Kamel, da Globo, insinua ‘armadilha’ de fonte bolsonarista

Monica Bergamo, na Folha, publica “nota interna” de Ali Kamel, onde ele descreve e defende a reportagem que revelou o registro de portaria do condomínio de Jair Bolsonaro que marcava como “Casa 58” o destino do cúmplice do suposto assassino de Marielle Franco e Anderson Gomes, no dia do crime, 14 de março de 2018, exatos 600 dias atrás.

Reproduzo o texto e comento a seguir, já destacando o dado novo que é a afirmação de Kamel, com base em declarações do próprio presidente, de que o advogado de Bolsonaro sabia do conteúdo dos áudios no momento em que deu a entrevista, conformando que tinha havido uma “apreensão privada” de provas.

“Há momentos em nossa vida de jornalistas em que devemos parar para celebrar nossos êxitos.

Eu me refiro à semana passada, quando um cuidadoso trabalho da editoria Rio levou ao ar no Jornal Nacional uma reportagem sobre o Caso Marielle que gerou grande repercussão. A origem da reportagem remonta ao dia 1° de outubro, quando a editoria teve acesso a uma página do livro de ocorrências do condomínio em que mora Ronnie Lessa, o acusado de matar Marielle. Ali, estava anotado que, para entrar no condomínio, o comparsa dele, Elcio Queiroz, dissera estar indo para a casa 58, residência do então deputado Jair Bolsonaro, hoje presidente da República. Isso era tudo, o ponto de partida.

Um meticuloso trabalho de investigação teve início: aquela página do livro existiu, constava de algum inquérito? No curso da investigação, a editoria confirmou que o documento existia e mais: comprovou que o porteiro que fez a anotação prestara dois depoimentos em que afirmou que ligara duas vezes para a casa 58, tendo sido atendido, nas palavras dele, pelo “seu Jair”. A investigação não parou. Onde estava o então deputado Jair Bolsonaro naquele dia? A editoria pesquisou os registros da Câmara e confirmou que o então deputado estava em Brasilia e participara de duas votações, em horários que tornavam impossível a sua presença no Rio. Pesquisou mais, e descobriu vídeos que o então deputado gravara na Câmara naquele dia e publicara em suas redes sociais. A realidade não batia com o depoimento do porteiro.

Em meio a essa apuração da Rio (que era feita de maneira sigilosa, com o conhecimento apenas de Bonner, Vinicius, as lideranças da Rio e os autores envolvidos, tudo para que a informação não vazasse para outros órgãos de imprensa), uma fonte absolutamente próxima da família do presidente Jair Bolsonaro (e que em respeito ao sigilo da fonte tem seu nome preservado), procurou nossa emissora em Brasilia para dizer que ia estourar uma grande bomba, pois a investigação do Caso Marielle esbarrara num personagem com foro privilegiado e que, por esse motivo, o caso tinha sido levado ao STF para que se decidisse se a investigação poderia ou não prosseguir. A editoria em Brasilia, àquela altura, não sabia das apurações da editoria Rio. Eu estranhei: por que uma fonte tão próxima ao presidente nos contava algo que era prejudicial ao presidente? Dias depois, a mesma fonte perguntava: a matéria não vai sair?

Isso nos fez redobrar os cuidados. Mandei voltar a apuração quase à estaca zero e checar tudo novamente, ao mesmo tempo em que a Editoria Rio foi informada sobre o STF. Confirmar se o caso realmente tinha ido parar no Supremo tornava tudo mais importante, pois o conturbado Caso Marielle poderia ser paralisado. Tudo foi novamente rechecado, a editoria tratou de se cercar de ainda mais cuidados sobre a existência do documento da portaria e dos depoimentos do porteiro. Na terça-feira, dia 29 de outubro, às 19 horas, a editoria Rio confirmou, sem chance de erro, que de fato o MP estadual consultara o STF.

De posse de todas esses fatos, informamos às autoridades envolvidas nas investigações que a reportagem seria publicada naquele dia, nos termos em que foi publicada. Elas apenas ouviram e soltaram notas que diziam que a investigação estava sob sigilo. Informamos, então, ao advogado do presidente Bolsonaro, Frederick Wassef, sobre o conteúdo da reportagem e pedimos uma entrevista, que prontamente aceitou dar em São Paulo. Nela, ele desmentiu o porteiro e, confirmando o que nós já sabíamos, disse que o presidente estava em Brasília no dia do crime. Era madrugada na Arábia Saudita e em nenhum momento o advogado ofereceu entrevista com o presidente.

A reportagem estava pronta para ir ao ar. Tudo nela era verdadeiro: o livro da portaria, a existência dos depoimentos do porteiro, a impossibilidade de Bolsonaro ter atendido o interfone (pois ele estava em Brasilia) e, mais importante, a possibilidade de o STF paralisar as investigações de um caso tão rumoroso. É importante frisar que nenhuma de nossas fontes vislumbrava a hipótese de o telefonema não ter sido dado para a casa 58. A dúvida era somente sobre quem atendeu e só seria solucionada após a decisão do STF e depois de uma perícia longa e demorada em um arquivo com mais de um ano de registros. E isso foi dito na reportagem. Quem, de posse de informações tão relevantes, não publica uma reportagem, com todas as cautelas devidas, não faz jornalismo profissional.

Hoje sabemos que o advogado do presidente, no momento em que nos concedeu entrevista, sabia da existência do áudio que mostrava que o telefonema fora dado, não à casa do presidente, mas à casa 65, de Ronnie Lessa. No último sábado, o próprio presidente Bolsonaro disse à imprensa: “Nós pegamos, antes que fosse adulterada, ou tentasse adulterar, pegamos toda a memória da secretária eletrônica que é guardada há mais de ano”.

Por que os principais interessados em esclarecer os fatos, sabendo com detalhes da existência do áudio, sonegaram essa informação?

A resposta pode estar no que aconteceu nos minutos subsequentes à publicação da reportagem do Jornal Nacional.

Patifes, canalhas e porcos foram alguns dos insultos, acompanhados de ameaças à cassação da concessão da Globo em 2022, dirigidos pelo presidente Bolsonaro ao nosso jornalismo, que só cumpriu a sua missão, oferecendo todas as chances aos interessados para desacreditar com mais elementos o porteiro do condomínio (já que sabiam do áudio).

Diante de uma estratégia assim, o nosso jornalismo não se vitimiza nem se intimida: segue fazendo jornalismo. É certo que em 37 anos de profissão, nunca imaginei que o jornalismo que pratico fosse usado de forma tão esquisita, mas sou daqueles que se empolgam diante de aprendizados. No dia seguinte, já não valia o sigilo em torno do assunto, alegado na véspera para não comentar a reportagem do JN antes de ela ir ao ar. Houve uma elucidativa entrevista das promotoras do caso, que divulgamos com o destaque merecido: o telefonema foi feito para a casa 65, quem o atendeu foi Ronnie Lessa, tudo isso levando as promotoras a afirmarem que o depoimento do porteiro e o registro que fez em livro não condizem com a realidade. O Jornal Nacional de quarta exibiu tudo, inclusive os ataques do presidente Bolsonaro ao nosso jornalismo, respondidos de forma eloquente e firme, mas também serena, pela própria Globo, que honra a sua tradição de prestigiar seus jornalistas. Estranhamente, nenhuma outra indagação da imprensa motivada por atitudes e declarações subsequentes do presidente foi respondida. O alegado sigilo voltou a prevalecer.

Mas continuamos a fazer jornalismo. Revelamos que a perícia no sistema de interfone foi feita apenas um dia depois da exibição da reportagem e num procedimento que durou somente duas horas e meia, o que tem sido alvo de críticas de diversas associações de peritos.

Conto tudo isso para dar os parabéns mais efusivos à editoria Rio. Seguiremos fazendo jornalismo, em busca da verdade. É a nossa missão. Para nós, é motivo de orgulho. Para outros, de irritação e medo.”

O texto acrescenta mistérios na história e está longe de ser uma apuração tão sólida quanto o caso requeria, apressada talvez pela informação de que teria havido, por Brasília, o “vazamento do vazamento” por uma fonte próxima ao presidente, como ele próprio registra e estranha: “por que uma fonte tão próxima ao presidente nos contava algo que era prejudicial ao presidente?”.

E prossegue: “Dias depois, a mesma fonte perguntava: a matéria não vai sair?”.

Mais sinais de uma possível armadilha, impossível.

Como é impossível que os registros e áudios das ligações da portaria – que a matéria descreve estarem sendo objetos de apuração dos investigadores – não tivessem sido apreendidos e tenham sido aceitas no inquérito meras cópias oferecidas espontaneamente. Igual é impossível que não fosse do conhecimento dos porteiros que as ligações eram registradas e gravadas eletronicamente ou que, se fosse o caso, as ligações serem redirecionadas ao celular do morador.

Quando surgiu a aparente contradição com o fato de Jair Bolsonaro estar em Brasília, naquela data, isso tornou-se algo que ninguém poderia deixar passar.

Também faltou – e até agora, ninguém se interessou em saber como foram voados ou trocados – os bilhetes de passagens Brasília/Galeão e Brasília/Santos Dumont compradas por Bolsonaro para aquele dia 14, com os localizadores WQ2GUH e YG3JQI, que dariam a certeza, para além dos registros de presença na Câmara, de onde estava o então deputado.

Se Kamel quer mesmo “fazendo jornalismo, em busca da verdade” está na obrigação de romper o cerco do “alegado sigilo [que] voltou a prevalecer”.

Ao contrário do resto da imprensa, a Globo sabe quem o está guardando.

 

 

 

 

 

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30 respostas

  1. Briga de bandidos: Boçalnato x metralhas Marinho. A nota de Ali Babá Kamel não esclarece nada faz é o jogo de confundir ainda mais o imbróglio. Fala em armadilha coisa que tanto a Rede Golpe e Boçalnato são doutores em aplicar em seus opositores. Páreo duro saber quem é mais canalha e trapaceiro Boçalnato ou os metralhas Marinho que não é de hoje que armam armadilhas para tirar de cena seus desafetos que o digam Dirceu, Lula e Dilma.

  2. Fernando Britto, não vamos nos esquecer do Brizolla, né? A Globo apoia a quem? Abraço a todos do Tijolaço.

  3. Ninguém quer esclarecer. Manter o caso “causando” é o melhor enquanto se vende o nosso petróleo que vale 5 tri pela gorjeta de 100 bi.
    Alguém sugeriu por aí que o processo do assassinatos da garota Marielle e do anderson devem ser concluídos, prestando contas à sociedade, e não motivo de empurra-empurra?
    Coitada da Mariele.. já a mataram umas dez vezes.

  4. Ouvi papos de que a central telefônica do condomínio direciona as ligações, quando não atendidas na residência, a um celular ou telefone cadastrado na central.
    Isto é possível em qualquer operadora de telefonia e custa pouco mais de R$ 10,00 por mês.
    Porque até agora NINGUÉM, mesmo mesmo os blogs de esquerda foram no condomínio verificar isto.

  5. Estou lendo em alguns blogs posts sobre uma foto que o Carluxo publicou hoje com uma ARMA do lado com a seguinte legenda: “trabalhando na internet das filiais do ….Meu Deus do céu! Tem que rir destes porcos!”
    Os blogueiros não sabem o que eles quis dizer com a foto e a legenda.
    Ue, Carluxo? Está ameaçando a pessoa que levantou na internet a questão de você ter feito alterações no sistema da portaria da mãe Joana do seu condomínio apagando os dois primeiros áudios das chamadas do dia 14 para a casa 58? Ou está se referindo ao fato dessa mesma pessoa ter feito referência ao backup que você pode ter feito das informações do sistema da portaria e depois de ter feito as alterações para encobrir os rastros, e na sequência – na calada da noite – ter baixado o backup com as alterações? Ou ainda está se referindo ao fato dessa pessoa ter sonhado com a fraude eleitoral que vocês cometeram com ajuda externa durante a transmissão dos dados eleitorais desviando votos de outros candidatos para candidatos do PSL? Ou o que é mais provável: está ameaçando essa pessoa por causa das TRÊS coisas? É isso mesmo garoto?
    Se for, você está subestimando a inteligência e a coragem dessa pessoa. Acha mesmo que ela não sabe o que está fazendo? Acha mesmo que ela não tem nenhuma proteção? Acha que ela é burra como você?

  6. Aliás, naquele site Duplo Expresso agora é a vez de criticarem o Fernando Brito. Depois que detonarem todos, terão que apagar a luz. Está lá num comentário à matéria sobre quem matou Marielle – e o tal Romulus respondeu ao comentário sobre o Brito. De vez em quando eu vou lá: ontem Romulus disse que eu quero “causar”, rs.

    1. ATENÇÃO: Não acessem o tal site em hipótese nenhuma e muito menos postem comentários nele.

      Boa tentativa Carluxo.

      A propósito, só para não perder o costume: a Taurus está juntinho com vocês milicianos, né!.
      By by Renatinha.

      1. Cafageste ! Cada um acessa o que quiser!
        Tem analises para todos os Gostos!
        O Du.plo Ex.presso é um dos melhores blogs ao lado do Tijolaco e do Eduguim!
        Recomendo fortemente o Du.plo Expre.sso

        1. Eu recomendo que escreva cafajeste com “j”. Lá tem análise “para todos os gostos”, desde que nos comentários não se diga nada que os desagrade, pois se não o comentarista será um inseto, verme, barata, neandertal. Estranho você apreciar o Tijolaço, pois Romulus criticou o Fernando Brito apenas por fazer referência ao Nassif, desafeto do Romulus.

      2. Quando te respondi hoje não tinha visto esse seu comentário. Se você for lá para ver seu nome printado pela tal Viviane vai ver também que o perfil que te respondeu abaixo – Front Nacionalista – me chamou de mal caráter, inseto, verme, barata, neandertal, etc. Eles são muito esquisitos por lá. A propósito: um dos meus jornalistas preferidos é o Fernando Brito, comento aqui há anos com o meu próprio perfil e meu próprio nome.

          1. Desculpe Viviane. Pensei que estava respondendo um comentário da tal Renatinha.

          2. Desculpe Viviane. Pensei que estava respondendo um comentário da tal Renatinha.

          3. Desculpe Viviane. Pensei que estava respondendo um comentário da tal Renatinha.

          4. Essa moça Viviane não gostou de comentário que fiz no Duplo Expresso, veio atrás de mim na internet, me detectou aqui, tentou ler meus comentários no Disqus, não conseguiu, me desafiou a abrir o Disqus, se confundiu com a sua resposta, Sandra, e achou que eu usava dois perfis e por isso questionou meu caráter e ética. Se vangloriou da “descoberta” dos meus supostos perfis no Duplo Expresso e o tal Romulus a elogiou pelo feito. E ela não desfez a história, continua aparecendo como se fosse uma grande investigadora de perfil alheio. Aliás, Sandra, ela expôs seu nome lá, printou a sua resposta para “provar” que eu usava dois perfis [está nos comentários à matéria Cui Bonos sobre Marielle].

          5. E aí, Viviane, tudo bem? Desagradável a sua atitude de ficar perseguindo os outros na internet.

  7. a fonte protegida tem todas as digitais de um certo marreco de Maringá, inclusive nos métodos. Quem das proximidades da família miliciana, teria a confiança cega de que não seria traído pelos comparsas da Globo com uma bomba dessa na mão?

  8. Jornalismo é algo que a Rede Esgoto de Televisão não pratica há muitos anos, o que ela faz, há décadas, é omissão, “tratamento” e manipulação de informação e fatos. Desejo, do mais íntimo de meu ser, que ela e o Cachorro Louco tenham, o mais rápido possível, o fim que merecem.

  9. Tenho a impressão que a tal pessoa de foro privilegiado não é o Bolsonaro e que houve utilização da Globo para forçar o caso a subir para o STF de forma a blindar essa pessoa. Talvez tenha sido em relação a ela, e não à citação do nome “Jair”, que o MP consultou o STF. Porque interessaria à pessoa próxima ao clã e ao advogado que o processo subisse para o STF? Quem querem blindar no STF? Um dos filhos numerados? Os três têm foro? Hélio Negão? [Quando Bolsonaro acusou Witizel e disse que este o avisou da menção a seu nome ele já tinha se apossado das gravações?]. A gente fica especulando pq nada é claro nesse caso e parece que o que menos importa é a Marielle e o Anderson.

  10. Se a globista entrar de sola o bozo não aguenta…..resta saber o preço, para entrar ou não…e se o bozo vai se curvar…

  11. Brito: Então quer dizer que apossaram do conteúdo do Computador e modificaram de acordo com suas mentiras de maneira mais convincente. Isto é coisa de mafiosos, Tem algo muito nebulosa neste imbróglio. A impressão que temos é que os Bolsonaros estão metidos até o pescoço no caso da morte da Mariele, Porque demorou tanto a investigação????
    Mas, a demora está explicada: Os criminosos e com este barulho todo, chegou no mandante ou mandantes.

  12. “1) Em janeiro de 2019, Ronnie Lessa (o vizinho) toma conhecimento por sua mulher de que há um registro de portaria comprometedor.

    2) A partir desta data, os bolsonaros passam a ter conhecimento da “bandeira”.

    3) Ainda a partir de janeiro, eles pegam odispositivo de registro de áudio e o alteram e/ou fazem cópiados mesmos, eliminando as 2 mensagens comprometedoras e inserindo uma mensagem entre a portaria e a casa 65, que pode ter sido feita EM QUALQUER OUTRA DATA, anterior ou posterior.”

    https://jornalggn.com.br/justica/narrativas-sobre-o-caso-do-porteiro-por-bo-sahl/

  13. Isso tudo foi “apenas” a Globo negociando a concessão para 2022… Só, mais nada. Jornalismo é tudo o que eles não fazem.

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