que sequer disfarçam mais o ódio, com seu discurso hipócrita.
Tão hipócrita que faz de Gilmar Mendes, o tosco ministro, alguém melhor, do ponto de vista humano, do que os Fachins e Barrosos.