Trump e o ‘Coronagate’: alguém ainda liga para a verdade?

Dez ou doze anos atrás, a candidatura de Donald Trump à reeleição estaria morta, curiosamente pelas mãos de um dos jornalistas que, em 1974, levou à renúncia do então presidente Richard Nixon, com o escândalo do ‘Watergate’, a invasão encoberta de uma sede do Partido Democrata por agentes do governo norte-americano.

Mas hoje, na era da pós-verdade, em que os fatos importam menos que as crenças, é impossível dizer que a revelação do jornalista Bob Woodward, amparada em diálogos gravados, de que Trump sabia da letalidade do novo coronavírus ao mesmo tempo em que a minimizava em público, com manifestações de que era , como se disse aqui, apenas uma “gripe”.

As gravações, feitas por um Trump exibicionista para a confecção do livro de Woodward, Rage – que pode ser traduzido por “Raiva” ou “Fúria” – foram publicadas pela CNN. Numa delas, feita no dia 7 de fevereiro, quando não havia mortes e menos de uma dezena de casos tinham sido registrados, onde o presidente americano, referindo-se a uma conversa com o presidente chinês, Xi Jinping, dizia que o coronavírus era “uma coisa mortal” (deadly stuff).

Mais de um mês depois disso, a 9 de março, Trump seguia minimizando o perigo em seu Twitter, dizendo que em média entre 27.000 e 70.000 norte americanos morriam por ano por gripe: “Nada fecha, a vida e a economia continuam. Neste momento, existem 546 casos confirmados do CoronaVirus, com 22 óbitos. Pense sobre isso!”.

O país de Trump está a uma semana de ter 200 mil mortes, quase 10 mil vezes mais do que Trump mandava pensar “sobre isso”.

Não, não se vai pensar, porque boa parte da vida moderna consiste em não pensa e aceitar a dizimação de parcelas imensas da sociedade, senão pela pandemia, pela exclusão, pela miséria e pelo “combate ao crime”.

O extermínio tornou-se uma fatalidade que deve ser aceita e desdenhada, em nome da economia.

O mundo acumula riqueza há milhares de anos, mas não pode deixar de fazê-lo por alguns meses, Será que isso é mais danoso que as milhares e milhões de mortes que a acumulação de capital exigiu?

Infelizmente, porém, os fatos já não importam muito, no mundo da pós-verdade, importa mais a convicção. Ou o fanatismo.

 

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